Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

Editores Chefes
Áquilas Mendes
Francisco Funcia
Lenir Santos

Conselho Editorial
Élida Graziane Pinto
Marcia Scatolin
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado

ISSN 2525-8583



Domingueira nº 23 - Julho 2023

Guerra nas Estrelas - As eternas lutas de Jedi contra a quebra do piso da saúde

Por Francisco R. Funcia e Lenir Santos


“A história é um carro alegre, cheio de um povo contente, que atropela indiferente, todo aquele que a negue”
(Pablo Milanez e Chico Buarque de Holanda)

Os pisos constitucionais da saúde e da educação têm sido reiteradamente considerados um problema fiscal pela maioria das autoridades da área econômica do Governo Federal ao longo das últimas décadas. Recentemente, a imprensa tem divulgado manifestações semelhantes: a volta do fiscal versus direitos sociais constitucionais. A eterna batalha cósmica de Jedi x Darth Vader em Guerra nas Estrelas. Quantas estrelas a se apagar?

Cabe-nos neste breve artigo dizer a importância das estrelas. A estrela - piso constitucional da saúde - é necessária para garantir que a “saúde é direito de todos e dever do Estado” (art. 196), bem considerado de relevância pública (art.197), estrela-guia, porque saúde e vida são bens essenciais na Declaração Universal dos Direitos Humanos, sem os quais até a própria liberdade não pode ser exercida.

Sem meta de ampliação dos recursos que sustentam a existência desses bens, eles não sobrevivem: de um lado, na maioria dos países desenvolvidos, as despesas públicas em saúde correspondem entre 7% e 8% do PIB, enquanto no Brasil está em torno de 4%, sendo que essas despesas representam mais de 60% do seu total (soma do público e privado). No Brasil ocorre o inverso: a maioria é privada. O que a imprensa vem anunciando como medida de saúde fiscal pode adoecer a saúde individual e coletiva. Apagar estrelas.

Revendo historicamente as batalhas de Jedi e como diz o Mestre Yoda, as guerras não fazem ninguém maior, sabemos que o SUS sempre padeceu de instabilidade federativa orçamentária, até a vitória da Emenda Constitucional (EC) 29/2000, que estabeleceu pisos para a União, Estados, Distrito Federal e Municípios na garantia de ações e serviços de saúde para a população.

No caso da União, até 2015, o piso de cada ano seria igual ao valor empenhado em ações e serviços públicos de saúde do ano “x-1” multiplicado pelo fator da variação nominal do PIB (Produto Interno Bruto) do ano “x-1”.

Em 2015, foi a vez da EC 86: o piso de 2016 seria igual a 15% da Receita Corrente Líquida da União. Lembramos, contudo, da tentativa de se rebaixar o piso nos cinco primeiros anos de vigência dessa EC pelo escalonamento dos 15% que se iniciariam com 13,2%. Para o bem do SUS, este escalonamento foi suspenso por um despacho liminar do Ministro Ricardo Lewandowski do Supremo Tribunal Federal, na ADI 5595. Vitória de Jedi.
Mas, o pior estava por vir em 2016: a EC 95 (e a EC 113 a partir de 2021) estabelecendo 15% da Receita Corrente Líquida da União para os anos de 2016 e 2017 como piso da saúde, congelado o valor de 2017 por 20 anos, corrigido apenas pela variação anual do IPCA/IBGE. A perda acumulada de recursos para o SUS por conta dessa regra, foi de R$ 70,4 bilhões, sendo R$ 46,2 bilhões somente em 2022. As guerras não fazem ninguém maior…

Neste ano de 2023, o novo governo federal eleito anunciou que a base de cálculo para a alocação de recursos federais para o SUS voltaria a ser os 15% da Receita Corrente Líquida da União. Anúncio coerente com a proposta denominada de novo arcabouço fiscal, que contou com a suspensão, pelo Congresso Nacional, da EC 95. Isso significou a suspensão da regra que congelou o piso federal do SUS de 2017 até 2036.

A boa notícia representava a interrupção do processo de desfinanciamento federal do SUS, bem como dialogava com o Conselho Nacional de Saúde e com várias das entidades e movimentos em defesa do SUS e de seu financiamento adequado e suficiente.

Porém, a Guerra nas Estrelas, em seu novo capítulo, pouquíssimo criativo, parece querer repetir a história das lutas de Jedi contra o desfinanciamento da saúde.

As notícias recentes da área econômica do governo federal, conforme anunciadas pela imprensa recentemente, apontam para a desvinculação constitucional de valores mínimos para a saúde (e educação), limitando o crescimento anual dessas despesas em 2,5%, tal qual a regra do novo arcabouço fiscal. Sem piso constitucional obrigatório para a saúde (e educação) e ainda limitado a um teto anual de crescimento, a preocupação de Jedi com o desfinanciamento da saúde para os próximos anos é concreta, real, persistente.

O retorno da Guerra nas Estrelas, capítulo sem criatividade, traz de volta a batalha de sempre, que muitos, como Gilson Carvalho, Adib Jatene, entre outros, enfrentaram, como Jedis da saúde, na busca do seu adequado financiamento.

Não podemos acreditar que isso venha a prevalecer, porque fatalmente será um retrocesso para a garantia da efetividade do direito à saúde. É preciso desaprender o que se aprendeu, como diz Mestre Yoda. É preciso inovar, criar, sonhar que a luz das estrelas é para todos.

Equipe econômica do governo federal: sugerimos diálogo com a equipe da saúde de um governo, cujo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, enxerga saúde como investimento e não gasto; diálogo com as entidades e movimentos sociais que lutam contra o desfinanciamento federal do SUS.

Que o Governo Federal, nessa Guerra das Estrelas pelo adequado financiamento da saúde, mantenha políticas fiscais compatíveis com os direitos sociais constitucionais, dentre eles, os da seguridade social. Conhecer a história é importante para não repetir os erros cometidos e desaprender para aprender é importante porque o tempo toda a vida mostra que há novos caminhos mais solidários e humanos.


Francisco R. Funcia é economista, mestre em Economia Política (PUC-SP), Doutor em Administração (USCS) e Presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES).

Lenir Santos é advogada, doutora em saúde pública pela UNICAMP, professora colaboradora do Departamento de Saúde Coletiva da Unicamp e Presidente do Instituto de Direito Sanitário Aplicado (IDISA).




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