Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

Editores Chefes
Áquilas Mendes
Francisco Funcia
Lenir Santos

Conselho Editorial
Élida Graziane Pinto
Marcia Scatolin
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado

ISSN 2525-8583



Domingueira Nº 03 - Janeiro 2020

Índice

  1. A geografia humana e a saúde: as implicações geográficas e demográficas no SUS - por Lenir Santos e Nelson Rodrigues dos Santos

A geografia humana e a saúde: as implicações geográficas e demográficas no SUS

Por Lenir Santos e Nelson Rodrigues dos Santos


“O espaço pode ser a morada do homem, mas também a sua prisão."
Milton Santos.

Urge repensar o modelo de atenção à saúde a partir das questões demográficas da distribuição da população em nosso território continental, dos vazios amazônicos às metrópoles, demandando atenção integral à saúde adequada ao perfil epidemiológico regional e de cada faixa etária, incluindo a crescente longevidade, com previsão para 2030, de o país mudar seu perfil para 25% da população ter mais de 65 anos (com 953 milhões de idosos). Esse dado é relevante e requer um planejamento de longo prazo, pensado desde agora, o que já é tarde, porque não será somente o impacto financeiro que o SUS terá com mais pessoas precisando de mais cuidados em saúde, mas um modelo de atenção às pessoas mais velhas – fato novo em nosso país – que tem a ver com profundas mudanças na forma de se produzir saúde que, afetada pelo meio, deve ser considerada como uma vontade presente.

Primeiramente, a prevenção deve ser uma prioridade em todas as faixas etárias, tendo em vista que o meio e o estilo de vida em muito contribuem para que a pessoa possa viver mais e melhor. A educação em saúde, o autocuidado em relação à prevenção e às doenças transmissíveis e crônicas que podem causar sérios transtornos se não forem bem cuidadas, deverão estar à frente das preocupações dos governantes da saúde, uma vez que as especialidades em saúde mudarão muito conforme o perfil populacional. Para toda a população, inclusive os idosos, há necessidade não só de médicos como também de mais fisioterapeutas, fonoaudiólogos, psicólogos, cuidadores, enfermagem, acompanhantes, espaços de clubes, piscinas. No Reino Único foi criado o Ministério da Solidão para dar conta das novas necessidades de cuidados com a saúde e qualidade de vida das pessoas. Esses cuidados, além da prevenção, incluem necessariamente os diagnósticos e tratamentos precoces, isto é, livrar-se das doenças logo no seu início, que é o melhor para cada cidadão e de menor custo para os serviços de saúde; nesse ponto o acesso a serviços no nosso país precisa realmente ser mais justo.

Quantos profissionais dessas e outras especialidades serão necessários no SUS diante do crescimento do contingente de pessoas com mais de 65 anos, com baixa renda porque as aposentadorias e pensões serão na faixa de mil e quinhentos reais e para aqueles que têm planos de saúde, talvez a grande maioria, o deixará em razão do elevado custo e da baixa renda.

Na realidade, na demografia social brasileira, igual relevância tem a população adulta economicamente ativa dos centros urbanos, praticamente sem acesso à atenção básica para prevenir e diagnosticar precocemente as doenças mais prevalentes.

Esses são aspectos que deveriam estar preocupando as nossas autoridades em saúde quanto ao planejamento futuro que impactará o modo de produzir saúde, a formação profissional, exigindo maiores interações entre setores que terão impactos na vida das pessoas, a intersetorialidade em saúde, e muitos outros aspectos.

Urge que se pensem, discutam e planejam a saúde à luz da geografia e da demografia como realidades presentes e não como vontades externas distintas do mundo real, sendo que a geosaúde já deveria ter propiciado melhores resultados para a população porque o nosso país é diverso em sua geografia que marcantemente afeta a vida e cultura dos seus povos.

Por tudo isso, as questões geográficas e demográficas têm fortes implicações na organização e funcionamento do SUS, tanto que até os dias de hoje a geografia da região norte do país continua a impactar os serviços de saúde, que nem sempre cabem na métrica pretendida pelas regulamentações, financiamento, políticas definidas pelo Ministério da Saúde, ainda que de modo pactuado com os demais entes federativos.

Nem sempre as especificidades geográficas e demográficas são levadas em conta e elas são essenciais e deveriam pautar as políticas de saúde, sendo necessário haver política pública que considere os aspectos geográficos que impactam a saúde das pessoas.

A região norte, com o Pará, o Amazonas, Amapá e outros Estados são fortemente marcados pelas características geográficas, com suas florestas, rios, distâncias, meio de transporte fluvial, longos trajetos, ausência de médicos e demais profissionais de saúde, tanto que as cidades do Norte foram e são as mais dependentes dos programas Mais Médico e agora Médicos pelo Brasil.

A geografia impacta no perfil epidemiológico, com doenças tropicais próprias, na forma de atendimento, que nem sempre pode contar com um médico para a prática de atos considerados “médicos”, ou seja, que somente podem ser por eles praticados, porque nesses locais a geografia impõem um modus de vida diferente do urbano ou rural e além do mais porque o mundo mudou, a medicina mudou, a saúde digital está presente impondo novas formas de pensar o ato médico que nos países mais desenvolvidos vem sendo revisto, como no Canadá, no Reino Unido onde há mais atribuições garantidas à enfermagem e demais profissões de saúde do que aqueles permitidos no nosso país.

Em locais onde não há médicos, não se pode continuar essa prática como se o nosso país fosse todo igual e a geografia não tivesse a força de impor práticas de atenção à saúde coerente com a cultura local, fortemente impactada e formada pelos aspectos geográficos da região que hão de ser considerados. Há uma cultura social imposta pela geografia que não podemos negar nem olvidar; contudo há uma carência de políticas que integrem o SUS e a geografia, moldando os serviços de saúde, as especificidades geográficas, que poderiam impactar de maneira positiva os cuidados com saúde dessas populações.

Como dissemos acima, não só é relevante um novo olhar para as profissões de saúde e sua forma de produzir o cuidado, como também as tecnologias em saúde, como a telemedicina, que poderiam em muito contribuir para o atendimento da população em sua região. É necessário que se discuta a saúde à luz da geografia que conforme Milton Santos deve resultar da cultura e meios de organização não derivados de uma vontade longínqua e distante não afetada pelo meio.


Lenir Santos, atual presidente do Idisa, advogada em gestão pública e direito sanitário; doutora em saúde pública pela Unicamp e professora colaboradora da Unicamp.
Nelson Rodrigues dos Santos, presidente do Conselho Superior e Fiscal do IDISA, médico pela USP e Professor colaborador da Unicamp.




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