Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

Editores Chefes
Áquilas Mendes
Francisco Funcia
Lenir Santos

Conselho Editorial
Élida Graziane Pinto
Marcia Scatolin
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado

ISSN 2525-8583



Domingueira Nº 06 - Fevereiro 2022

Índice

  1. NÃO FOSSE O SUS... - por Lenir Santos

NÃO FOSSE O SUS...

Por Lenir Santos


A pandemia da Covid-19, nesses dois anos de medo, luto, morte, doença, nos leva a considerar que a desigualdade social brasileira só não é pior pelo fato de haver um sistema de saúde pública que fez a diferença no enfrentamento e combate dessa doença.

Não fosse o SUS, a expectativa de vida da população, que nos anos 80 era de 65 anos segundo o IBGE, não teria se elevado para 76,8 (2021).

Não fosse o SUS, com suas instalações e serviços de saúde construídos há três décadas, a duras penas, diga-se, a população estaria desassistida e os planos de saúde populares grassariam dando a falsa impressão de cuidados com a saúde das pessoas. O SUS vem se consagrando como uma das mais importantes políticas públicas de combate à desigualdade e respeito aos direitos humanos.

Não fosse o SUS diversas doenças não poderiam ser tratadas, como câncer, HIV-aids, doença mental, hemofilia; a não imunização da população ainda seria a causa-morte de inumeras crianças pelas doenças do sarampo, varíola, poliomielite e muitas outras cobertas há décadas pelo Plano Nacional de Imunização (PNI) instituído formalmente em 1975 pela Lei n° 6.529 ainda que implantado anos antes.

Não fosse o SUS o tabaco ainda estaria matando milhares de pessoas que continuariam a fumar. A política de combate ao tabaco do SUS é a principal causa do baixo crescimento de fumantes, de pessoas que abandonaram o vício e assim protegem a sua saúde dos riscos das doenças causadas pelo fumo. Foram anos de políticas sendo implementadas de modo gradual, com proibição de propagandas, de fumar em locais fechados; figuras de pessoas acometidas de câncer nos maços de cigarros, dentre outras.

Não fosse o SUS ainda teríamos manicômios e sua desumanidade no tratamento de pessoas com transtorno mental, tidos, muitas vezes, como prisioneiros, sem perspectivas de vida social, sem acesso a medicamentos essenciais à sua qualidade de vida. Hoje os centros de atenção psicossocial elevam a condição dessas pessoas com tratamentos dignos e científicos.

Não fosse o SUS os hemofílicos continuariam a morrer, tanto por falta de medicamentos como pela má qualidade do sangue, uma vez que é de responsabilidade da saúde pública o controle da qualidade do sangue destinado às transfusões e como matéria prima para hemoderivados. Lembremos do Betinho e do Henfil, vítimas do contágio do sangue por serem hemofílicos e terem se submetidos a transfusão.

Não fosse o SUS somente as pessoas com poder aquisitivo teriam acesso aos transplantes, hoje coordenados pelo SUS que maneja a lista única órgãos, tecidos e partes do corpo humano para transplante.

Não fosse o SUS a atenção primária da saúde não estaria a promover, prevenir e proteger a saúde das pessoas em seus territórios, com as suas políticas de controle de doenças crônicas, de educação sanitária, de criação de uma consciência sanitária.

Não fosse o SUS não haveria um sistema tão efetivo e qualificado de vigilância sanitária como a Anvisa, reconhecido nacional e internacionalmente.

Por fim, poderia aqui desfiar um rosário de motivos que eleva o SUS ao patamar de uma das mais importantes políticas sociais, responsável pelo respeito à vida e a saúde das pessoas e que nessa pandemia, que surpreendeu o mundo pelo contágio e letalidade da Covid-19, a população brasileira pode ver o funcionamento do SUS. A população brasileira, majoritariamente pobre, sem condições alguma de custear despesas com a sua saúde, estaria ao desalento completo vivendo o medo, a dor, o luto, a doença, a morte.

Mas o SUS salvou vidas pelo atendimento das pessoas em seus serviços de saúde nos 5.570 municípios e pela capacidade demonstrada na vacinação das pessoas.

Dizer todos os méritos do SUS cansaria a todos, mas apontar a tragédia que seria a sua ausência nos chocaria brutalmente, nos levando a considerar, simbolicamente, a existência de uma nova Guernica, tão tristemente retratada por Picasso.


Lenir Santos, advogada, doutora em Saúde Pública pela Unicamp, professora colaboradora do Departamento Saúde Coletiva Unicamp e presidente do Instituto de Direito Sanitário – IDISA.




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