Possibilidade de divulgação em site oficial dos municípios da relação nominal, com dados sobre a ocupação, idade e o local de imunização dos cidadãos que foram vacinados desde o início da vacinação Covid19.
03/Fev/2021Por Lenir Santos
REQUERENTE: Conselho de Secretários Municipais da Saúde do Estado de São Paulo (Cosemssp).
ASSUNTO: Possibilidade de divulgação em site oficial dos municípios da relação nominal, com dados sobre a ocupação, idade e o local de imunização dos cidadãos que foram vacinados desde o início da vacinação Covid 19.
ANÁLISE JURÍDICA: O Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo – COSEMS-SP consulta o Instituto de Direito Sanitário Aplicado – IDISA a respeito da possibilidade jurídica de divulgação de dados das pessoas vacinadas contra o novo coronavírus, pelos serviços de saúde municipais.
O Tribunal de Contas do Estado – TCE-SP publicou no Diário Oficial Legislativo em 31.1.2021 instrução notificando os municípios ali nominados para no prazo de cinco dias, apresentarem esclarecimentos ou informações a respeito de:
1. Como foi feita a divulgação e a campanha de vacinação no âmbito do Município? Houve contratação de propaganda institucional? Em caso positivo informar valores e empresas 1contratadas;
2. Quais foram os critérios e orientações adotados para distribuição das doses da vacina aos hospitais e unidades de saúde sob sua responsabilidade, da sua administração direta, indireta, e/ou quaisquer outras unidades de saúde custeadas com recursos públicos, como as gerenciadas por entidades do Terceiro Setor?
3. Apresentar a relação nominal de cada unidade de saúde relacionada no item anterior e as respectivas quantidades de doses de vacinas que receberam;
4. As medidas adotadas para impedir desvios de doses na distribuição e aplicação de vacinas, de modo a priorizar os profissionais que atuam na linha de frente para tratamento de pacientes com COVID e grupos prioritários, nos termos do Plano Nacional de Imunização;
5. Os métodos implantados para controlar as pessoas que já foram vacinadas, incluindo o cronograma para aplicação da segunda dose dentro do prazo fixado pelas fabricantes e procedimento aprovado pela ANVISA;
6. As medidas que serão adotadas em caso de descumprimento das orientações do Estado SP/Governo Federal para aplicação e recebimento das vacinas para COVID-19;
7. Informar se a Prefeitura está divulgando a relação dos cidadãos vacinados em seu site oficial contendo nome, ocupação e local de imunização, nos moldes determinados pelas Leis de Transparência e Acesso à Informação, conforme recente decisão da Justiça Federal;
8. Elucidar como foi feito o cadastramento dos grupos prioritários (público-alvo da 1ª fase da vacinação);
9. Enviar relação nominal das pessoas que foram vacinadas, até a data de envio da resposta a esta notificação, contendo os nomes, ocupação, idade e local de imunização. Transcorrido o prazo, com ou sem respostas, retornem os autos ao Gabinete para deliberações.
As indagações do TCE-SP dizem respeito aos critérios adotados para a priorização da vacina, procedimentos, forma de cadastramento das pessoas, dentre outros aspectos. Contudo, o objeto da consulta do Cosems refere-se ao quesito 7 que trata da divulgação de alguns dados pessoais dos vacinados, dada a sua priorização por critérios epidemiológicos: nome, idade, profissão, em site oficial do Município. A dúvida consiste em verificar se esse ato viola o direito à privacidade das pessoas.
Cabe aqui a pergunta se a vacinação obrigatória de pessoas contra doenças epidêmicas em meio a uma grande pandemia é um procedimento sanitário protegido pelo sigilo profissional ou se se trata de um ato não-médico de proteção da saúde, de ampla publicização, que deve ser do mais amplo conhecimento da sociedade. Do ponto de vista epidemiológico, a imunização tem caráter coletivo por pretender erradicar ou conter doenças contagiosas em benefício de todos em um processo que não deve ser singularizado e sim coletivizado.
Há um direito à privacidade nas vacinações em massa, obrigatórias, objeto de campanhas publicitárias, realizadas em lugares públicos, abertos, com ampla divulgação? A Lei n° 13. 709, de 2018, em seu artigo 11, ressalva que o tratamento de dados pessoais sensíveis pode ocorrer sem fornecimento do consentimento do titular nas hipóteses em que for indispensável à proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiros. Por sua vez, a Lei n° 13.979, de 2020, art. 6°, impõe como obrigatório o compartilhamento entre agentes públicos de dados essenciais à identificação de pessoa infectadas ou com suspeita de infecção pelo coronavírus, com a finalidade exclusiva de conter a sua propagação.
De outro lado, a Lei n° 6.259, de 1975, define como competência do Ministério da Saúde a elaboração do Programa Nacional de Imunizações (PNI), inclusive a definição das vacinas obrigatórias, impondo o caráter sigiloso à identificação do paciente contaminado fora do âmbito médico-sanitário, ressalvando, contudo, os casos em que há grande risco comunitário, como ocorre com a Covid-19 e previsto na citada Lei n° 13.979. Tal lei não impôs sigilo no tocante à vacinação, lembrando que a recusa em se vacinar, quando ela é obrigatória, permite ao Poder Público exigir a apresentação do atestado de vacinação para fazer jus a recebimento de benefícios sociais e outros, o que dá à vacinação um caráter público e não privado. O ato de se vacinar não implica um procedimento médico individual, o cuidado com uma doença existente, mas sim uma _ação preventiva, de proteção da saúde individual e coletiva. _ Nesse sentido a legislação regente ora mencionada se sobrepõem a regras portarias que definam outros critérios de proteção de dados, conforme atos ministeriais específicos.
No presente caso, trata-se de uma pandemia de altíssimo risco coletivo, de abrangência mundial, quando então, a identificação de pessoas suspeitas de contágio deve ser comunicada à autoridade sanitária para cuidados individuais e coletivos. A exigência da divulgação de dados das pessoas vacinadas, tanto pode ser para o controle epidemiológico da doença, como, in casu, para o controle da transparência na ordem de vacinação dadas as prioridades traçadas em razão da escassez da vacina.
Nesse sentido, a possível colisão de direitos que pode aparentemente estar presente, merece ponderação para a sua harmonização, cabendo sopesar a proteção do bem maior. Medidas sanitárias que possam afetar outros direitos fundamentais, como a liberdade de ir e vir pela obrigatoriedade de quarentena, isolamento e distanciamento social, visam salvaguardar a vida da coletividade, sobrepondo-se ao direito individual. Na realidade a vacinação em uma epidemia como a atual, é um dever do Estado, mas também do cidadão, podendo caracterizar-se como um dever cívico pelos seus efeitos coletivos.
Assim, salvo melhor juízo, os dados solicitados pelo TCE-SP ao visar transparência nas informações no tocante ao processo de vacinação contra a Covid-19, que pela sua escassez deve observar um plano de prioridades, e ainda por haver indícios públicos de sua violação, poderão ser necessários. E se houver um sistema nacional ou estadual próprio de informações das pessoas vacinadas, o mesmo deverá ser utilizado para evitar duplicidade de meios para o mesmo fim.
Por todo o exposto, no presente caso, não vemos como violação do direito à privacidade e ao sigilo de dados, a publicização das pessoas vacinadas, até mesmo porque tal procedimento tem se dado em áreas públicas, aos olhos de todos, com ampla publicidade nas mídias e divulgação pelas próprias pessoas vacinadas, sendo que o próprio atestado de vacinação poderá ser exigido para a prática de determinados atos, o que evidencia o direito coletivo em prevalência ao direito individual no presente caso.
Campinas, 3 de fevereiro de 2021
Lenir Santos
OAB-SP 87807
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