Nota IDISA/CEPEDISA: Portaria n. 2.282 do Ministério da Saúde
01/Set/2020O Ministério da Saúde editou a Portaria GM/MS nº 2.282, 27.8.2020, dispondo sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde-SUS, justificando ser necessário disciplinar as medidas assecuratórias da licitude do procedimento de interrupção da gravidez. Lembramos que a Lei nº 12.015, de 2009, promoveu alterações no Código Penal para tipificar os crimes de estupro e estupro de vulnerável, tornando pública a natureza da ação penal desses crimes.
O Ministério da Saúde, julgando-se competente para produzir dados investigatórios, editou a referida portaria sob a justificativa de estar garantindo a licitude do aborto, fato que compete à autoridade policial e judicial. Caso pretenda o MS obter mais dados, deve dirigir-se à essas autoridades e não à gestante.
Na realidade, a Portaria, ao invés de disciplinar medidas de ordem sanitária, acabou por extrapolar a sua competência ao dispor sobre procedimentos de ordem policial (denúncia do crime) que cabe à vítima ou ao seu representante legal que pode optar, em especial no caso de pessoas vulneráveis, a denunciar ao Ministério Público, o titular da ação penal de ordem pública.
Ao determinar que cabe aos profissionais de saúde ou responsáveis pelo estabelecimento de saúde, notificar a autoridade policial, tomando depoimentos, desrespeita a vítima e invade competência de outra esfera pública. No caso de pessoa com menos de 14 anos, cujo estupro se presume, é mais aberrante ainda, uma vez que gravidez dessas pessoas pressupõe sempre a existência de estupro.
Para que os cuidados com o material genético possam ajudar na elucidação do crime, devem ser objeto de normas genéricas sobre procedimentos próprios dos médicos e demais profissionais de saúde nos crimes contra a vida, a liberdade sexual e outros.
Os registros exigidos na Portaria e que devem ser registrados em documentos, como o relato circunstanciado do evento, realizado pela própria gestante, perante 2 (dois) profissionais de saúde do serviço, expõe a pessoa e transforma o médico num investigador. A avaliação especializada na gestante é ato sanitário e não pode ter caráter investigativo de crime.
Expor a mulher a visualização do feto ou embrião por meio de ultrassonografia é assédio moral; e caso a mulher tenha interesse é direito seu, sem a necessidade de assediá-la moralmente, em momento de extrema sensibilidade.
A Portaria GM-MS n. 2.282 extrapola as competências do Ministério da Saúde e cria barreiras procedimentais que ferem a dignidade da mulher em situação de vulnerabilidade após sofrer crime de estupro, impondo-lhe ônus incompatíveis com as finalidades dos serviços de saúde que são os de acolher e cuidar da gestante, respeitada a sua dignidade, sendo flagrantemente ilegal.
Em 31 de agosto de 2020
Instituto de Direito Sanitário Aplicado – IDISA
Centro de Estudos e Pesquisa em Direito Sanitário - CEPEDISA
OUTROS ARTIGOS
Transferência de recursos do Ministério da Saúde para os municípios no âmbito do Programa Saúde na Escola para enfrentamento da Covid-19. Portaria MS n. 1.857, de 2020, alterada pela Portaria MS n. 2.027, de 2020; Decreto n. 6.286, de 2007, e Portaria Interministerial nº 1.055/MS/MEC, de 26 de abril de 2017.
Autor: Lenir SantosData: 04/09/2020
A obrigatoriedade de pagamento de Adicional de Insalubridade de 40% para os trabalhadores da Saúde que estão atuando em serviços que atendem casos de COVID-19.
Autor: Thiago Lopes Cardoso CamposData: 04/09/2020
Demandas dos Ministérios Públicos para os municípios relativas à Covid-19
Autor: Lenir SantosData: 11/06/2020
Compras emergenciais no combate à pandemia.
Autor: Lenir Santos e Tadahiro TsubouchiData: 29/05/2020
Resolução RDC nº 377 de 28/04/2020 e Nota Técnica n. 97/2020/SEI/GRECS/GGTES/DIRE1/ANVISA
Autor: Lenir SantosData: 14/05/2020
Reflexões sobre a Responsabilidade Solidária e o Ressarcimento no Sistema Único de Saúde a partir da Tese Fixada em Repercussão Geral pelo Supremo Tribunal Federal
Autor: Tarsila Costa do AmaralData: 19/12/2019
Agente comunitário de saúde e agente de combate a endemias. Lei n. 11.350, de 2006
Autor: Lenir SantosData: 05/12/2019
Mandato de conselheiro representante do Cosemssp do Conselho Estadual da Saúde do Estado de São Paulo
Autor: Lenir SantosData: 02/12/2019