Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

Editores Chefes
Áquilas Mendes
Francisco Funcia
Lenir Santos

Conselho Editorial
Élida Graziane Pinto
Marcia Scatolin
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado

ISSN 2525-8583



Domingueira Nº 17 - Maio 2022

As esdruxulas alterações da Lei n° 8.080, de 1990 (Lei do SUS)

Por Lenir Santos


Mais uma proposta de alteração da Lei n° 8.080, de 1990, que dispõe sobre a organização e o funcionamento do SUS, tramita no Congresso Nacional. Nascida em 1990 para regulamentar as normas constitucionais, artigos 196 a 200, da Constituição da República, ao longo desses anos foi alterada 14 vezes.

A Lei n° 8.080, de 1990, dispõe sobre princípios, diretrizes, competências, financiamento, participação privada na saúde, visando definir normas gerais sobre esses temas para conformar um sistema público de saúde, orgânico, homogêneo e sistêmico. Para preservar sua natureza, não se deve alterá-la para dispor sobre matéria estranha a sua finalidade estrutural. Outras leis de saúde existem e outras poderão ser editadas para regular temas de interesse da sociedade, como as leis sobre a saúde mental; o transplante; o sangue etc.

A Lei n° 8.080, alterada 14 vezes, tem regulado temas estranhos às suas finalidades estruturais, como é o caso paradigmático da Lei n° 11.108, de 2005, que introduziu no corpo orgânico do SUS, um subsistema sobre o direito da parturiente a acompanhamento durante e no pós-parto, denominado de “Subsistema de acompanhamento durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato”, com um único artigo.

O direito conferido à parturiente é ínsito à própria política pública de saúde de parto humanizado, cabendo regulação por portaria ministerial. Mas ser considerada como um elemento estrutural do SUS, criando-se, de modo esdruxulo, um subsistema do SUS de acompanhamento da parturiente durante e no pós-parto! Na realidade, dentre as 14 leis que alteram a Lei n° 8.080, a maioria não é norma de estrutura do SUS.

O projeto de lei referido neste artigo diz respeito ao de n° 1.998-A, de 2020, que disciplina a prática do telesaúde. Não se trata de matéria estrutural do SUS por ser uma modalidade de exercício da profissão que nada tem a ver com a organização do SUS. O PL diz respeito ao exercício da medicina e de outras profissões de saúde à distância no serviço público e privado, não se configurando como matéria organizativa do SUS.

No presente caso, a má técnica legislativa é flagrante ao inserir o artigo 26-A no capítulo que trata da participação complementar dos setor privado no SUS, do Título III, que regula o setor privado.

A saúde pública tem um arcabouço legislativo de difícil acompanhamento dada a sua profusão, tanto que o Congresso Nacional tenta consolidar a legislação da saúde pública, sem sucesso há mais de 10 anos. Além do excesso de normas, a má técnica legislativa se faz presente cada vez mais e isso desfigura a Lei n° 8.080, de 1990.

Um outro exemplo de má técnica legislativa, é a da Lei n° 13.979, de 2020, que trata do enfrentamento da covid-19, que acabou confundido a sua finalidade – que não dizia respeito às exceções fiscais, tratadas pela Lei Complementar n° 173, de 2020, conforme artigo 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal – e vinculou a sua vigência ao Decreto Legislativo n° 6, de 2020, do Congresso Nacional, que referendou a declaração do Presidente da República, de estado de calamidade pública em razão da pandemia.

Como a calamidade pública nacional encerrou em 31 de dezembro de 2020 pôs fim à vigência da referida lei que tratava de medidas de caráter protetivo-sanitário e não fiscais. Essa confusão ensejou a ADI 6.625-STF que acabou por manter a vigência de determinados artigos da referida lei por essenciais ao enfrentamento da pandemia que não tinha acabado.

Importante pois primar pela técnica legislativa e não desnaturar mais uma vez a Lei n° 8.080, de 1990. Quem saber o Senado Federal, onde o referido projeto de lei tramita, corrigirá o equívoco não permitindo seja alterada a Lei n° 8.080, de 1990, tramitando de forma autônoma.


Lenir Santos é advogada sanitarista, doutora em saúde pública pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), professora colaboradora do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e presidente do Instituto de Direito Sanitário Aplicado (Idisa).




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