Possibilidade legal de o município realizar contratação emergencial prevista na Lei n° 8.666, de 1993, bem como prorrogar contratos existentes, para atendimento da situação de emergência sanitária pela Covid-19. Necessidade de edição de novo decreto de calamidade pública para o ano de 2021.

21/Mar/2021

Por Lenir Santos


Requerente: Conselho de Secretários Municipais da Saúde do Estado de São Paulo (COSEMSSP).


ASSUNTO: Possibilidade legal de o município realizar contratação emergencial prevista na Lei n° 8.666, de 1993, bem como prorrogar contratos existentes, para atendimento da situação de emergência sanitária pela Covid-19. Necessidade de edição de novo decreto de calamidade pública para o ano de 2021.


O Conselho Estadual de Secretarias Municipais de Saúde do Estado de São Paulo (COSEMSSP) consulta o Instituto de Direito Sanitário Aplicado (IDISA) quanto às questões abaixo transcritas:

  1. Há possibilidade legal de acionar os dispositivos excepcionais para novas contratações emergenciais da Lei 8.666/93 no exercício de 2021 sem a publicação de nova legislação federal?
  2. Há possibilidade de serem realizados termos aditivos ou prorrogações das contratações realizadas no exercício de 2020, amparadas nos dispositivos excepcionais (contratações emergenciais)?
  3. O Decreto Estadual que institui a calamidade pública dá amparo legal para uso destes dispositivos?
  4. O município deve decretar Calamidade Pública no exercício de 2021?

As questões formuladas pelo COSEMSSP referem-se a possibilidade de realização pelos municípios, de compras de bens e serviços em regime emergencial em decorrência da pandemia da Covid-19, declarada formalmente pelo Decreto Legislativo n° 6, de 2020, do Congresso Nacional, que reconheceu, para os fins do art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, estado de calamidade pública até o dia 31 de dezembro de 2020, ou seja, declaração de calamidade pública para fins exclusivamente fiscais.

Na mesma ocasião foi editada a Lei n° 13.979, com medidas de excepcionalidade para a Administração Pública na gestão da crise sanitária, como contratações com dispensa de licitação, cuja vigência ficou vinculada, nos termos do seu art. 8°, aos efeitos do Decreto Legislativo ora mencionado.

Temos assim que o Decreto Legislativo n° 6 expirou em 31 de dezembro de 2020 e consequentemente também a Lei n° 13.979, de 2020, o que levou determinado partido político a propor uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6625), cujo Relator é o Ministro Lewandowski, para considerar vigentes, nos termos da Constituição, determinados dispositivos que não se caracterizam como “fiscais”, mas sim de proteção e prevenção da saúde, exigentes ainda de medidas extraordinárias para o enfrentamento da Covid-19, que são os artigos 3°, 3°A até o 3°J.

No exame da questão, o Ministro Lewandowski defendeu que a verdadeira intenção dos legisladores era a de manter “as medidas profiláticas e terapêuticas extraordinárias, preconizadas naquele diploma normativo, pelo tempo necessário à superação da fase mais crítica da pandemia, mesmo porque à época de sua edição não lhes era dado antever a surpreendente persistência e letalidade da doença”. E assim decidiu, garantindo interpretação de que os referidos artigos continuarão vigentes até o final do ano de 2021, ou por declaração da Organização Mundial da Saúde (OMS) quanto à cessação do estado de emergência sanitária de âmbito mundial.

Nesse sentido, as normas excepcionais em seus efeitos fiscais perderam sua validade em 31 de dezembro de 2020. Contudo, a pandemia continua a produzir seus nefastos efeitos na saúde da população que deve ser protegida sob todos os aspectos, sendo necessária a adoção de medidas como as previstas nos artigos acima mencionados, ainda em vigor, bem como a aquisição emergencial de bens e serviços.

Nesse sentido, sempre que caracterizada situação de urgência que justifique a compra de determinado bem ou serviço para o atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo à vida das pessoas, pode ser declarada a dispensa de licitação, conforme previsto no art. 24, inciso IV, assim disposto:

IV - nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos;
A epidemia da Covid-19 justifica a dispensa de licitação prevista na Lei n° 8.666, de 1993, sempre que necessário atender necessidades públicas urgentes para a proteção da vida e da saúde da população, como a compra de medicamentos, insumos hospitalares em regime emergencial.

Note-se que tal medida guarda correspondência às determinações dos artigos da Lei n° 13.979, de 2020, considerados não revogados por decurso de prazo, conforme exposto acima, para a salvaguarda da saúde das pessoas, como exemplo a autorização excepcional e temporária para a importação e distribuição de materiais, medicamentos, equipamentos e insumos da área de saúde (art. 3°, VIII). São medidas absolutamente necessárias para o enfrentamento da pandemia.

Entretanto lembramos que não estando mais em vigor o Decreto n° 6, de 2020, e havendo justificativa para a declaração de estado de calamidade pública para os efeitos fiscais do art. 65 da LRF, cabe ao município declará-la por decreto e submetê-lo à Assembleia Legislativa para o devido reconhecimento. Vejamos o texto da lei:
“Art. 65. Na ocorrência de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional, no caso da União, ou pelas Assembleias Legislativas, na hipótese dos Estados e Municípios, enquanto perdurar a situação:”

Assim, por conclusivo, esclarecemos que:
a) as compras de bens e serviços em regime de urgência encontram amparo na Lei de Licitações, o mesmo ocorrendo com as prorrogações e aditamentos contratuais, quando houver justificativa para tal.
b) para os efeitos fiscais do art. 65 da LRF será necessária a decretação do estado de calamidade pública municipal, reconhecida pela Assembleia Legislativa.

Certamente a declaração de calamidade pública municipal que não pretenda os benefícios fiscais da LRF não precisa do reconhecimento da Assembleia Legislativa e auxiliará a justificativa de dispensa de licitação em situação de emergência sanitária que possa ocasionar danos às pessoas. Finalmente esclarecemos ainda que o decreto estadual de calamidade pública sanitária não supera a necessidade de o município o fazê-lo.


Lenir Santos
Advogada – OAB 87807
Instituto de Direito Sanitário Aplicado (IDISA)


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