Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

Editores Chefes
Áquilas Mendes
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Lenir Santos

Conselho Editorial
Élida Graziane Pinto
Marcia Scatolin
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado

ISSN 2525-8583



Domingueira Nº 017 - Agosto 2017

Índice

  1. AS SANTAS CASAS, O CEBAS E OS CONTRATOS - por Lenir Santos

AS SANTAS CASAS, O CEBAS E OS CONTRATOS

Por Lenir Santos


No Congresso das Santas Casas e entidades filantrópicas, ocorrido nos dias 15 e 16 deste mês de agosto, em Brasília, um tema importante foi a questão dos contratos com o SUS e a concessão do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social.

A questão da formalização dos contratos e convênios entre as entidades e o Poder Público no âmbito do SUS, uma realidade nos anos 80, quando o INAMPS era a entidade contratante, perdura ainda nos dias de hoje.

Nesses mais de 20 anos, não foi resolvida, totalmente, a formalização dos contratos ou convênios, conforme exige a Lei nº 8.666, de 93. Pela Lei de Licitações e Contratos (art. 62), aplicável neste particular aos convênios (art. 116). Faculta-se a substituir a sua formalização do contrato por nota de empenho de despesa, autorização de compra, ordem de serviço quando seus valores forem inferiores aos da Tomada de Preços e Concorrência. No caso da saúde raramente essa faculdade poderá ser exercida ante seus elevados valores.

A ausência de contrato formal tem trazido dificuldade aos entes privados sem fins lucrativos pelo fato de não lhe permitirem a renovação ou a concessão do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS)[1]. Esse Certificado lhe permite gozar da imunidade tributária prevista no art. 195, § 7º da Constituição.

A situação é bastante complexa pelo fato de a entidade prestar os serviços ao Poder Público e receber o preço sem a devida formalização do contrato. Discute-se a possibilidade de substituir o contrato formal por alguma prova de sua existência; tal comprovação não é difícil, pois bastaria a prestação de serviços, como a AIH, se for hospital; a comprovação do recebimento dos valores dos serviços; inscrição no CNES, e outros documentos pertinentes à prestação de serviços.

Contudo, não havendo a formalização dos contratos, conforme decisão da AGU, a concessão do certificado não é possível. Para nossa surpresa, pairam dúvidas ainda sobre a definição da expressão “instrumentos congêneres” da Lei nº 12.101, de 2.009, art. 7º-A, § 2º.
Art. 7o-A. (...)
§ 2o A prestação dos serviços prevista no caput será pactuada com o gestor local do SUS por meio de contrato, convênio ou instrumento congênere.
Houve indagação no Congresso das Santas Casas se essa expressão poderia compreender as formas previstas no art. 62 da Lei nº 8.666, de 1993. A referência legal a instrumento congênere significa instrumento do mesmo gênero, ou seja, do gênero ajustes, acordo, avença, como termos de parceria ou outros termos que contenham cláusulas de mútuas obrigações e direitos, sanções, e outras condições que impliquem compromissos, responsabilidades das partes.

O que tem levado as entidades privadas sem finalidades lucrativas a não assinarem o contrato ou o convênio são suas cláusulas; elas acabam sendo impostas pelos entes federativos que nem sempre as flexibilizam[2]. Como nem sempre a entidade está em acordo, acaba por não o assinar; por outro lado, não deixa de prestar os serviços de saúde, dada a sua essencialidade para a população, e o Poder Público, num reconhecimento do vínculo e de sua imprescindibilidade, os remunera.

É uma situação um tanto quanto esdrúxula porque a entidade privada presta os serviços; o Poder Público o reconhece e o remunera, sem, contudo, haver contrato formalizado, nos termos da lei, arcando com as consequências do ato ambos as entidades.

Enquanto não se encontra uma solução para tal impasse que parece agravar a situação da entidade privada pelo fato de ficar impedida de obter, por concessão ou renovação, o CEBAS, prejudicando-a quanto à imunidade tributária constitucional ora mencionada.

Uma saída para o impasse, até que o Poder Público e a entidade privada firmarem o ajuste, seria a entidade privada, em nome da necessidade de continuar prestando os serviços e negociando os termos do contrato, buscar a tutela jurisdicional mediante propositura de ação declaratória que reconheça a existência do vínculo contratual entre a Administração Pública e o requerente mediante comprovação, como a própria prestação de serviços e o pagamento do preço, visando a proteção quanto ao disposto no parágrafo único do art. 60 da Lei nº 8.666, de 93 que declara nulo de pleno direito o contrato verbal com a Administração e para permitir a comprovação de vínculo contratual pela sentença judicial, em substituição ao termo de contrato exigido pelo Ministério da Saúde para a concessão ou renovação do CEBAS (Lei nº 12.101, com as modificações incidentes, e os regramentos administrativos do Ministério da Saúde).

Por outro lado, é de grande importância pensar em uma legislação específica para tratar das avenças entre o Poder Público, área da saúde, no tocante à complementaridade dos serviços privados à rede pública de atenção à saúde (SUS), uma vez que suas especificidades não são contempladas nas leis existentes, seja a de licitação e contrato; seja o marco do terceiro setor e outras.

Além do mais, por não haver justa adequação entre o objeto da avença e o instrumento jurídico firmado, tem sido comum celebrar-se contrato quando o objeto é de parceria e fomento e convênio quando se trata de prestação de serviços. Muitos dos convênios firmados entre o Poder Público e as entidades sem fim econômico na área da saúde para prestação de serviços em regime de complementaridade a rede SUS, são contratos de prestação de serviços e não convênios.

Por outro lado, também há muita confusão quando se firma convênio, ou mesmo contrato de gestão, pôr o Poder Público impor à entidade o regime jurídico administrativo ao arrepio da Constituição e da lei. Entidade privada não se transforma em entidade pública quanto ao seu regime administrativo tão somente por manejar recursos públicos. Seu regime continua o privado, gozando a entidade de autonomia para gerir os recursos recebidos, não podendo o Poder Público se imiscuir em sua gestão. Essa é a decisão do STF na ADI 1926 que julgou a constitucionalidade das organizações sociais. Entidade privada é privada até a sua extinção, sob todas as formas.

Falta nos dias de hoje melhor capacitação das entidades públicas e privadas no tocante a todos os aspectos que envolvem a contratualização no âmbito da saúde, um setor que presta serviços a 206 milhões de pessoas, sendo que por volta de 50% dos serviços públicos são complementados pelos serviços privados, pelo regime da complementaridade e outros de mútua cooperação. Urge solucionar os problemas da contratualização no SUS por incompreensões públicas e privadas.


[1] Há notícias de que será editada Medida Provisória permitindo a substituição do contrato formal por outros instrumentos até o dia 31 de dezembro de 2017.
[2] Não estamos aqui a discutir o mérito das cláusulas impostas nem os porquês das intransigências.




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