Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

Editores Chefes
Áquilas Mendes
Francisco Funcia
Lenir Santos

Conselho Editorial
Élida Graziane Pinto
Marcia Scatolin
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado

ISSN 2525-8583



Domingueira Nº 22 - Agosto 2018

Índice

  1. A HIPOCRISIA NOSSA DE CADA DIA - por Lenir Santos

A HIPOCRISIA NOSSA DE CADA DIA

Por Lenir Santos


Em cerimônias oficiais, toca-se o Hino Nacional. Uma grande mesa, homens de terno e gravata levantam-se e constritos, cantam o hino nacional. Acompanhando o Hino, em grandes telas, fotos das lindas florestas, animais, campos e gados, a exuberância da flora e indígenas saudáveis, lindamente pintados e crianças negras sorridentes.

Mostramos com orgulho, cantando o Hino Nacional com a mão no peito, tudo o que em verdade destruímos: florestas, animais, rios, pássaros, índios. Muito agrotóxico, inseticidas, herbicidas; crianças pobres, negras, desrespeitadas. A pobreza e a violência que não diminuem; as reservas indígenas cobiçadas e um presidenciável prometendo sua destruição e milhares de eleitores a aplaudir, inclusive que a escravidão é culpa dos próprios negros africanos. Na cerimônia, muitas vezes, as autoridades são parlamentares e governo que atuam contra o que as fotos e o nosso Hino tentam mostrar e nos emocionar.

Somos uma sociedade com forte tendência à hipocrisia que gera autoridades hipócritas que atuam de modo cínico, entre a omissão cívica e o uso do poder para a garantia de privilégios; entre o comodismo egoísta e as reações raivosas, como se não fossemos uma só Nação que terá sucesso se tivermos sentimento de destino comum, se formos solidários entre nós e com os injustiçados e deixarmos de jurar mentiras (como a música Sangue Latino).

Aprovamos uma Constituição que teimamos em não cumprir; aprovamos leis para não respeitá-las, exceto quando é do interesse de corporações com poder de barganha. A saúde como direito de todos nunca contou com financiamento adequado, com a mídia propagando a ideia de que não se deve vincular recursos à saúde e educação, deixando a escolha ao sabor dos mesmos hipócritas que cantam o Hino Nacional, em pé, e articulam contra nossas riquezas em nome de interesses não comunitários. Um deputado federal dizia, certa vez, que fazer política é estar sempre no poder.

Vende-se a ideia de um SUS sem qualidade e não divulgam que o país aplica apenas 3,9% do PIB em saúde pública, enquanto os países, sempre citados como exemplos para tudo, aplicam entre 7 a 9% do PIB e regulam fortemente o mercado na saúde. Disso não se fala. Inventamos uma tabela de procedimento no SUS que não cobre os seus custos ao tempo em que a Lei de Licitações considera como nula proposta com preço inexequível.

Não há um só discurso político que não fale a favor da erradicação da pobreza e da diminuição das desigualdades, que aumentam há séculos. No discurso do presidenciável banqueiro, na convenção que o afirmou como candidato, ele dizia que uma de suas metas é garantir saúde e educação de qualidade para todos, ao mesmo tempo em que como Ministro da Fazenda, asfixiava as políticas e os programas sociais com cortes e contingenciamento de recursos.

Fazer afirmações enfáticas neste país não guarda nenhuma ilação com o fazer na prática; são atos distintos, demonstrando o não compromisso com a palavra. Valores midiáticos, hipocrisia, a piada pronta, o racismo escamoteado, o machismo às claras, sem nunca ter havido uma única mulher presidente nacional da OAB e de muitos outros organismos e instituições públicas; a omissão para com os indígenas, as críticas aos programas comprometidos com a inclusão social e os elogios aos dos países europeus, a indiferença com a desigualdade social, quando basta erguer muros e blindar carros, a aversão à corrupção praticada em pequenos atos, cotidianamente, de modo velado e aceito pela sociedade como pecadilho venial. Para mudar esse país é preciso começar pela hipocrisia nossa de cada dia...

Lenir Santos, atual presidente do Idisa, advogada em gestão pública e direito sanitário; doutora em saúde pública pela Unicamp;





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