Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

Editores Chefes
Áquilas Mendes
Francisco Funcia
Lenir Santos

Conselho Editorial
Élida Graziane Pinto
Marcia Scatolin
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado

ISSN 2525-8583



Domingueira Nº 13 - Abril 2022

Índice

  1. O Direito Sanitário no cenário nacional - por Lenir Santos

O Direito Sanitário no cenário nacional

Por Lenir Santos


A pandemia da Covid-19 abriu o véu que encobria o Direito Sanitário, proeminente ramo do direito público num século altamente científico e tecnológico, de relevantes intervenções em prol da melhoria da qualidade de vida das pessoas mas que exigem limites éticos ante as suas infinitas possibilidades.

Basta a literatura, as biografias, a história a nos mostrar como as enfermidades afetavam a vida das pessoas que, muitas vezes, passavam grande parte de suas vidas afastadas de seus afazeres dadas as febres, infecções, inflamações, dores, alergias, doenças sem diagnósticos ou sem possibilidades de tratamento eficaz. Isso para não falar das epidemias que por vezes dizimavam grande parte da população.

Pode-se dizer que a saúde ganhou corpo na sociedade moderna com a Declaração Universal de Direitos Humanos, a criação da Organização Mundial de Saúde, o conceito biopsiquicossocial de saúde, fatos que ensejaram estudos de questões sanitárias para além da medicina e do individual, com o social sendo considerado nas condições de saúde das pessoas.

No Brasil, a partir da Constituição de 88, com a saúde sendo considerada direito social, individual e fundamental, associada aos princípios da dignidade, igualdade, liberdade, integridade e um arcabouço jurídico consequente, seria impossível continuar o seu estudo no âmbito do direito administrativo, o que fez emergir no país o Direito Sanitário para garantir, promover e proteger a saúde das pessoas.

Os dias de hoje, comparativamente, são um paraíso dados os avanços da biologia, da química, da tecnologia e dos sistemas de saúde públicos pelas possibilidades de prevenção, proteção e recuperação da saúde. Tanto que já se pode falar da morte da morte [1] e do prolongamento da vida, ante os incessantes avanços técnico-científicos.

Se até bem pouco tempo intitular-se advogado sanitarista era algo impensável, sendo que nos anos 80/90 [2], contavam-se nos dedos das mãos os especialistas em direito sanitário tanto quanto as obras, artigos jurídicos, doutrina nesse campo.

Pode-se dizer que a judicialização da saúde, que tomou corpo no início dos aos 2000, chamou a atenção do Judiciário e de seus tribunais superiores, para questões jurídicas sobre o direito à saúde e o Sistema Único de Saúde (SUS), além dos problemas jurídico-administrativos da gestão do SUS dada a descentralização político-administrativa das ações e serviços de saúde que passaram a exigir das consultorias e procuradorias jurídicas públicas, o estudo desse direito.

Lembramos da primeira grande discussão jurídica sobre o direito à saúde, objeto da 1° Oficina Jurídica sobre Questões do SUS, ocorrida em 1992, organizada por Guido Ivan de Carvalho e Lenir Santos, com o apoio da Organização Panamericana da Saúde (OPAS) e do Conselho Nacional de Saúde, em Brasília.

Tal oficina contou com a presença do saudoso jurista Geraldo Ataliba, Carlos Ari Sundfeld, Sergio Ferraz, Ricardo Lobo Torres, Márcio Camarossano, dentre outros, para debater aspectos jurídico-tributários e administrativos do SUS. Para os próprios participantes foi uma experiencia inusitada discorrer sobre temas do direito sanitário, incipiente então na academia.

O intenso arcabouço jurídico-legislativo sanitário, que já merece ser codificado, requer estudos, pesquisas, hermenêutica, jurisprudência para a construção de doutrina que firmem seus princípios e assim garantam a proteção da saúde das pessoas, transformando em realidade concreta, efetiva, o direito, para, no dizer de Norberto Bobbio [3], não mais servir apenas para ser proclamado, mas sim para ser usufruído de fato.

Nesse cenário pandêmico, a saúde passou a ocupar lugar de destaque e questões jurídicas surgiram quanto à proteção do direito à saúde, da gestão e governança do SUS. Assim a maior crise sanitária mundial desse século abriu as portas para o Direito Sanitário, devendo doravante ser reafirmado no cenário jurídico nacional, mediante estudos, pesquisas, debates nas academias.

Seu aparato normativo sanitário requer solidez conceitual, interpretação sistêmica, doutrina e dogmática jurídica que afirmem seus princípios e contribuam para a garantia do direito à saúde do indivíduo e da coletividade. Este século aponta para avanços inimagináveis no campo da saúde e cabe ao Direito Sanitário a sua proteção, em especial no da ética.


[1] Laurent, A. A morte da morte. Manole, 2018; Cordeiro, JL & Wood, A morte da morte. D. LVM, 2019.
[2] Cito a grande novidade que foi a criação em 1989, do Curso de Especialização em Direito Sanitário pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Direito Sanitário, criado pela professora Sueli Dallari e demais professores.
[3] Bobbio, N. A era do direito. Editora Campus, 1992.


Lenir Santos, advogada, doutora em Saúde Pública pela Unicamp, professora colaboradora do Departamento Saúde Coletiva Unicamp e presidente do Instituto de Direito Sanitário – IDISA.




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