Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

Editores Chefes
Áquilas Mendes
Francisco Funcia
Lenir Santos

Conselho Editorial
Élida Graziane Pinto
Marcia Scatolin
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado

ISSN 2525-8583



Domingueira Nº 04 - Fevereiro 2021

Índice

  1. FATO GRAVE: FINANCIAMENTO DA ATENÇÃO BÁSICA EM 2021 - por Francisco R. Funcia

FATO GRAVE: FINANCIAMENTO DA ATENÇÃO BÁSICA EM 2021

Por Francisco R. Funcia


A PORTARIA GM/MS Nº 166, de 27 de janeiro de 2021 (Disponível em https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-gm/ms-n-166-de-27-de-janeiro-de-2021-301402329), trata, “...excepcionalmente, sobre a transferência dos incentivos financeiros federais de custeio da atenção primária à saúde, no âmbito do programa previne brasil, para o ano de 2021”.

O objetivo desta breve nota é alertar para a redução que acontecerá com o financiamento da atenção básica (ou primária, na terminologia governamental) a partir de 1º de maio.

A portaria aponta para “...a necessidade de se adotar medidas de aporte financeiro federal para apoiar o fortalecimento da APS diante da emergência de saúde pública de importância nacional (ESPIN) decorrente da epidemia do coronavírus (Covid-19), declarada pela Portaria nº 188/GM/MS, de 3 de fevereiro de 2020...”.

Isto quer dizer que:

a)O recurso orçamentário para enfrentar a Covid-19 (inclusive para leitos de UTI, etc.) e não programado nas despesas com ações e serviços públicos de saúde no orçamento do Ministério da Saúde 2021 (afinal, o valor de R$ 123,8 bilhões dessa programação corresponde ao valor do piso federal do SUS de 2017 atualizado pelo IPCA, ano esse que não teve Covid-19 e que teve uma população menor que a de 2021, inclusive idosa) será realocado de outras programações regulares da atenção primária?

b) Haverá ampliação desses recursos no primeiro quadrimestre de 2021 e redução no segundo quadrimestre de 2021. A metodologia dessa ampliação citada nessa portaria será a adoção de uma regra de cálculo excepcional, diferente da regra da Portaria 2979/2019, que voltará a ser adotada a partir de maio, o que resultará na redução de recursos para os municípios a partir de maio, conforme explicitado na atual Portaria 166.

c) Não há informação de que essa metodologia tenha sido pactuada na Comissão Intergestores Tripartite e muito menos submetida para a análise e deliberação do Conselho Nacional de Saúde, como disciplina a Lei Complementar 141/2012.

O desfinanciamento para a atenção básica a partir de maio é evidente, conforme segue:

“Art. 3º Os recursos orçamentários, de que trata esta portaria, correrão por conta do orçamento do ministério da saúde, devendo onerar as funcionais programáticas 10.301.5019.219a - Piso de Atenção Primária à Saúde e a 10.301.5019.217u - Apoio a Manutenção dos Polos de Academia da Saúde, mediante disponibilidade orçamentária e financeira do ministério da saúde”.

Assim sendo:
1. Dotação 10.301.5019.219a - Piso de Atenção Primária à Saúde:

1.1. Plano orçamentário 0008 - incentivo financeiro da APS - Capitação Ponderada:

Isto quer dizer que 4 meses de financiamento correspondem a R$ 3,8 bilhões e 8 meses (dobro do período) a R$ 5,6 bilhões (menos de 50% do recurso do 1º quadrimestre).

1.2. Plano Orçamentário 0009 - Incentivo Financeiro da APS:

Isto quer dizer que não haverá necessidade de incentivo financeiro no último quadrimestre de 2021, porque a situação do enfrentamento da Covid-19 terá sido resolvida - será que da mesma forma que a calamidade pública acabou em 31/12/2020?

1.3. Plano Orçamentário 000a - Incentivo para Ações Estratégicas:

A portaria 166 não explica o que será feito com os recursos da outra dotação citada no caput do art. 3º , a saber, a 10.301.5019.217u - Apoio a Manutenção dos Polos de Academia da Saúde, bem como faltou explicar o seguinte "pequeno detalhe" do final desse caput , a saber, "...mediante disponibilidade orçamentária e financeira do ministério da saúde". O que isto quer dizer? Não há essa disponibilidade neste momento, certo?

Afinal, o problema não está no fato de que o Projeto de Lei Orçamentária 2021 ainda não foi aprovado, mas sim de uma programação orçamentária insuficiente para 2021 (ainda não votada pelo Congresso Nacional) no valor de r$ 123,8 bilhões, o que corresponde ao valor do piso de 2017 atualizado somente pela inflação (lembrando que o ano de 2017 não havia Covid-19 e que desde então a população cresceu 0,8% ao ano e a população idosa cresceu 3,8% ao ano, segundo o IBGE, ou seja, menos recursos por habitante para a saúde da população, decorrência do desfinanciamento causado pela EC 95/2016 combinado com o “austericídio fiscal” sob o comando do Presidente da República e de seu Ministro da Economia.

Essa portaria é a declaração de estrangulamento do financiamento federal para atenção básica à saúde dos municípios, bem como é a declaração de crime contra a humanidade por causa de um orçamento federal irresponsável e criminoso para a saúde em 2021 e, principalmente, do esgotamento da capacidade de financiamento das políticas públicas decorrente da EC 95 (retomada em 2021), afinal, se o orçamento da saúde está assim, o que dizer das outras áreas que, exceto previdência, tem menos recursos que o Ministério da Saúde?,

Por isso, é preciso fortalecer a petição pública do CNS “A saúde merece mais em 2021”, para que o Congresso se sensibilize e acolha as mais de 500 mil assinaturas já existentes na defesa de um orçamento federal mínimo para as ações e serviços de saúde no valor de R$ 168,7 bilhões, bem como para que seja revogada a EC 95 – aprovar a PEC 36 representaria essa possibilidade.


Francisco R. Funcia, Mestre em Economia Política pela PUCSP, Professor e Coordenador-Adjunto do Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura da USCS e Consultor Técnico do Conselho Nacional de Saúde.




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