Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

Editores Chefes
Áquilas Mendes
Francisco Funcia
Lenir Santos

Conselho Editorial
Élida Graziane Pinto
Marcia Scatolin
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado

ISSN 2525-8583



Domingueira Nº 03 - Janeiro 2022

Governança nacional do SUS: uma ausência sentida

Por Lenir Santos


Mais um ano se inicia e mais uma vez aumentam as preocupações com o SUS, as de sempre e as novas que surgiram com a pandemia da Covid-19, como é o caso da eloquente falta de governança pública nacional. Por isso voltamos ao tema do artigo publicado na última Domingueira da Saúde em dezembro de 2021.

O SUS vem desenvolvendo uma boa gestão interfederativa, com as comissões intergestores tripartite e bipartite criadas em 1993 e reconhecidas por lei em 2011 (Lei n° 12.466). Com todos os percalços na sua gestão, da falta de recursos financeiros às fragilidades burocráticas, ficou demonstrada suas fortalezas no enfrentamento da pandemia pelos estados e municípios. O grande gargalo evidenciado nesse período foi a ausência de governança nacional.

O SUS, um sistema integrado pelas ações e serviços dos entes federativos, tem nas instâncias de deliberação interfederativas, as comissões aqui mencionadas, um importante fórum de deliberação consensual sobre a operacionalidade das políticas de saúde no âmbito da gestão descentralizada-regionalizada, que se espraia por 5.570 municípios e 27 estados. Conquista que tem garantido unicidade conceitual e caráter sistêmico ao SUS na gestão do SUS.

Não obstante as comissões intergestores atuarem no campo da gestão pública, pela dimensão e complexidade do SUS, falta governança nacional, uma vez que saúde compreende as mais diversas políticas públicas (a esquecida intersetorialidade), que vão do meio ambiente saudável às ações e serviços preventivos, curativos e de promoção da saúde. Um vasto mundo dependente das mais diversas políticas públicas, das regulatórias-fiscalizatórias às prestacionais, sociais e tecnológicas.

Por isso, além da necessária gestão interfederativa, há necessidade de uma instância de governança nacional para atuar estrategicamente na definição das políticas de saúde que não se resumem apenas a serviços médico-hospitalares.

A gestão federal do SUS não conseguiu tecer esse sistema de governança pública fundado em avaliações técnico-científicas, situacionais, monitoramento, capazes de garantir segurança sanitária e sentido de unidade nacional.

A direção nacional do SUS, o Ministério da Saúde, foi palco de negação das convergências científicas nacionais e internacionais, retomando a obscuridade de séculos atrás; de interferências federativas descabidas ao arrepio do arcabouço constitucional, promovendo crises com governadores e com a Anvisa mais recentemente. Uma verdadeira (des)governança nacional causadora de insegurança sanitária. A vacina infantil é um exemplo cabal de divergência desnecessária por destituída de vigor técnico-científico ou jurídico, na contramão da proteção da vida.

Um espaço de governança pública nacional deve contar com representantes dos entes federativos de modo proporcional; dos órgãos e entidades integrantes do SUS com papel estratégico-institucional, como é o caso da Anvisa, da Fiocruz; do Conselho Nacional de Saúde que representa a sociedade; dos ministérios de áreas de interesse da saúde, como o meio ambiente, a ciência e tecnologia. Deliberações de um colegiado representativo dos atores do SUS, e não tão somente do Ministério da Saúde, por se tratar de um sistema interfederativo, intersetorial, complementar, integrado por autarquias e fundações e pela comunidade, na forma da Constituição e da lei.

O direito à saúde e o SUS são vastos campos que se expandem neste século pelo avanço do conhecimento e da tecnologia, exigindo ampla participação do Estado-Sociedade no direcionamento estratégico de suas políticas públicas, não sendo crível que um sistema de saúde composto pelos três entes federativos, caiba à União a última palavra em situações de interesse nacional e internacional.

Ora, definir estratégias, diretrizes, objetivos, planos e ações essenciais sobre saúde pública requer alinhamento político-institucional entre todos os entes, seus órgãos, entidades, sociedade e demais interessados. Definir estrategicamente ações e serviços de proteção, promoção e recuperação da saúde e considerar os seus fatores condicionantes e determinantes exige uma instância nacional de governança. Importante pois a sua existência, transparente e responsável, com estratégias de longo prazo e critérios de mitigação de riscos sanitários em situações de abrangência nacional.


Lenir Santos, advogada, doutora em Saúde Pública pela Unicamp, professora colaboradora do Departamento Saúde Coletiva Unicamp e presidente do Instituto de Direito Sanitário – IDISA.




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