Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

Editores Chefes
Áquilas Mendes
Francisco Funcia
Lenir Santos

Conselho Editorial
Élida Graziane Pinto
Marcia Scatolin
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado

ISSN 2525-8583



Domingueira Nº 03 - Janeiro 2019

Índice

  1. A INCONSTITUCIONALIDADE DA EC 95 NOS PISOS DA SAÚDE À LUZ DA MATEMÁTICA - por Lenir Santos e Francisco R. Funcia

A INCONSTITUCIONALIDADE DA EC 95 NOS PISOS DA SAÚDE À LUZ DA MATEMÁTICA

Por Lenir Santos e Francisco R. Funcia


A EC 86, de 2015, definiu 15% das receitas correntes líquidas da União, como piso mínimo da saúde pública, variável conforme o crescimento do país. A mens legis é manter o piso da saúde móvel em relação ao desenvolvimento econômico do país. A partir de 2016, em razão da EC 95, congelou-se o valor das despesas federais com saúde ao nível de 2017, devendo a cada ano, incidir sobre tal valor, a correção da inflação, em acordo ao IPCA e assim sucessivamente até 2036. Desse modo a EC 95 imobilizou o piso da saúde por 20 anos, corrigindo-se esse valor fixo pela inflação de cada ano. O crescimento do país deixou de ser parâmetro para o piso da saúde, sendo apenas a sua manutenção em decorrência da inflação medida pelo IPCA que nem sempre mede a inflação real de produtos médico-farmacêuticos e tecnologias de saúde.

Assim houve alteração na metodologia de cálculo de incidir 15% sobre a RCL nos próximos 20 anos, uma vez que não mais haverá a incidência desse percentual sobre a arrecadação e sim o valor do ano anterior acrescido da correção do IPCA, mudando-se assim a regra da EC 86. A cada ano isso se repetirá, havendo sempre um novo piso percentual (o valor do ano anterior com a correção da inflação) e não mais 15% sobre a RCL.

Na realidade, a EC 95, alterou, sem o dizer, o percentual mínimo da saúde que matematicamente deixou de ser de 15% sobre o valor RCL, para ser o valor da receita corrente líquida de 2017, acrescida da variação do IPCA anual, incorporada no piso a cada ano; o percentual fixo sobre uma receita móvel deixa de existir nos próximos 20 anos, transformado, matematicamente, num valor fixo, base 2017, sem alteração em razão do crescimento da arrecadação fiscal.

Como a correção da inflação não tem o condão de acrescer recursos, tão pouco corrigir seu custo econômico em acordo à realidade do mercado da saúde, as perdas serão cumulativas em razão do crescimento populacional e o envelhecimento, afora o surgimento de tecnologias, medicamentos, insumos, materiais, além das necessidades da saúde não atendidas ainda pelo SUS, que sempre se mostrou insuficiente às necessidades da população.

No ano de 2018, o valor percentual sobre a RCL foi de 13,9%, diminuindo em R$4,2 bilhões (cálculo matemático) seu valor real em relação aos 15% da RCL. Somando a perda de 2018 com a de 2019, são R$ 9,7 bilhões retirados da saúde em dois aos.

2018 - R$ 112.361 (EC 95) contra R$ 116.650 (15% RCL)
2019 – R$ 117.293 (EC 95) contra R$ 127.005 (15% RCL)

Isso demonstra de modo cabal ser a EC 95, em relação ao piso da saúde, inconstitucional por promover retrocesso na garantia de direito fundamental, tendo, sob o subterfúgio do congelamento, alterado o piso mínimo da saúde, que a cada ano será inferior a 15% da RCL, derrotando o argumento da PGR de que não houve alteração no percentual fixado pela EC 86 e que por isso não há perda no piso mínimo da saúde. A EC 95 alterou a mens legis, ao custo do desfinanciamento da saúde por duas gerações, ou seja, em larga proporção!

A projeção da perda, que será crescente (se crescente for o crescimento da economia), importará em mais ou menos 200 bilhões de reais em 20 anos. Isso sem contar a projeção das perdas do valor do Pré-Sal, que pela EC 86 deveria ser destinado à saúde como um valor adicional ao piso, um plus, um acréscimo, e que a EC 95, alterou de modo permanente e não por apenas 20 anos, o que também se constitui em retrocesso na garantia do financiamento da saúde, reconhecido pelo Ministro Lewandowski em sua medida cautelar na ADI 5595, com riscos concretos de danos à saúde das pessoas em todas as suas dimensões, a protetiva, a prestacional e a regulatória.


Lenir Santos, atual presidente do Idisa, advogada em gestão pública e direito sanitário; doutora em saúde pública pela Unicamp.
Francisco R. Funcia, Economista e Mestre em Economia Política pela PUC-SP.





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