Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

Editores Chefes
Áquilas Mendes
Francisco Funcia
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Conselho Editorial
Élida Graziane Pinto
Marcia Scatolin
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado

ISSN 2525-8583



Domingueira Nº 07 - Fevereiro 2019

DECRETO DE REMANEJAMENTO ORÇAMENTÁRIO FEDERAL E RESOLUÇÃO DO CNS SOBRE AS DIRETRIZES PARA O ESTABELECIMENTO DE PRIORIDADES 2020: DOIS TEMAS DISTINTOS, MUITOS DEBATES.

Por Francisco R. Funcia


A presente Nota tem por objetivo esclarecer resumidamente dois temas importantes muito debatidos na semana passada (de 11 a 15/02/2018): o remanejamento orçamentário federal referente ao Decreto Nª 9.699, de 08 de fevereiro de 2019; e as diretrizes para o estabelecimento de prioridades para 2020 aprovadas por unanimidade pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS).

I – Sobre os remanejamentos orçamentários do Decreto Nº 9.699/2019
Durante a semana passada, recebi várias consultas a respeito dos remanejamentos orçamentários do Decreto Nº 9.699, de 08/02/2019, que tem como ementa:

Transfere dotações orçamentárias constantes dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União para diversos órgãos do Poder Executivo federal, para encargos financeiros da União e para transferências a Estados, Distrito Federal e Municípios, no valor de R$ 606.056.926.691,00.

A consulta era se esses remanejamentos, que retiravam recursos de várias áreas, como por exemplo daquelas responsáveis para o pagamento de aposentadorias e pensões aos segurados do INSS, para transferir ao Ministério da Economia, não eram inconstitucionais e/ou ilegais.

Na introdução desse Decreto, consta a motivação da sua edição: “...autorização contida no art. 54 da Lei nº 13.707, de 14 de agosto de 2018, e o disposto na Medida Provisória nº 870, de 1º de janeiro de 2019”.

A Lei nº 13.707, de 14/08/2018, que expressa a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) 2019 da União, em seu artigo 54 (caput e parágrafo único), estabelece que:

Art. 54. Ato do Poder Executivo poderá transpor, remanejar, transferir ou utilizar, total ou parcialmente, as dotações orçamentárias aprovadas na Lei Orçamentária de 2019 e em créditos adicionais, em decorrência da extinção, da transformação, da transferência, da incorporação ou do desmembramento de órgãos e entidades, bem como de alterações de suas competências ou atribuições, mantida a estrutura programática, expressa por categoria de programação, conforme definida no § 1º do art. 4º, inclusive os títulos, descritores, as metas e os objetivos, assim como o detalhamento por esfera orçamentária, GND, fontes de recursos, modalidades de aplicação e identificadores de uso, e de resultado primário. (Vide Medida Provisória nº 870, de 2019)
Parágrafo único. A transposição, a transferência ou o remanejamento não poderá resultar em alteração dos valores das programações aprovadas na Lei Orçamentária de 2019 ou em créditos adicionais, podendo haver, excepcionalmente, adequação da classificação funcional e do Programa de Gestão, Manutenção e Serviço ao Estado ao novo órgão.

Em resumo, o artigo 54 (caput e parágrafo único) da Lei 13.707 de 2018 (LDO 2019) trata da autorização de remanejamentos orçamentários decorrentes de reestruturação administrativa (extinção e criação de ministérios, fusão e desmembramentos de órgãos, etc.) promovidos pela Medida Provisória nº 870, de 1º de janeiro de 2019 (que “estabelece a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios”).

Por sua vez, esse dispositivo legal atende o disposto no artigo 167 (e o Inciso VI) da Constituição Federal, a seguir transcritos:

Art. 167. São vedados:
(...)
VI - a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa;

Da análise que realizei (por amostragem) dos remanejamentos orçamentários do Decreto Nº 9.699/2019, foram respeitados os dispositivos da Constituição Federal e da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) 2019 da União (artigo 54, caput e parágrafo único), pois:
a) Não houve alteração nas categorias de programação e nos valores aprovados na Lei Orçamentária 2019 da União; e
b) Houve mudanças de órgãos com autorização legislativa prévia (no caso, a LDO 2019 da União).
Portanto, o que este decreto possibilita é a necessária adequação para a gestão orçamentária e financeira (inclusive para as competências de ordenação de despesa) dentro dessa nova estrutura governamental. A meu ver, o mais importante seria que a sociedade debatesse a natureza dessa reestruturação administrativa promovida pela Medida Provisória do início do ano, que criou “superministérios” e extinguiu outros que responsáveis pelas políticas de inclusão social e de respeito aos direitos de cidadania, que não estão evidenciadas nessa nova estrutura proposta.

II – Sobre as diretrizes para o estabelecimento de prioridades 2020 para a elaboração da Programação Anual de Saúde (PAS) 2020 e do capítulo saúde do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) 2020 aprovadas pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS)

As diretrizes para o estabelecimento de prioridades 2020 aprovadas por unanimidade pelo Conselho Nacional de Saúde representam subsídios importantes para o mesmo processo que deve ser realizado nos Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como para os debates a serem realizados nas etapas preparatórias estaduais e municipais da 16ª (8º+8) Conferência Nacional de Saúde (a etapa nacional será realizada de 04 a 07 de agosto de 2019).

O texto a seguir apresentado é uma versão revista e atualizada de artigo que escrevi anteriormente (publicado na Revista Domingueira da Saúde 009/2016, de 10/04/2016):
1 - Os conselheiros nacionais, estaduais e municipais de saúde devem deliberar sobre as diretrizes para o estabelecimento de prioridades para as ações e serviços públicos de saúde que nortearão a elaboração da Programação Anual de Saúde (PAS) de 2020 e do capítulo saúde do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2020 pelos respectivos gestores federal, estaduais, distritais e municipais (conforme art. 30, §4º, da Lei Complementar nº 141/2012).
2 - É importante alertar que nenhuma despesa pública poderá ser realizada se a ação não estiver incorporada na Lei Orçamentária de 2020 (LOA 2020), bem como que nenhuma ação poderá integrar a LOA 2020 se não estiver contemplada nas diretrizes, prioridades e/ou programas existentes na Lei de Diretrizes Orçamentárias 2020 (LDO 2020); por fim, nenhuma diretriz, prioridade e/ou programas poderá integrar a LDO 2020 se não houver previsão no Plano Plurianual – em elaboração para o quadriênio 2020-2023 pela União, Estados e Distrito Federal; e vigente para o quadriênio 2018-2021 nos Municípios.
3 - Esses instrumentos devem estar compatibilizados com o respectivo Plano de Saúde e com a respectiva Programação Anual de Saúde (PAS), integrando o conjunto de instrumentos legais que materializam o processo de planejamento setorial da saúde pública no Brasil no curto e médio prazo.
4 - Caberá aos respectivos Conselhos de Saúde no âmbito de cada esfera de governo participar do processo de elaboração e aprovar cada um desses instrumentos, que subsidiarão o papel constitucional e legalmente estabelecido aos conselheiros de saúde: exercer o papel propositivo no processo de formulação das políticas de saúde e de planejamento das ações, bem como monitorar e avaliar de forma objetiva a execução da política de saúde, inclusive no que se refere aos aspectos orçamentários e financeiros.
5 - É muito importante que os Conselhos de Saúde analisem e deliberem sobre as diretrizes para o estabelecimento de prioridades: se o gestor não as encaminhar, os conselheiros de saúde deverão também elaborar essas diretrizes, além de deliberar e dar conhecimento ao gestor.
6 - O Ministério da Saúde tem recebido do CNS nos últimos anos (desde 2012) as propostas de diretrizes para o estabelecimento de prioridades, fato que se repetiu neste ano: na reunião plenária do CNS realizada no dia 15 de fevereiro de 2019, foi aprovada por unanimidade a Resolução (ainda sem número) contendo essas diretrizes para 2020, objeto de construção coletiva dos conselheiros nacionais de saúde a partir de um texto-base preparado pela Comissão de Orçamento e Financiamento do CNS (COFIN/CNS).
7 – Um alerta importante para os conselheiros estaduais e municipais de saúde: assim como constou no texto aprovado pelo CNS (necessidade de compatibilização posterior com as deliberações da 16ª Conferência Nacional de Saúde), será preciso constar dispositivo específico, nas diretrizes para o estabelecimento de prioridades estaduais a serem aprovadas pelos respectivos Conselhos Estaduais de Saúde, que estabeleça a necessidade de compatibilização posterior com as deliberações das Conferências Estaduais e Municipais de Saúde, inclusive na perspectiva do planejamento ascendente fixado pela Lei Complementar nº 141/2012.
8 – A justificativa para aprovar essas diretrizes neste momento decorre do prazo constitucionalmente estabelecido para o encaminhamento do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2020 ao Congresso Nacional, Assembleias Legislativas Estaduais e Câmaras Municipais – durante o mês de abril de 2019, antes, portanto, da conclusão das etapas estaduais (de 16 de Abril a 15 de Junho de 2019) e municipais (2 de Janeiro a 15 de Abril de 2019) de preparação da 16ª (8ª+8) Conferência Nacional de Saúde.
9 – Outros comentários com o texto completo dessa Resolução com as diretrizes para 2020 aprovadas pelo CNS estarão presentes numa das próximas edições da Revista Domingueira da Saúde.


Francisco R. Funcia, Economista e Mestre em Economia Política pela PUC-SP.





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