Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

Editores Chefes
Áquilas Mendes
Francisco Funcia
Lenir Santos

Conselho Editorial
Élida Graziane Pinto
Marcia Scatolin
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado

ISSN 2525-8583



Domingueira Nº 05 - Fevereiro 2018

SAÚDE: MERCADO HUMANITÁRIO OU BILIONÁRIO?

Por Lenir Santos


Esta semana a Folha de S. Paulo (31.1.2018), seção Mercado, traz uma notícia de que empresas bilionárias anunciaram sua intenção de criar uma empresa sem fins lucrativos para gerenciar planos de saúde de um milhão de empregados, a menor custo (a notícia é original do Financial Times).

Na mesma data também circula na internet site da Abrasco com uma reportagem sobre Stephen Hawking dizendo que ele não estaria vivo sem o Sistema Nacional da Saúde inglês (NHS).

A par destas duas notícias, relato fato ocorrido recentemente. Ouvi de uma brasileira que reside em Londres que ao procurar sua unidade básica de saúde, após ter passado um mês no Brasil, levou exames aqui realizados. Tal foi o espanto do médico inglês ao ver todos aqueles exames, que indagou qual o motivo que a levou ao médico no Brasil, tendo respondido que queria ajuda para parar de fumar.

Ouviu do médico inglês: - “nunca faríamos esses exames aqui; todos desnecessários em qualquer circunstância, ainda mais na sua, jovem e sadia. Além de caros, inúteis. Disse-lhe ainda: sistema de saúde para todos tem que ser para todos: sério, econômico, realista, solidário. Esses exames atendem aos donos das tecnológicas, jamais ao paciente e ao sistema público”.

Por isso Stephen Hawking se trata no sistema público de saúde inglês e o elogia afirmando que sem ele já teria morrido. O NHS está vivo, intocável e foi homenageado nas Olímpiadas inglesa, e com todos os cortes sociais da Margareth Thatcher, continuou presente e é motivo de orgulho de sua população, com todos os problemas que deve ter.

Por outro lado, nos Estados Unidos, as empresas citadas na notícia na Folha, são a Amazon, as empresas do megainvestidor Buffett e o banco JP Morgan Chase. Eles pretendem criar uma pessoa jurídica sem fins lucrativos para auxiliar seus empregados a gastarem menos com planos de saúde. Bonzinhos? Não; querem ver como é esse mercado e diminuir os desperdícios com os gastos com saúde para obter mais lucros contra os lucros de empresas de planos de saúde, laboratórios e farmacêuticas; as farmácias são um mercado em rede que movimentou, em acordo a notícia, somente uma cadeia de redes, 69 bilhões de dólares para se proteger contra a possível entrada de uma gigante do varejo.

Plano de saúde, fabricante e farmácia são aliadas e o cliente o bobo da corte que mediante agressivo marketing gasta seu dinheiro, deixa de aproveitar a sua vida com medo de seu colesterol, gastando seu dinheiro prevenindo o que nem sempre é possível, consumindo remédios desnecessários e indo a médicos inutilmente.

Dados do Observatório Ibero-americano de Políticas e Sistema de Saúde¹ apresentou recentemente índices do crescimento exponencial de uso de medicamentos pelos brasileiros, crescimento da obesidade e dependência de tecnologia externa, de modo alarmante nos últimos três anos, sendo o campeão dentre os países participantes.
Trata-se de um mercado altamente lucrativo que une doença ao lucro. Só o anúncio das grandes empresas fez despencar na bolsa 4,4, as ações da maior empresa de planos de saúde americana. Os fabricantes de medicamentos, por sua vez, utilizam as farmácias que atendem as beneficiárias de planos de saúde. Por isso o grupo de empresas esperam desenvolver aplicativos que alertem seus funcionários sobre medicamentos mais baratos que os indicados por médicos dos planos de saúde e outras medidas.

O mercado é altamente rentável; vender saúde, vida eterna, criar doenças, tratar os sadios, visitar médicos sem doença ou riscos, fazer exames desnecessários, repetir exames, saber de cor os níveis de colesterol, triglicérides, ácido úrico e falar disso em jantares, reuniões sobre níveis de açúcar, abdicando do prazer da comida, em nome de dietas ‘nutracêuticas’ – outro mercado - ficar obsessivo ao mesmo tempo em que a sociedade é agredida diariamente com propaganda de todo o tipo de alimento que leva a obesidade, em especial as crianças, bebidas e açucares. Um sistema econômico-social que manipula dados, informações, cria dependências, modismos e falsos doentes e ainda medica os sãos.

Nesse cenário os riscos dos sistemas de saúde universais são imensos, com o poder público sendo instado por ignorância ou má-fé a bancar sistemas injustos e perdulários, ou porque os desconstituem pelos altos custos e pressão do mercado que pretende negociar na bolsa suas ações, como está a acontecer com a rede D’or que conta com investimento de capital estrangeiro, vedado pela Constituição. Mas como no Congresso Nacional tudo é possível, por um passe de mágica, em 2015, foi introduzido numa Medida Provisória, cujo relator era o Senador Romero Jucá, um artigo, aprovado na MP convertida na Lei nº 13.097, de 2015, art. 142, que “alterou” a Constituição ao permitir toda gama de exceções para investimento do capital estrangeiro, tornando letra morta a Constituição que o vedava. Até o presente momento a ADI interposta não foi pautada. Enquanto isso o capital estrangeiro entrou na saúde brasileira e está na bolsa de valores.

E dizem que saúde não dá lucro, que é meritória, humanitária, sem fins lucrativos, que os planos têm prejuízos... Que o digam os bilionários que estão pretendendo fazer economia com gasto com saúde de seus funcionários, por excessivos; poderiam atuar frente ao governo a favor de um sistema de saúde público, universal e igualitário, assim seus trabalhadores não teriam que economizar nem ficar atrás de aplicativos para comprar remédios mais baratos. O melhor é ter um sistema de atenção básica que oriente quanto ao uso de medicamentos. Os bilhões investidos poderiam ser para reforçar políticas públicas em benefício de todos. Vida longa ao sistema inglês que ainda resiste nesse mundo bilionário de comércio com a saúde.


¹www.oiapss.org.br

Lenir Santos, advogada em gestão pública e direito sanitário; doutora em saúde pública pela Unicamp; e coordenadora do curso de especialização em direito sanitário do IDISA.





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