Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

Editores Chefes
Áquilas Mendes
Francisco Funcia
Lenir Santos

Conselho Editorial
Élida Graziane Pinto
Marcia Scatolin
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado

ISSN 2525-8583



Domingueira Nº 14 - Maio 2021

O assombro da covid-19 no mundo e no Brasil (a civilização, o estado e a sociedade)

Por Nelson Rodrigues dos Santos


A rápida e grande expansão da COVID-19 e sua mortalidade em todo o mundo, foi de inimaginável efeito surpresa, independente do grau de desenvolvimento econômico, social, científico e tecnológico de cada país. Com raríssimas exceções entre os países, o duro e rápido aprendizado não deixou margem para dúvidas: todas as políticas de Estado viram-se obrigadas a priorizar a contenção da transmissão e da assustadora mortalidade da pandemia, como condição à retomada da prioridade à economia.

O QUE FAZER

Impunha-se uma redução temporária nas atividades que aglomeram as pessoas e aumentam os contágios no trabalho, escolas e diversões, por isso, impunham-se também compensações financeiras para sobrevivência em ramos empresariais mais vulneráveis, a não demissão em massa e vida digna aos mais pobres. Assim as sociedades e países foram assumindo com sucesso maior ou menor, investimentos na obtenção de resultados significativos de contenção da pandemia, com os distanciamentos sociais, quando necessário o lockdown, e em menos de um ano, a pesquisa e produção de vacinas. O desafio agora é que o “efeito rebanho” no controle da pandemia, seja conseguido pela vacinação em massa, e não por mortandade ainda maior que a atual.

Na contenção da pandemia, as várias formas de distanciamentos sociais e lockdowns foram assumidas pelos governos e sociedades em todas as culturas e graus de desenvolvimento. Essa responsabilidade para com suas sociedades levou centenas de países a comprometer-se desde o primeiro semestre/2020, com aquisições de vacinas perante os grandes institutos de pesquisa e produção, que estavam ainda na etapa de pesquisa científica e operacional. Essa corrida foi ganha obviamente pelos países mais ricos, principalmente os EUA e países europeus, permanecendo os demais na fila de chegada aos produtores.

AS POUCAS EXCEÇÕES

O inesperado aprendizado pelas Sociedades e seus Estados, da precedência estratégica do enfrentamento e controle da pandemia, como condição e parte da retomada da Economia, sobrepassou a conjuntura das crescentes tensões nacionais e da globalização neoliberal. Vemos incluir-se nesse aprendizado, uma referência ao processo civilizatório global. Somente em pouquíssimos países, parte dos donos do grande capital e da cúpula federal de dirigentes do Estado, assumiram surpreendente negacionismo dessa realidade: - nesses poucos países as cúpulas governamentais da área econômica mantiveram compulsivamente como prioridade intocável, a acumulação de renda e riqueza e o processo produtivo, e desdenharam o controle da pandemia como condição para a retomada da economia.

Entre esses poucos países destacaram-se os EUA em seu governo anterior até Dezembro/ 2020 e o Brasil, em nosso entendimento, até nossos dias. Ao final deste minitexto retomaremos o significado deletério do negacionismo em nosso país. A seguir lembraremos posicionamentos comprovados do nosso Governo Federal até esta data:

a) abdicou da responsabilidade constitucional do Estado federado, em interagir construtiva e articuladamente com os governos estaduais e municipais, deixando de com eles integrar e coordenar, desde o início de 2020, a formulação de estratégias e apoio logístico na contenção da pandemia, potencializando a implementação de formas e hábitos de distanciamento social, o uso de máscaras, compensações financeiras às micro e miniempresas, autônomos e desempregados mais pobres, etc.;

b) liberou somente entre junho e setembro/2020 aos Estados e Municípios, recursos adicionais, inclusive os aprovados pelo Legislativo, já com as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde (CONASS e CONASEMS) se desdobrando arduamente por si, em medidas preventivas e assistenciais;

c) desqualificou, desestimulou e desmoralizou publicamente com declarações e ações pessoais, o grande esforço pelo distanciamento social e utilização de máscaras – hábitos mais eficazes de prevenção durante 2020 e também em 2021, já na vigência da vacinação. Esse posicionamento federal em nome da defesa das atividades econômicas, produção e emprego, vem estimulando e reapaldando rebeldias e mobilizações de setores comerciais contra medidas dos governos estaduais e municipais de afastamentos sociais, e abusam da credulidade de boa parte da população, desarmando-a da sua própria auto defesa da saúde e da vida;

d) priorizou publicamente o exercício das atividades econômicas e produtivas, com ênfase naquelas condicionadas a grandes aglomerações e contatos interpessoais diretos que potencializam a pandemia. Os recursos federais emergenciais para gastos diretos no combate à pandemia em 2020 foram liberados somente em 13/Março. Até 30/Junho estavam efetivados só 29% dos gastos federais diretos, e do total a ser repassado a Estados e Municípios, só 39% e 36%. Vetou em 03/Junho R$8,6 bilhões imobilizados em Fundo do Banco Central já aprovados pelo Senado e Câmara para o controle da pandemia;

e) demitiu seu primeiro Ministro da Saúde por ter esse ministro emitido portaria em 04/Fev/2020, declarando emergência em saúde pública, e intensificado uma articulação solidária com as secretarias estaduais e municipais de saúde;

f) impediu a importação precoce para o teste RT-PCR e seus insumos para produção própria, o que anteciparia testagens amplas e precoces, orientadoras das situações de risco e estratégias de confinamento, desdenhando a experiência dos países asiáticos e europeus como a Coréia do Sul; manteve 6,8 milhões de testes (R$67,5 milhões) entregues pela Organização Pan-americana da Saúde em depósito no aeroporto de Guarulhos até seu vencimento, deixando nosso país em utilização de testes, atrás do Chile, Uruguai, Argentina, Peru e Colombia, e em Ago/2020 cancelou a compra de kits-intubação;

g) retardou desmedidamente a liberação de recursos federais anunciados e procedimentos de aquisição de kits de UTI, respiradores e outros equipamentos imprescindíveis para hospitais estaduais e municipais, levando secretários de saúde e governadores a aquisições emergenciais solitárias sem consolidação nacional nem mesmo para compras em escala econômica, o que gerou riscos de suspeição ou reais superfaturamentos;

h) liberou em 2020 menos de 10% do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Ciência e Tecnologia e de 2020 para 2021 cortou 69% na importação de insumos para a pesquisa científica, o que atingiu todas nossas instituições de pesquisa, como o Butantan e a Farmanguinhos, de excelência internacionalmente reconhecida;

i) insistiu em 2020 no acréscimo de apenas R$200 provisórios na renda mínima mensal aos mais pobres perante o desemprego e confinamentos com a pandemia, o que levou o Congresso Nacional a debater e votar a obrigatoriedade da elevação para R$600, o que resultou na retirada da extrema pobreza 72% das famílias que acessaram o auxílio;

j) na condução do Ministério da Saúde, a partir de 22/abril/2020 na Secretaria Executiva e de 15/Maio no Gabinete Ministerial, submeteu o Ministério a verdadeira ocupação por dezenas de militares totalmente inexperientes no setor, em nome da grande experiência em logística do novo ministro, General da ativa. Desconsiderou a experiência técnica acumulada nos 32 anos pós-constitucionais, desqualificou os dados da morbimortalidade da pandemia e desmobilizou a gestão federal positiva no complexo e exaustivo cumprimento das diretrizes legais da gestão, com os Estados e Municípios, da construção tripartite do SUS;

k) rompeu em julho/2020 o apoio ministerial à Univ. Fed. de Pelotas que junto à Fiocruz vinha realizando pesquisa e acompanhamento epidemiológico do combate à COVID-19 internacionalmente reconhecido;

l) adquiriu por mais de R$127 milhões altos volumes de hidroxicloroquina, comprovado placebo para a COVID-19, além do Tamiflu e outros, pressionando a sua prescrição pelas secretarias estaduais e municipais de saúde, induzindo a medicina privada a prescrevê-la, tentando alterar por decreto a bula da hidroxicloroquina, e abusando da credulidade de parte da população e governantes eleitos. Distorceu função do Laboratório do Exército, favorecendo interesses de laboratórios privados e novamente abusando da credulidade de boa parte da população, desarmando-a da sua própria autodefesa da saúde e da vida;

m) em novembro/2020 permanecia cumprindo menos de 1/3 da meta de 24 milhões de testes RT-PCR para melhor orientar as prioridades e efetividade no controle da pandemia segundo a diversidade regional, o governo federal manteve 6,86 milhões de testes sem distribuir, com validade biológica até o final de 2020, alegando problemas na licitação para compras e não enviando aos Estados os reagentes que acompanham os testes;

n) não implementou a contratação emergencial de 5 mil profissionais de saúde para atuarem nas áreas mais impactadas, com recursos aprovados pelo Congresso Nacional em maio/2020, e em Fev/2021 cortou 50% do financiamento que vinha mantendo para os leitos de UTI para a COVID-19 ;

o) desconheceu e/ou desconsiderou em 2020 a imprescindível e reconhecida experiência do Plano Nacional de Imunização-PNI, da produção e aquisição de vacinas, assim como as estratégias e prioridades definidas conjuntamente com os Estados e Municípios, com isso, desconsiderando que a vacinação acompanhada dos distanciamentos sociais, seria o controle mais oportuno e de custos muito menores que a assistência hospitalar massiva de alto custo e valor maior: a saúde e a vida de parte da população;

p) desdenhou todo o 2020 a encomenda de vacinas:- em agosto/2020 desdenhou oferta da Pfizer para aquisição de 70 milhões de doses com entregas parceladas entre Dez/2020 e Jun/2021, o mesmo em contatos com a Moderna, Janssen e fornecedores da China, Índia e Rússia. Entre Setembro e Outubro/2020 cancelou a compra de 46 milhões de doses da CORONAVAC encomendadas pelo Inst.Butantan, com a justificativa pública do então Ministro da Saúde de que “é simples assim: um manda e outro obedece”. Nesta altura já havíamos perdido a chance de utilizar 130 milhões de doses de vacinas ainda em 2020. Em 20/09/2020, quando nosso governo se dispôs assinar o projeto COVAX Facility, apoiado pela OMS, mais de 170 países já haviam aderido mesmo antes de criadas as primeiras vacinas. Somente na passagem 2020/2021, com o assustador avanço da pandemia, o crasso erro logístico na tragédia de Manaus, alguns Estados iniciando contatos para importação de vacinas e insumos, e a opinião pública apoiando a vacinação, só aí o governo federal assumiu publicamente concordância com a vacinação. Por coincidência ou não, no início de 2021, enfim a diretoria da ANVISA em memorável reunião, aprovou por unanimidade a importação das primeiras vacinas e reconheceu a inexistência de medicamentos para essa virose;

q) permaneceu desdenhando em 2021 através dos ministros, o das Relações Exteriores (recém substituído) e o da Economia, o primeiro pressionando a India para a venda de Cloroquina ao Brasil, como também ofendendo pública e gratuitamente o governo chinês e seu embaixador no Brasil, além da sua desconcertante busca pessoal em Israel, de meios de contenção da COVID-19 alternativos à vacina, e o segundo, mesmo ciente que 84% das doses aqui aplicadas e 95% das IFAs foram de origem chinesa, exclamando em reunião gravada: “o chinês inventou o vírus e tem vacina menos eficiente que a americana”, e como se não bastasse, em outra reunião gravada exclamou insensivelmente: “o problema da saúde pública no Brasil é que todo mundo que viver cem anos”;

r) anunciado pelo Ministro da Saúde em Maio/2021, calendário vacinal para 35% da população até o final de Maio, somando o fornecimento pelo Butantan, Biomanguinhos e compras diretas no exterior, contudo, com contatos e providências formais iniciais com inexplicável lentidão. Da mesma maneira, um provável acordo com a Pfizer para 100 milhões de doses para entrega rápida e outro acordo com a mesma empresa, para mais 100 milhões, com 35 milhões podendo chegar em Outubro/2021,

s) anunciado informalmente pelo respeitado núcleo Epicovid-19 da UFPel, por volta de 14 mil óbitos e 30 mil internações em UTI no país, poderiam não ter ocorrido entre Dezembro/2020 e Abril/2021, caso o Brasil tivesse considerado as ofertas da Pfizer desde Dezembro/2020, e

t) O atual ministro da saúde em seu depoimento na CPI do Senado, posicionou-se dubiamente sobre o uso da hidroxicloroquina, não revogou a indicação desse farmaco nos sites do Ministério da Saúde, da capacitação profissional do SUS e da UNASUS, aguardando posição oficial da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS - CONITEC.

A “OCUPAÇÃO MILITAR” DO MINISTÉRIO DA SAÚDE

O gabinete do Ministro e a maioria dos cargos de direção no Ministério da Saúde –MS: - foi justificada pelo governo federal pela grande experiência em logística do então Secretário Executivo e depois Ministro da Saúde. Nem a ditadura militar de 1964 a 1984 chegou a tanto, como se o MS fosse um “bunker” antinacional, antissocial e anticonstitucional a ser tomado. Qual foi o grande benefício logístico?

a) preparar os serviços básicos e especializados para conter a expansão da pandemia nas realidades regionais e locais, com afastamentos sociais adequados a essas realidades, uso de máscaras, etc., em articulação com os governos estaduais e municipais e seus conselhos de saúde?

b) mapear os Estados e Regiões de Saúde com o CONASS e CONASEMS, com antecedência estratégica, a capacidade instalada real e potencial da rede básica, a ambulatorial, laboratorial e hospitalar, incluindo os estoque de medicamentos básicos, oxigênio (vide caso de Manaus) e outros, visando aquisições e estocagens estratégicas?

c) conhecer e adequar a rica experiência de décadas do nosso PNI, e iniciar estrategicamente as providências eficases no 1º semestre/2020?

d) prever e prevenir em tempo hábil tendências de desatendimento? e

e) com base nas “ondas” e picos da pandemia e nas experiências internacionais, formular junto aos Estados e Municípios alternativas com base na relação custo/efetividade na contenção da pandemia, antes, durante e após a vacinação?

OS CORTES NO FINANCIAMENTO DA PESQUISA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

Vale lembrar que o atual governo federal muito intensificou o que há décadas vem ocorrendo: essa investida contra nossa ciência e tecnologia vem dos anos 1990, com projeto de Lei do Executivo Federal privilegiando propriedade intelectual a países centrais.

Quebrou o desenvolvimento do nosso parque de química fina que contava com 300 projetos e 1050 estações de produção: só de produção de ingredientes farmacêuticos ativos - IFAs detínhamos 55% até o final dos anos 80, estamos hoje com 5%.

Butantan e Bio-Manguinhos por sua excelência arduamente mantida, conseguem realizar acordos internacionais isolados. Estaríamos hoje nessa área, nivelados na criação e produção de vacinas e seus insumos, não só à China, Índia, Rússia, e em vários aspectos, até aos EUA e UE, caso nosso potencial fosse reconhecido e assumido pelo nosso Estado como um projeto de sociedade e nação amplamente debatido.

A EVOLUÇÃO DA COVID-19 EM NOSSO PAÍS

Há a perspectiva de que a evolução da pandemia no geral e em nossos país, aponta o início do seu controle para presumível efeito rebanho a partir de 70% da população imunizados, pela doença e pela vacinação. No segundo semestre de 2020 debatia-se ainda a meta de chegarmos aos 70% em meados de 2021, mas permanecemos em Maio/2021 com menos de 12% da população imunizada com as duas doses. Neste meado de Maio contamos mais de 15,5 milhões de doentes e mais de 431 mil mortos pela COVID-19. A cada dia adoecem mais 85 mil brasileiros e morrem mais de 2000 por essa pandemia. Mais do que por assassinatos (4 vezes mais) e por acidentes de trânsito (5 vezes mais). Por volta de 9 aviões Boing de 300 assentos lotados, caindo e morrendo a cada dia. E o governo federal somente em 2021 assume publicamente a importância da vacinação, mas ainda com previsões inseguras ou confusas de aquisições e vacinações.

A persistência federal em 2020, no desdém aos formatos de afastamento social, quando necessário o lockdown, e à vacinação em massa o mais precoce, revela inapelável adesão, consciente ou não, à exposição da sociedade à “seleção natural” ou “efeito rebanho natural”, desastrada regressão civilizacional. Nosso país, com 2,7% da população mundial, participa neste Maio/2021, com 30% das mortes mundiais pela COVID-19.

No contexto mundial a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento – OCDE - informou em março/2021 que a velocidade das campanhas de vacinação contra a COVID-19 vem sendo crucial na queda dos riscos que afetam a Economia, por incidir nas quedas: da desigualdade social, do desemprego duradouro, do desequilíbrio fiscal e da instabilidade no mercado financeiro. Informa ainda que para os 19 países mais ricos (G-20) onde está o Brasil, a média de crescimento será de 6,2% em 2021 e 4,1% em 2022, sendo para o Brasil, de 3,7% e 2,7%.

Quanto aos nossos jovens em todos os segmentos sociais que resistem ou afrontam distanciamentos sociais e lockdowns em reuniões familiares, bares, baladas, eventos esportivos, artísticos e outros, aumentando contágios nas famílias e entre os próprios jovens, cremos requerer uma reflexão. Pensamos que o discurso reativo imediatista meramente condenatório, destacando nossa juventude somente como um elo transmissor adicional perigoso, deva ser superado.

BREVE CONSIDERAÇÃO SOBRE O NEGACIONISMO

PERSPECTIVAS

Há que se considerar o tamanho do “vazio de futuro” e do “vazio existencial” que há mais de ano esfumaça, desacredita ou deprime a esperança e confiança, essenciais aos projetos de futuro, pessoais e coletivos. Nossa juventude, etapa mais sensível de formação e afirmação na vida, ficou desconectada ou desarticulada de seus ambientes naturais de ensino, trabalho e interação social, além do bombardeio de “fake news”. Entre os legados das gerações “velhas” pesam descrença na escala de valores sociais, assim como no exercício do poder pelo atual governo e pelos anteriores. Desde já conjecturamos: - se esses “vazios”, angústias e descrenças dos jovens de cada segmento social, forem reconhecidos explícita e solidariamente, e eles forem assumidos como decisivos na construção pela sociedade, de relações mais humanas, solidárias e justas, talvez haverão melhores e oportunos resultados no estreito espaço que resta no controle da pandemia.

Recente estudo comparativo do FMI em 62 países, entre o desempenho do PIB em 2020 e mortes acumuladas pelo coronavirus, identifica os vinte países com os melhores resultados, associando a recuperação do PIB a:

a) rapidez da resposta à crise sanitária,

b) medidas bem planejadas, e

c) comunicação clara e frequente dos chefes de Estado sobre os riscos e medidas necessárias de prevenção.
Nesses vinte países chamou atenção que, além dos europeus escandinavos, Austrália, Nova Zelândia, China, Rússia, Israel e outros, constam também a Turquia, Nigéria, Moçambique, Quênia, Egito e Indonésia, comprovando que os acertos sanitários não dependeram somente do grau de desenvolvimento. Nos 62 países estudados na economia e no controle da pandemia, o Brasil ficou situado abaixo da mediana.

Por outro lado a UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância calcula que há desenvolvimento laboratorial potencial para abastecer até Julho/2022, as encomendas de vacinas, que até hoje totalizam 11,6 bilhões de doses, suficientes para a população mundial acima de 19 anos. E alerta para a influência das desigualdade sócio-econômica que hoje prioriza os EUA e União Europeia.

Quanto ao insistente negacionismo do núcleo central do nosso governo federal, partilhamos da visão de que a maioria dos negacionistas provém de setores das elites sociais e do Estado, dedicados compulsivamente à “amarração” da estabilidade e perpetuação do poder e privilégios. Essa “amarração”, envolvendo inúmeros elos de uma cadeia de conhecimentos, crenças e atos de exercício de poder, como dogmas intocáveis, visa a eternização das elites e acólitos, daí, a pronta defesa de um dos elos dessa cadeia, que ao ser quebrado ou fragilizado, prenuncia a finitude da própria cadeia. Cremos que assim foi por muitos séculos a sustentação de: terra centro do universo, terraplanismo, não evolução das espécies, causalidade das doenças, e agora, no Brasil, a sacralização pelo governo federal, da exponencial acumulação da riqueza e capital financeiro, com manutenção da lucratividade do empresariado produtivo, mas ao custo do não distanciamento social nem priorização ao controle da pandemia. Apesar da grande máquina de redes sociais e correntes religiosas populares de suporte ao governo federal, por outro lado, a comunicação social no país, parte importante da imprensa e redes sociais populares, vem levando o mundo político eleito a questionar e contestar o negacionismo imperante. Aparenta hoje um processo de conscientização anti-negacionista, na medida em que vai ficando clara a não ignorância intelectual federal mas sim, a sua estruturação mental sectária e dogmática de patologia social.

Perdeu nosso governo oportunidade histórica de, considerando os ângulos socioeconômico-políticos, rapidamente compartilhá-los com o conjunto da sociedade e os governos estaduais e municipais, na formulação, realização e avaliação das estratégias mais adequadas contra a pandemia. A estreiteza sectária obscurantista, impediu a percepção de que o grande inimigo é a pandemia e não os distanciamentos sociais e vacinação, estes, meros protetores da vida e da saúde da população, direitos intransferíveis no século 21. Essa omissão está sendo ímpar no mundo, e leva nossos Estados e Municípios a correr contra o tempo, com recursos insuficientes para conter os adoecimentos e mortes.


Nelson Rodrigues dos Santos, médico, doutor em saúde coletiva, foi secretário executivo do CNS, secretário executivo do CONASS, diretor do MS por diversas vezes, foi do PIASS, foi das AIS, do SUDS, das universidades estadual de Londrina; da UnB e Unicamp. Atualmente é do conselho superior do IDISA;




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