Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

Editores Chefes
Áquilas Mendes
Francisco Funcia
Lenir Santos

Conselho Editorial
Élida Graziane Pinto
Marcia Scatolin
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado

ISSN 2525-8583



Domingueira Nº 19 - Maio 2019

ANÁLISE DA EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA E FINANCEIRA DO MINISTÉRIO DA SAÚDE DE 2018 SEGUNDO OS NÍVEIS DE LIQUIDAÇÃO DAS DESPESAS E INDÍCIOS DE DESMONTE

Por Francisco R. Funcia


O objetivo da presente “Nota” é analisar, em caráter introdutório, a execução orçamentária e financeira do Ministério da Saúde em 2018, tendo como referência inicial o quadro comparativo dos níveis de liquidação de despesas a partir de 2016. Desta forma, é possível inferir sobre o processo de priorização estabelecido na execução das despesas federais com saúde, com efeitos diretos e indiretos para os serviços prestados nos Estados, Distrito Federal e Municípios, considerando que cerca de 2/3 das despesas do Ministério da Saúde referem-se às transferências fundo a fundo sob a lógica constitucional da gestão tripartite do SUS, inclusive quanto ao processo de financiamento. No final, são apresentados alguns elementos que indicam indícios de desmonte do SUS.

Essa metodologia foi desenvolvida originalmente por este autor para a Comissão de Orçamento e Financiamento do Conselho Nacional de Saúde (Cofin/CNS) em 2004 e aprimorada em 2016 a partir das contribuições recebidas dos Conselheiros Nacionais de Saúde e dos integrantes da Cofin/CNS. A edição 23 (de agosto de 2018) da Revista Eletrônica Domingueira da Saúde (disponível em http://idisa.org.br/domingueira/domingueira-n-23-agosto-2018) especificou essa metodologia, da qual seguem abaixo as transcrições de trechos daquela “Nota” de nossa autoria:




O subfinanciamento do SUS em termos consolidados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) é ainda mais evidente quando se compara com os gastos públicos em saúde do Reino Unido, que corresponderam a 7,9% do PIB em 2015 (conforme publicado pela Organização Mundial de Saúde), quase o dobro dos 4% do PIB aplicados no Brasil.

Diante do atual quadro de desfinanciamento do SUS (que agrava o processo de subfinanciamento, na medida que retira recursos federais que já eram insuficientes para o financiamento do SUS) gerado pelos efeitos negativos da Emenda Constitucional 95/2016 (que reduz o piso federal com a mudança de regra – de 15% da Receita Corrente Líquida anual para a simples atualização monetária pelo IPCA/IBGE do piso de 2017 – e estabelece uma limitação financeira para a liquidação e pagamento das despesas como decorrência do teto geral das despesas primárias), a liquidação das despesas federais em saúde em valores que não correspondem à alocação de recursos nas dotações orçamentárias prejudicam o atendimento às necessidades de saúde da população e contribuem para a manutenção de elevados valores de restos a pagar ano após ano – o que pode ser considerada uma “precatorização” dessas despesas sem atualização monetária e juros de mora (conforme bem qualificou a Dra. Elida Graziane Pinto no artigo Decretos de contingenciamento e de desinvestimento são "cheques em branco"?”, disponível em https://www.conjur.com.br/2017-nov-07/contas-vista-decretos-contingenciamento-desinvestimento-sao-cheques-branco), ou seja, uma postergação do custeio e do investimento necessários para a adequada prestação de serviços de saúde da população, algo compatível como se existisse, por exemplo, a possibilidade de “adiar a doença” ou “adiar o tratamento da doença” ou “adiar os procedimentos de prevenção à saúde” sem ônus para a vida da população.

Nessa perspectiva, os quadros a seguir apresentam os níveis de liquidação de despesas do Fundo Nacional de Saúde desde o primeiro quadrimestre de 2016, ordenados segundo a classificação verificada no 3º quadrimestre de 2018, para os itens de despesa criados pela Cofin/CNS (cada item é formado por uma ou mais ações orçamentárias que apresentam similaridade). O Quadro I contém os itens de despesas com níveis de liquidação “adequado” (cor verde).

Quadro I – Fundo Nacional de Saúde: níveis de liquidação de despesa 2016-2018 classificados como “adequado” no 3º Quadrimestre de 2018

Fonte: Elaboração Francisco Funcia. Adaptado de Ministério da Saúde – Relatório Anual de Gestão (de 2016 a 2018), Relatórios Quadrimestrais de Prestação de Contas (de 2016 a 2018) e Planilhas de Execução Orçamentária e Financeira (dos meses de abril, junho, agosto e dezembro de 2016 a 2018).

É possível verificar que a maioria desses itens de despesas teve nível de liquidação “adequado” durante os períodos analisados. Em alguns casos, a explicação pode estar associada ao fato dessas despesas serem caracterizadas como de transferência regular e automática. Mas, é oportuno destacar que o item 25 (Programa de Prevenção DST/AIDS) obteve a classificação “adequado” no 3º Quadrimestre de 2018 depois de cinco períodos consecutivos (e nove dentre os doze períodos) com níveis de liquidação de despesa abaixo de “adequado”, o que pode explicar parcialmente as reclamações e as denúncias sobre a redução da priorização dessa política nos últimos anos. Situação similar ocorreu com o item 16 (Incentivo Financeiro – Vigilância em Saúde) e com o item 33 (Vigilância Sanitária - PAB), com prejuízos, ainda que em caráter temporário, para o financiamento descentralizado das ações e serviços de vigilância em saúde.

O Quadro II contém os itens de despesas com níveis de liquidação “regular” (cor laranja) e “inadequado” (cor salmão).

Quadro II – Fundo Nacional de Saúde: níveis de liquidação de despesas 2016-2018 classificados como “regular” e “inadequado” no 3º Quadrimestre de 2018

Fonte: Elaboração Francisco Funcia. Adaptado de Ministério da Saúde – Relatório Anual de Gestão (de 2016 a 2018), Relatórios Quadrimestrais de Prestação de Contas (de 2016 a 2018) e Planilhas de Execução Orçamentária e Financeira (dos meses de abril, junho, agosto e dezembro de 2016 a 2018).
Os itens de despesas presentes no Quadro 2 tiveram predominantemente níveis de liquidação “regular” e inadequado” (e, também mais baixos) nos períodos analisados. Porém, houve uma ligeira melhora comparativa para “regular” no 3º quadrimestre de 2018 em relação aos baixos níveis observados nos períodos anteriores para os itens 26 (Saúde Indígena), 20 (Qualificação Profissional do SUS), 8 (Manutenção Administrativa), 34 (Farmácia Básica – PAB), 30 (Programa Saúde da Família – PAC/PSF), 15 (Programa Sangue Hemoderivados), 39 (Aquisição e Distribuição de Medicamentos DST/AIDS) e 11 (Instituto Nacional do Câncer – Inca).
É possível inferir que as reclamações e as denúncias de falta de muitos medicamentos na rede pública de saúde, bem como a redução de prioridade para o programa “saúde da família” e para as campanhas oficiais de conscientização de prevenção e proteção à saúde nos meios de comunicação nos últimos anos guardam relação direta com esses baixos níveis de liquidação de despesas.

O Quadro III contém os itens de despesas com níveis de liquidação “intolerável” (cor cinza claro) e “inaceitável” (cor cinza escuro).

Quadro III – Fundo Nacional de Saúde: níveis de liquidação de despesas 2016-2018 classificados como “regular” e “inadequado” no 3º Quadrimestre de 2018

Fonte: Elaboração Francisco Funcia. Adaptado de Ministério da Saúde – Relatório Anual de Gestão (de 2016 a 2018), Relatórios Quadrimestrais de Prestação de Contas (de 2016 a 2018) e Planilhas de Execução Orçamentária e Financeira (dos meses de abril, junho, agosto e dezembro de 2016 a 2018).

É possível constatar o caráter recorrente dos baixíssimos níveis de liquidação desses itens de despesas nos períodos analisados, o que permite inferir que tais ações não têm sido priorizadas pelo Ministério da Saúde nos últimos anos, com destaque para os relacionados a seguir (que estão associados aos níveis “regular” e “inadequado” analisados no Quadro II) referentes:
a) às ações de vigilância em saúde – 18 (Vacinas e Vacinação) e 37 (Ações de Vigilância Epidemiológica);
b) aos medicamentos – 28 (Medicamentos Excepcionais) e 38 (Aquisição e Distribuição de Medicamentos Estratégicos);
c) à incorporação tecnológica, informatização da rede pública de atenção à saúde, à implementação de equipamentos e ao reaparelhamento e reestruturação das unidades públicas de saúde – 14 (Serviço de Processamento de Dados – Datasus), 24 (Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais – REHUF), 21 (Fomento à Pesquisa em Ciência e Tecnologia) e 41 (Reaparelhamento das Unidades do SUS/MS).

Portanto, a limitação de recursos financeiros estabelecida pela Emenda Constitucional 95/2016 trouxe efeitos negativos para a efetiva oferta de ações e serviços de saúde para a sociedade, mediante redefinições de prioridades pelo Poder Executivo em desacordo com as diretrizes aprovadas na 15ª Conferência Nacional de Saúde realizada em 2015; mas, o que é ainda mais grave, com questionamentos (por causa da restrição orçamentária e financeira promovida pela EC 95/2016) aos princípios constitucionais do SUS de acesso universal, integralidade e equidade oriundos das autoridades federais da área da saúde, que deveriam zelar pelo cumprimento da Carta Magna – nem parlamentares, nem presidente da República (e muito menos ministros com delegação de competência do chefe do Poder Executivo) foram eleitos para fazer uma nova constituição, mas sim devem zelar pelo seu fiel cumprimento. Sem uma forte mobilização em defesa do SUS Constitucional por parte de todas as entidades que integram o Conselho Nacional de Saúde e por parte de outras entidades e movimentos sociais de saúde, o SUS será desmontado, sem nada no lugar.

Numa próxima edição da Domingueira, haverá a complementação da análise da execução orçamentária e financeira de 2018 do Ministério da Saúde.


Francisco R. Funcia, Economista e Mestre em Economia Política pela PUC-SP.




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