Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

Editores Chefes
Áquilas Mendes
Francisco Funcia
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Conselho Editorial
Élida Graziane Pinto
Marcia Scatolin
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado

ISSN 2525-8583



Domingueira Nº 07 - Fevereiro 2018

EFEITOS NEGATIVOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL 95/2016 SOBRE A EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA E FINANCEIRA DE 2017 DO MINISTÉRIO DA SAÚDE

Por Francisco R. Funcia


A aprovação da Emenda Constitucional (EC) 95/2016 foi precedida de críticas de todos aqueles que defendiam os direitos de cidadania inscritos na Constituição Federal, entre os quais, o expresso no artigo 196: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Afinal, não só foi estabelecido um “teto” para as despesas primárias até 2036 com o objetivo de formar superávits primários para pagamento de juros e amortização da dívida pública (que correspondem as despesas financeiras não submetidas ao mesmo “teto”), mas também criada uma regra de cálculo de “congelamento” desse “teto” por 20 anos – manter o valor das despesas pagas em 2016 atualizadas anual pela respectiva variação do IPCA/IBGE (índice oficial da inflação) e, para a saúde, manter o valor de 15% da Receita Corrente Líquida de 2017 como um “piso/teto” atualizado anualmente pela variação do IPCA/IBGE. Com isso, o processo de subfinanciamento do SUS foi transformado em processo de desfinanciamento: dependendo do cenário de projeção adotado, os recursos federais para o SUS caíram de 1,7% do PIB para 1,0% até 2036, o que poderia gerar perdas acumuladas superiores a três orçamentos anuais nesse período de 20 anos.

Da análise preliminar da execução orçamentária e financeira de 2017 do Ministério da Saúde (inclusive dos restos a pagar, com base nas planilhas elaboradas pelo Ministério da Saúde e disponibilizadas pela Comissão de Orçamento e Financiamento do Conselho Nacional de Saúde – COFIN/CNS), foi possível inferir que essa execução foi condicionada negativamente pela EC 95, especialmente para o que segue:

  1. A avaliação do cumprimento do “piso/teto” da aplicação em ações e serviços públicos de saúde (ASPS) pelo governo federal é feita pelos valores empenhados, o que explica o crescimento de 8,0% em 2017 comparativamente a 2016 (foi empenhado R$ 115,260 bilhões, cuja análise sobre o cumprimento ou não da aplicação mínima constitucional e legal em 2017 será objeto de futuro artigo, após a análise do Relatório de Prestação de Contas do 3º Quadrimestre/2017 a partir de 28 de fevereiro e do Relatório Anual de Gestão 2017 a partir de 30 de março). Desses empenhos, contudo, foram pagas despesas em 2017 que totalizaram R$ 101,134 bilhões, isto é, um aumento de apenas 2,23% em comparação ao pago em 2016 (portanto, houve queda real, pois ficou abaixo da inflação de 2,95%).
  2. Como consequência da situação descrita no item anterior, a inscrição em restos a pagar dessas despesas empenhadas em 2017 (mas não pagas nesse exercício) foi de R$ 14,125 bilhões, o que representou um crescimento de 81,40% em comparação ao que ocorreu no final de 2016. Considerando que há um “teto” para o conjunto das despesas primárias limitado pela variação anual do IPCA/IBGE e que há um “piso/teto” para ASPS cuja aferição pela área econômica do governo federal é feita pelo conceito de despesa empenhada, essa diferença entre “empenho” e “pagamento” tenderá a se transformar numa “bola de neve” ao longo do tempo. É sempre bom lembrar que os valores desses restos a pagar não são atualizados monetariamente, o que tende a inviabilizar a realização das ações de saúde nos próximos anos pela perda de poder aquisitivo decorrente da defasagem temporal ocorrida desde a data original do empenho.
  3. O crescimento dos “empenhos a pagar” em 2017 representa uma inversão completa da tendência de redução de inscrição de restos a pagar de cada exercício pelo Ministério da Saúde observada a partir de 2008, e de forma sistemática a partir de 2011, conforme ilustra o Gráfico a seguir sobre o nível de empenhos a pagar do Ministério da Saúde:

    O gráfico evidencia que houve um crescimento significativo do nível de empenhos a pagar em 2017, interrompendo uma tendência de redução que projetava para os exercícios de 2019 e 2020 atingir o nível de 5,0% recomendado pelo Conselho Nacional de Saúde (Recomendação CNS 505/2015).

  4. A execução financeira dos restos a pagar em 2017 (referente às despesas não pagas originalmente empenhadas entre o período de 2003 a 2016) reforça essa inferência do condicionamento negativo estabelecido pela EC 95 para a área da saúde: foi pago R$ 6,487 bilhões, isto é, cerca de R$ 2,089 bilhões a menos que em 2016 (que representou uma queda nominal de 24,36%), enquanto que o saldo a pagar a ser reinscrito para execução financeira em 2018 foi de R$ 6,987 bilhões (que representou um crescimento de 10,38%).

  5. Desta forma, a soma dos valores inscritos (referentes aos empenhos de 2017 não pagos) e reinscritos (referentes aos empenhos de 2003 a 2016 não pagos) em restos a pagar do Ministério da Saúde para execução financeira em 2018 totaliza R$ 21,879 bilhões (que representou um crescimento de 51,4% em comparação ao verificado na abertura do ano de 2016). Esse valor representou 19% das despesas ASPS empenhadas em 2017 e se for mantida em 2018 a limitação financeira imposta para a saúde em 2017, no contexto da EC 95, o próximo governo herdará no início de 2019 restos a pagar inscritos e reinscritos superiores a R$ 36,0 bilhões.

  6. Na prática, a consequência final desse processo descrito anteriormente é a deterioração das condições de saúde da população, pois o desfinanciamento federal do SUS prejudica também o financiamento das ações desenvolvidas pela rede de saúde dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios – cerca de 2/3 das despesas do Ministério da Saúde são transferências fundo-a-fundo.

  7. Por isso, urge ampliar a mobilização social pela revogação da EC 95 (Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI 5658 em tramitação no Supremo Tribunal Federal), bem como assinar a petição on line/abaixo assinado “Somos amigos e amigas das causas da saúde e educação”:

O SUS não pode morrer! Assine contra a redução de investimentos em saúde
Para: Supremo Tribunal Federal - STF

http://www.peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=BR102140


Francisco R. Funcia, Economista e Mestre em Economia Política pela PUC-SP





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