Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

Editores Chefes
Áquilas Mendes
Francisco Funcia
Lenir Santos

Conselho Editorial
Élida Graziane Pinto
Marcia Scatolin
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado

ISSN 2525-8583



Domingueira Nº 21 - Junho 2019

30 ANOS PÓS-CONSTITUIÇÃO CIDADÃ/1988: QUAL POLÍTICA DE SAÚDE PREVALECE?

Por Nelson Rodrigues dos Santos


Introdução

Entre os modelos de atenção à saúde que podem coexistir em cada país e sociedade, constatamos os dois que sobressaem na realidade brasileira, sob os objetivos deste texto: 1. ‘modelo tradicional’, polarizado pelo atendimento diagnóstico-terapêutico de doenças já instaladas ou agravadas, com maior custo unitário, destinado a demandas crescentes e, dependendo do país, com agravamentos decorrentes de esperas de semanas, meses e até mais de ano, muito sensível aos interesses do mercado da assistência aos doentes, modelo esse com maior paradigma nos Estados Unidos da América (EUA), e 2. ‘modelo direito de cidadania’, polarizado pelas ações de atenção básica ou primária à saúde, que integra simultaneamente a promoção da saúde, a proteção às situações de riscos à saúde, os diagnósticos e tratamentos precoces e o cuidado continuado aos portadores de doenças crônicas e egressos de intervenções clínicas e cirúrgicas mais densas. Sua realização, na prática, é condicionada ao rápido e fácil acesso: das comunidades aos serviços, e das equipes de saúde à comunidade.

Assim, a atenção básica é resolutiva para 80-90% do atendimento, com a responsabilidade de assegurar encaminhamento oportuno para assistência curativa específica de média ou alta densidade tecnológica, ambulatorial ou hospitalar, aos 10-20% que dela necessitar. Esse modelo é largamente hegemônico a partir da II Guerra Mundial, na maioria dos países europeus, Canadá, Japão e outros, sob reconhecidas variações com as realidades históricas socioeconômicas-culturais de cada um, ou mais beveridgianos ou bismarckianos ou Estado mais provedor ou executor ou regulador. Nesses países a implementação do ‘modelo direito de cidadania’ teve adesão consistente na grande maioria da população e em poucas décadas obteve alto grau de irreversibilidade como política pública de Estado, que vem convivendo em equilíbrio dinâmico com o ‘modelo tradicional’ preferido e utilizado por minoria da população. Os indicadores acumulados de eficácia social, custo-efetividade e satisfação/participação da população são fartos a favor dos sistemas públicos universalistas de saúde quando comparados aos modelos hegemonizados pelo mercado. Vale destacar que os valores subjacentes aos jargões populares: ‘mais vale prevenir do que curar’ e ‘curar as doenças no início do que já avançadas’, estão no âmbito dos valores gregários da qualidade de vida, alteridade e solidariedade, que se desenvolvem milenarmente no processo civilizatório humano. Trata-se simplesmente de opção por valores e modelos atrelados aos direitos de cidadania, que antecedem e orientam a construção da eficácia social, da gestão pública, da relação custo-efetividade, relações com o mercado etc. Voltaremos aos valores civilizatórios na segunda e terceira partes deste texto.

O sistema público de saúde inglês, com 20 a 30 anos de implementação, já era referência internacional, inclusive para o nascente Movimento da Reforma Sanitária Brasileira (MRSB) nos anos 1970. Abordaremos a seguir os conflitos e disputas em torno de modelos de atenção na área da saúde. Simultaneamente, desde o final dos anos 1980, vem se desenvolvendo, no cenário internacional, os 30 anos da ‘austeridade fiscal’, imposta às políticas sociais pelo sistema financeiro globalizado, o que vem abalando, sob diferentes formatos, os sistemas públicos de saúde dos países referidos anteriormente. O ‘modelo tradicional’ agora ‘modernizado’ pela dinâmica da acumulação exponencial da especulação financeira, envolve as empresas de seguros privados de saúde, indústria monopolista de medicamentos e equipamentos em saúde, redes de hospitais privados e outros ramos. Contudo, não vem conseguindo, até o momento, desestruturar as vigas mestras dos citados sistemas públicos universalistas de saúde. Em nosso país o ‘modelo direito de cidadania’ consta na Constituição Federal/1988 com redação mais detalhada do que nos próprios países de origem.


Este texto é a introdução de um capítulo de livro em edição na UFFS. Confira o capítulo completo AQUI


Nelson Rodrigues dos Santos, presidente do Conselho Superior e Fiscal do IDISA, médico pela USP e Professor colaborador da Unicamp.




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