Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

Editores Chefes
Áquilas Mendes
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Conselho Editorial
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Marcia Scatolin
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado

ISSN 2525-8583



Domingueira Nº 05 - Fevereiro 2022

Índice

  1. A universalização da ciência e da saúde - por Carmino de Souza

A universalização da ciência e da saúde

Por Carmino de Souza



Foto: Pixabay

Me formei em medicina na oitava turma da Unicamp em 1975. Fiz minha residência médica de 1976 a 1979 e fui contratado como docente desta importante Universidade em março de 1979. Nesse período, nós éramos contratados, na verdade, para exercer nosso trabalho mais como médicos assistentes e que cuidavam também dos alunos de graduação em medicina, do que docentes com obrigações de pesquisa, inovação, extensão, etc. Não havia sequer o curso de pós-graduação instalado na área da saúde.

Nestes 40 anos assisti a impressionante transformação das ciências da vida, tanto em seus aspectos científicos como assistenciais. O mundo de então era “enorme”, as distâncias inatingíveis, conhecimento de línguas ainda restrito e os acessos às informações eram lentos e feitos nos meios convencionais de comunicação (livros impressos, jornal impresso, televisão e rádio). Me lembro como se faziam as revisões bibliográficas. Era uma “aventura” que os jovens de hoje jamais poderiam imaginar.

A biblioteca da Unicamp era boa, mas muitas das revistas que nós precisávamos para nossos trabalhos e pesquisas só encontrávamos na Bireme (biblioteca regional de medicina) que fica em prédio anexo à Unifesp (então, Escola Paulista de Medicina) e que era e continua sendo apoiada pela Opas. Eu por exemplo, programava um dia do mês para ir a São Paulo na Bireme e ali passava o dia. O “Index Medicus” eram vários “livrões”, enormes e pesados. Nós procurávamos os artigos de interesse e anotávamos em uma ficha de papel os que estávamos procurando, com todas as suas características sem o que não se encontrava o artigo. Eram dezenas a cada dia que íamos lá. Entregávamos à bibliotecária; ela mandava as solicitações para um “porão” onde estavam as revistas e através de um “monta-carga” as revistas subiam com a ficha de solicitação.

Nem todas as revistas eram encontradas. Daí, nós íamos para uma máquina de “xerox” onde copiávamos dezenas, centenas de páginas dos artigos. A biblioteca tinha dezenas de máquinas copiadoras e os pesquisadores, todos, faziam o mesmo procedimento. Era uma fila de colegas fazendo a mesma coisa. Nem sempre, haviam máquinas disponíveis e você teria que aguardar… Após fotocopiar tudo, você entregava os artigos à bibliotecária que calculava o valor a ser pago: aluguel da máquina e folhas copiadas. Nós pagávamos e voltávamos para casa com “uma tonelada” de papéis que seriam selecionados novamente e lidos para, então, serem utilizados como nossas referências bibliográficas. Nossa! que sufoco, que custo de tempo e dinheiro e que trabalho! Mas foi assim que muitos de nós fizemos nossos mestrados, doutorados e até o pós doutorado.

Mas o tempo passou e a década de 1990 foi fundamental. Primeiro, os telefones celulares, que eram apenas telefones e que custavam uma fortuna, tanto o aparelho como a linha (sim, se comprova a linha e não apenas os serviços). Mas, duas coisas adicionais foram fundamentais: os computadores pessoais e a internet. Me lembro o primeiro computador que compramos para o nosso Hemocentro. Ocupava uma sala enorme, fria, e tinha a memória de 1GB (um gigabit).

Hoje se te derem um pen drive com esta memória você, certamente, jogará fora. Não serve para nada. Mas os primeiros computadores tinham memória “de galinha” e nós os olhávamos com grande admiração e medo. Depois, com a chegada da internet, outro sufoco! A internet “de escada” que levava um tempo enorme para a coligação e não era capaz de transmitir quase nada um pouco “mais pesado”. Mas o que não sabíamos é que nos anos seguintes, a junção destes três avanços mudaria a nossa vida de maneira definitiva.

Quase tudo o que era analógico, isolado, uni funcional foi gradualmente se transformando em equipamentos mais inteligentes, ágeis, integrados e acessíveis. No inicio da informática, nós precisávamos de analistas de sistemas e programadores. É claro que ainda precisamos deles, mas os equipamentos, geração a geração, foram se tornando autoaplicáveis e até pessoas mais idosas e não acostumados ao mundo digital, puderam se adaptar e participar deste mundo novo e fantástico.

Para a ciência, esta transformação aproximou pesquisadores de todos os ramos de atividade humana. Aquele mundo enorme com distâncias inatingíveis, se transformou em um mundo pequeno, integrado, instantâneo e onde as comunicações são automáticas e, em grande parte acessíveis. Nós passamos a trabalhar com enorme rapidez e complementariedade. O acesso às informações científicas é absolutamente instantâneo e público.

Quase não há mais como “esconder” um achado pois a integração é máxima. Eu sempre creio que hoje, temos mais riscos da “intoxicação” informativa ou das informações falsas do que da falta de informações. Nós, com maior maturidade profissional e científica, devemos separar o “joio do trigo”. Isto é, devemos ensinar os nossos jovens como ler e interpretar um artigo científico e quando incorporar um determinado conhecimento a sua prática. O volume de artigos disponíveis em todos os meios de comunicação é enorme. Apenas nas ciências da vida, onde está a medicina, são mais de dois milhões de artigos por ano.

Como ler, interpretar e incorporar isto tudo? Impossível! Durante a pandemia de SarsCov2, este número se multiplicou e a “pressa” de publicar e ter a primazia da informação, gerou grandes problemas, desconfortos e retratações mesmo de revistas de grande impacto científico. Assistimos cientistas conhecidos apresentarem e defenderem teses patéticas como a do uso de cloroquina no tratamento precoce da Covid-19. Mas, este é o mundo que vivemos e que não terá retorno. Entretanto, a seriedade, a honestidade, a ética, e a verdade cientifica deverão sempre prevalecer.

Toda esta revolução tecnológica contemporânea veio para ajudar o ser humano, elevar seu bem-estar, melhorar a qualidade de vida e aumentar a expectativa de vida em todo o mundo.

Hoje nossa relação com o tempo é muito diferente. Jamais passaremos mais um dia em uma biblioteca selecionando artigos. Hoje, os softwares de busca fazem isto automaticamente e com grande eficiência. Somos capazes de fazer congressos com milhares de participantes em todas as partes do mundo como se estivéssemos em um mesmo Centro de Convenções. Fazemos discussões como se estivéssemos na mesma sala. Não há mais distância entre nós. Porém, não podemos desumanizar nosso trabalho.

Somos seres humanos e precisamos estar juntos. Sou um entusiasta deste novo mundo e desta integração, mas, precisamos uns dos outros para construir uma sociedade mais justa e solidária. A universalização de nosso trabalho é uma realidade e não voltará ao passado. Devemos, entretanto, extrair tudo o que há de bom nisto sem perder o sentido de nosso trabalho que é o aperfeiçoamento do ser humano e de nossa sociedade. A saúde sabemos que “é gente cuidando de gente” e será sempre.


Carmino Antonio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020


Fonte: artigo publicado no site Hora Campinas em 24 de janeiro de 2022.




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