Agente comunitário de saúde e agente de combate a endemias. Lei n. 11.350, de 2006

05/Dez/2019

Por Lenir Santos


REQUERENTE: Conselho de Secretários Municipais da Saúde do Estado de São Paulo (Cosemssp).

ASSUNTO: Agente comunitário de saúde e agente de combate a endemias. Lei n. 11.350, de 2006.

A EC 51 tanto quanto à EC 63, que alteraram o art. 198 da Constituição para lhes acrescentar artigos dispondo sobre os agentes comunitários de saúde (ACS) e os agentes de combate a endemias (ACE), não seriam matérias de cunho constitucional. Lembro que tais disposição causaram espécie no mundo jurídico, tendo em vista tratar-se de tema que não caberia à Constituição disciplinar.

A EC 51 permitiu a contratação sob regime de emprego público; determinou que o vínculo fosse direito com o Poder Público e ainda admitiu que pessoas contratadas por entidade privada para o desempenho de tal atividade pudessem ter seus vínculos privados assumidos pelo Administração Pública, desde que tivesse havido processo seletivo privado, o que causou muita estranheza.

O mesmo se pode dizer da EC 63 que no lugar de resolver as dúvidas conceituais provocadas pelo texto da EC nº 51, de 2006, a EC nº 63, de 2010 aprofundou a confusão conceitual na matéria ao alterar o texto do § 5º do art. 198. O novo texto do dispositivo constitucional estabeleceu que lei federal deve dispor sobre o regime jurídico, o piso salarial nacional, as diretrizes para os planos de carreira e a regulamentação das atividades de ACS e ACE, ratificando a mistura de conceitos de regimes jurídicos de trabalho diversos, conforme, inclusive, denunciado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados.

Viu-se que à revelia do que dispôs a EC nº 51, a sua lei regulamentadora deixou bem claro tratar-se de emprego público, até porque não haveria respaldo constitucional para que uma lei federal dispusesse sobre um cargo público nacional de ACS ou ACE, sem ferir a autonomia dos entes federativos. Por outro lado também criou uma antinomia jurídica com o disposto no art. 39 da Constituição que define o regime jurídico único para a Administração Direta e Autárquica.

De qualquer forma, o aprofundamento da indefinição conceitual da EC nº 63, de 2010 quanto à natureza do regime jurídico dos ACS e ACE – se estatutário, relativo a cargos públicos, criados por lei do ente federado e organizados em carreiras; se celetista, com regulamentação nacional sobre a profissão, inclusive em relação a piso salarial permanece. Infelizmente a EC nº 63, de 2010, afronta ao princípio fundamental do federalismo, consagrado na Constituição Federal de 1988). A EC nº 63 afronta ao art. 22 da Constituição Federal por estabelecer competências legislativas para a União, não previstas entre as competências de legislação nacional, dispostas naquele artigo.

Tendo a EC determinado o disciplinamento das atividades desses agentes por lei, a Lei 11. 350, com diversas modificações, estabeleceu normas a respeito do tema, a qual passará a ser objeto de análise.

As atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias são regidas pela Lei n. 11.350, de 2006, e suas alterações, sempre com fundamento nas EC 53 e 61, que alteraram o art. 198 da Constituição.

Primeiramente, é importante lembrar que o exercício das atividades de Agente Comunitário de Saúde e de Agente de Combate às Endemias se dá com exclusividade no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS, devendo tais agentes serem contratados diretamente por órgão ou entidade da administração direta, autárquica ou fundacional, dos entes federativos incumbidos dessa atividade, que são, essencialmente os municípios e de modo supletivo, os estados.

Nos termos da Lei, é obrigatória a presença de Agentes Comunitários de Saúde (ACS) na Estratégia Saúde da Família e de Agentes de Combate às Endemias (ACE) na estrutura de vigilância epidemiológica e ambiental e suas atribuições se vinculam à prevenção de doenças e promoção da saúde, mediante ações domiciliares ou comunitárias, individuais ou coletivas, desenvolvidas em conformidade com as diretrizes definidas pelos entes federativos para as ações preventiva e a atenção básica em saúde. Seu objetivo é a ampliação do acesso às ações e serviços de saúde, em especial, os de informação em saúde, promoção da cidadania, sempre sob coordenação do secretário de saúde. Essas atividades se voltam precipuamente para a promoção e proteção da saúde das pessoas.

A lei define desde logo que a atenção à saúde deve se fundar num modelo multiprofissional de saúde da família, o qual deve inserir o ACS em sua área geográfica de atuação profissional, cabendo-lhe realizar visitas domiciliares rotineiras, casa a casa, para a busca de pessoas com sinais ou sintomas de doenças agudas ou crônicas, de agravos ou de eventos de importância para a saúde pública e consequente encaminhamento para a unidade de saúde de referência. Tal atribuição está expressamente prevista na lei de regência que considera esse modelo de atenção à saúde, atividades típicas do Agente Comunitário de Saúde, em sua área geográfica de atuação. A lei discrimina de modo exaustivo, em seu artigo 3º, essas atividades, que mais caberiam, dentro da técnica legislativa, num decreto do Executivo ou até mesmo em portaria ministerial. Contudo, a referida lei impõe que o ACS precisa ter concluído o curso técnico e tenha disponível os equipamentos adequados para a sua atuação na assistência multiprofissional em saúde da família.

No que se refere ao ACE, a sua atribuição se insere no âmbito das atividades de vigilância, prevenção e controle de doenças e promoção da saúde, sob supervisão do dirigente da saúde de cada ente federado. A lei enumera as suas atividades, tal qual a do ACS e requer a supervisão de suas atividades por um profissional de nível superior da estrutura de vigilância epidemiológica e ambiental e de atenção primária. As atividades de ambos os agentes devem ser realizadas de forma integrada e sempre no âmbito da área de atuação geográfica de cada um.

A lei ainda define uma competência para o Ministério da Saúde que é a de regulamentar as atividades de vigilância, prevenção e controle de doenças e de promoção da saúde a que se referem os arts. 3º , 4º e 4º-A da lei em estudo, cabendo-lhe estabelecer os parâmetros dos cursos nela previstos. Impõe-se aos agentes realizar a cada dois anos, cursos de aperfeiçoamento em sua área de atuação, cabendo o seu financiamento aos três entes da Federação.

São condições legais para o ACS exercer as suas atividades: a) residir na área da comunidade em que atuar, desde a data da publicação do edital do processo seletivo público; b) ter concluído, com aproveitamento, curso de formação inicial, com carga horária mínima de quarenta horas; c) ter concluído o ensino médio, sendo que este requisito fica condicionado a existência de candidato nos editais de contratação, quando, então poderá ser contratado candidato com ensino fundamental, que deverá comprovar a conclusão do ensino médio no prazo máximo de três anos.

Veda-se a atuação do ACS fora da área geográfica a que se refere o art. 6º, cabendo ao ente federativo definir a sua área de atuação, sempre em acordo aos parâmetros do MS, distinguir zona urbana da zona rural; flexibilizar o número de atendimentos à famílias quando se tratar de áreas de difícil acessibilidade local vulnerabilidade.

A lei considera uma exceção no tocante à área geográfica de atuação do ACS nos casos em que adquira casa própria fora de sua área, quando então poderá ser remanejado ou permanecer na mesma equipe.

No tocante ao ACE, o mesmo deve preencher os seguintes requisitos para o exercício da atividade, a) ter concluído, com aproveitamento, curso de formação inicial, com carga horária mínima de quarenta horas; e b) ter concluído o ensino médio, aplicando-se a ele a mesma exceção no tocante ao edital, quando o mesmo for deserto.

O ACE tem uma atuação vinculada aos número de imóveis que ficam sob sua fiscalização, sempre em acordo aos parâmetros estabelecidos pelo Ministério da Saúde e outros definidos pela própria lei. A contratação do ACE também será pelo regime jurídico da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, como salvo disposições diferentes dos entes federativos estaduais e municipais que poderão admiti-los sob regime próprio, lembrando que na atividade do ACE há poder de polícia sanitária, ou seja, poder de Estado. Como as emendas constitucionais e a lei em comento não distinguiram o regime de trabalho dos agentes, entendemos que em todas as atribuições públicas com poder de polícia, como é o caso do ACE, o regime de trabalho deveria ser o estatutário, mas as emendas não fizeram tal distinção.

A EC 51 admitiu que os agentes que tivessem sido admitidos por entidades privadas contratadas pelo Poder Público para o exercício dessas atividades, desde, que por processo de seleção pública, poderiam ser admitidos no serviço público sem a necessidade de se submeter a novo processo seletivo público, desde que tenham procedido ao devido recolhimento da contribuição previdenciária.

A referida lei dispôs ainda sobre o piso salarial profissional nacional, não podendo nenhum agente ser contratado por valor inferior para uma carga horária de 40 horas. Esse valor está fixado em R$ 1.550,00 (mil quinhentos e cinquenta reais) mensais, devendo observar o escalonamento que a própria lei estabelece: a) R$ 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta reais) em 1º de janeiro de 2019; b) R$ 1.400,00 (mil e quatrocentos reais) em 1º de janeiro de 2020; c) R$ 1.550,00 (mil quinhentos e cinquenta reais) em 1º de janeiro de 2021. Poderá haver adicional de insalubridade nos casos em que habitual e permanentemente se execute as atividades acima dos limites de tolerância estabelecidos pelo órgão competente do Poder Executivo federal, devendo observar as normas que regem a CLT ou outros vínculos admitidos pela legislação. As condições clínicas serão também consideradas na atuação das atividades dos agentes.

Lembramos que está prevista na lei, reajuste anual do piso, sempre em janeiro de cada ano e que há uma obrigatoriedade de a União prestar assistência financeira em 95% do valor do salário aos demais entes federativos no tocante à despesa salarial. Esse repasse financeiro se refere sempre ao número de agentes com vínculo efetivo com a Administração Pública, sob o regime admitido legalmente. Importante ressaltar que os gastos com os agentes serão computados para o efeito da Lei de Responsabilidade Fiscal. Ao ente federativo cabe o custeio da locomoção para o exercício das atividades.

Cabe ao Poder Executivo fixar por decreto os parâmetros quanto à quantidade máxima de agentes passível de contratação, em função da população e das peculiaridades locais, com o auxílio da assistência financeira complementar da União., sendo que serão 12 parcelas, mais uma adicional, devida no último semestre do ano.

A lei dispõe ainda sobre os planos de carreira dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate às Endemias, devendo ser observadas algumas diretrizes como a paridade salarial entre ambos os agentes; critérios de progressão e promoção; avaliação periódica.

A lei dispõe sobre o quadro de pessoal do ACE na Fundação Nacional de Saúde (Funasa), a qual poderá colocar à disposição dos Estados, do Distrito Federal e dos entes federativos, no âmbito do SUS, mediante convênio, ou para gestão associada de serviços públicos, mediante contrato de consórcio público,

Os entes federativos deverão criar os cargos ou os empregos públicos para os agentes, sendo vedada a contratação temporária ou terceirizada dos agentes, salvo na hipótese de combate a surtos epidêmicos, na forma da lei aplicável. É criada uma exceção para os agentes, nos seguintes termos: “Os profissionais que, na data de publicação desta Lei, exerçam atividades próprias de Agente Comunitário de Saúde e Agente de Combate às Endemias, vinculados diretamente aos gestores locais do SUS ou a entidades de administração indireta, não investidos em cargo ou emprego público, e não alcançados pelo disposto no parágrafo único do art. 9º , poderão permanecer no exercício destas atividades, até que seja concluída a realização de processo seletivo público pelo ente federativo, com vistas ao cumprimento do disposto nesta Lei.”

As questões que mais surgem quanto à aplicação da referida lei, podem ser resumidas em:

a) A assunção pelo Administrador Público do vínculo anterior, privado, do agente;
b) O pagamento do salário nunca inferior ao piso legal;
c) Quais os regimes admitidos para a contratação dos agentes pelos entes federativos no âmbito do SUS; e
d) A criação de cargo ou emprego para o agente.

O Município – o ente responsável pela atenção primaria em saúde, locus dos agentes, em especial o agente comunitário da saúde que integra a equipe de saúde da família em geral, deverá criar cargo público caso pretenda que o vínculo do agente seja pelo seu regime próprio, o estatutário, os quais somente podem ser admitidos mediante concurso público, devendo o edital definir os requisitos de admissão, como o da moradia em local aonde irá atuar. O mesmo deve ocorrer em relação ao vínculo pelo regime da lei trabalhista, a CLT, admissível mediante processo seletivo público. Deverão ser criados os quantitativos de empregos públicos. Tudo por lei.

A assunção do vínculo privado – desde que tenham os agentes sido admitidos por processo seletivo devidamente comprovado nos termos da lei – depende de lei criando os quantitativos de empregos públicos a ser ocupados por esses.

A remuneração dos agentes deve ser no mínimo o piso fixado pela lei, devendo lhes ser garantidos, os direitos trabalhistas ou os estatutários.

A categoria profissional dos agentes somente podem ser exercidas no âmbito do SUS, conforme determina a lei, sendo que no âmbito das atividades do agente de combate a endemias se encerram poderes próprios do Estado, como o poder de polícia sanitária.

Essas são as regras definidas pela lei que devem ser observadas por todos os secretários municipais de saúde, ou estaduais, quando eles assumem parte da atenção primária em saúde, de forma subsidiária.

Campinas, 5 de dezembro de 2019.

Lenir Santos
Advogada OAB-SP 87807
Doutora em saúde pública pela Unicamp


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