Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

Editores Chefes
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Conselho Editorial
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Marcia Scatolin
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado

ISSN 2525-8583



Domingueira Nº 10 - Março 2022

Índice

  1. Tratamento do câncer: o desafio do acesso aos medicamentos - por Carmino de Souza e Angelo Maiolino

Tratamento do câncer: o desafio do acesso aos medicamentos

Por Carmino de Souza e Angelo Maiolino


Nas últimas décadas, temos visto avanços consideráveis no tratamento do câncer, com pacientes sobrevivendo cada vez mais tempo e com qualidade de vida mantida e curva crescente de curas. Parte importante desse progresso é resultado da incorporação de novos medicamentos com mecanismos de ação distintos da quimioterapia clássica, às vezes baseados no controle da doença e não na cura.

No entanto, apesar dos grandes avanços, muitos medicamentos desenvolvidos nas décadas de 60 e 70 estão e continuarão por prazo indefinido entre os pilares do tratamento curativo de leucemias, linfomas e tumores sólidos. Mesmo tendo extrema importância, esses medicamentos “antigos e, em geral, baratos”, obtidos em sua grande maioria por síntese fina ou de produtos naturais, vêm desaparecendo do mercado, prejudicando o tratamento de muitos pacientes porque não há substituto para eles.

Por serem de baixo custo e produzidos em “plantas” (fabricas) antigas e que, muitas vezes, não são certificadas por órgão de regulação como a nossa Anvisa, têm sido preteridas em favor de drogas de perfil biológico mais direcionadas e mais específicas ao tratamento dos vários tumores.

Em editoriais (♦ ♦) publicados por nosso grupo há cinco e 10 anos, havíamos apresentado o problema da falta de suprimento de medicamentos oncológicos e discutido o grave problema de como o “velho” desaparece e o “novo” não chega”, gerando grave dificuldade aos médicos e, principalmente, aos pacientes portadores de câncer.

Por outro lado, uma verdadeira revolução no tratamento do câncer vem acontecendo nas últimas décadas.

Temos hoje ferramentas cada vez mais modernas para o tratamento destes pacientes, tais como, drogas alvo atingindo receptores específicos da célula maligna e anticorpos desenvolvidos para destruir estas células e ao mesmo tempo estimular uma resposta imune do paciente. São tratamentos, em geral, mais eficazes e com menos efeitos adversos e que estão em pleno uso e desenvolvimento através do mundo.

Manter o fornecimento de medicamentos “antigos”, mas essenciais e incorporar ao Sistema de Saúde os “novos” sempre de custo mais elevado e com impacto orçamentário e financeiro, mas com potencial de curar ou ao menos prolongar a vida dos nossos pacientes, representa um enorme desafio.

Neste ponto consideramos de fundamental importância a contribuição das Sociedades Médicas de Especialidades atuando em conjunto com as instâncias governamentais e com os pacientes através de suas associações ou entidades representativas. Ao estabelecer diretrizes baseadas nas melhores evidências científicas, considerando o que é claramente essencial para a adequada abordagem terapêutica do paciente, temos uma linha correta, ética e científica de como atuar de modo proativo para incorporar o medicamento no Sistema de Saúde, seja público ou privado.

A busca da equidade é fundamental em nosso trabalho. Não podemos oferecer algo que não seja para todos e isto, nem sempre tem sido possível.

É nosso entendimento, que precisamos ter no Brasil uma política especifica voltada para o paciente com câncer, com um Programa Nacional devidamente orçamentado, com metas claras, contratos e relatórios de gestão onde possamos saber realmente quanto temos e quanto gastamos com a oncologia e as possiblidades de avanços nesta área. Além disto e de maneira periódica, devemos ter e propor diretrizes diagnósticas e terapêuticas bem estabelecidas.

Não termos um sistema organizado e com adequada lógica de incorporação real de novos avanços, é fomentar a judicialização do sistema. “Judicialização” é, sem dúvida, um instrumento legal e democrático que pode ser utilizado pelos pacientes e suas entidades. Mas, sabemos, que esta é a pior forma de avançarmos. Esta modalidade de acesso é a mais cara, não tem os controles científicos adequados (por melhor que trabalhemos em conjunto com o Poder Judiciário), enfraquece estrategicamente, orçamentariamente e financeiramente os sistemas de saúde, tanto público como privado e atende apenas a singularidade do problema, deixando para traz aqueles que não têm acesso ao Sistema Judiciário, na verdade, a grande maioria dos pacientes.

Com isto, aumentamos o abismo do acesso entre os que podem e os que não podem. Quebramos um dos mais importantes pilares do SUS que é a equidade.

Outro ponto bastante importante é não efetivação da incorporação dos fármacos após a aprovação da Conitec. Dados recentes mostram que de 20 produtos recentemente “incorporados” na oncologia, apenas um está efetivamente em uso no País. Isto gera uma enorme frustração aos pacientes, aos médicos e às entidades que colocam estrutura, recursos humanos e materiais, conhecimento etc. e não veem o que está decidido realmente ocorrer. Apesar de ser específico ao tratamento do câncer, essa é uma agenda que devemos, como sociedade, assumir como fundamental.


♦ De Souza C. What is happening with the supply of oncology drugs in Brazil and the world? Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, 2012.

♦ Maiolino A, Simões BP, de Castro CG Junior, Covas DT, Dos Santos Fernandes G, Hamerschlak N, Fonseca TC, Colturato V. Paradoxes of hematology: When the old disappears and the new does not arrive. Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, 2017


Carmino Antonio de Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020

Angelo Maiolino é professor associado de Hematologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), vice-presidente da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH) e coordenador do Comitê de Acesso a Medicamentos da ABHH


Fonte: Artigo publicado no site Hora Campinas em 07 de Março de 2022.




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