Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

Editores Chefes
Áquilas Mendes
Francisco Funcia
Lenir Santos

Conselho Editorial
Élida Graziane Pinto
Marcia Scatolin
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado

ISSN 2525-8583



Domingueira Nº 25 - Julho 2019

Índice

  1. GILSON CARVALHO, PRESENTE! - por Francisco R. Funcia

GILSON CARVALHO, PRESENTE!

Por Francisco R. Funcia


Faz 5 anos que Gilson Carvalho faleceu.

Em tempos de 16ª (8ª+8) Conferência Nacional de Saúde – “DEMOCRACIA E SAÚDE”, de 04 a 07 de agosto de 2019, em Brasília – e nessa “Era das Sombras” da conjuntura política e econômica recente no Brasil e no mundo, o resgate de algumas ideias de Gilson Carvalho serve de energia para “carregar as baterias” de todos aqueles verdadeiramente e coerentemente comprometidos com a defesa e aprimoramento do Sistema Único de Saúde (SUS) definido na Constituição Federal, que assumem a radicalidade do preceito constitucional de que a “saúde é direito de todos e dever do Estado”.

O texto a seguir foi extraído da “Introdução” do livro de Gilson Carvalho: Participação da comunidade na saúde. Passo Fundo: IFIBE; CEAP, 2007 (páginas 21 a 25).

A atualidade desse texto começa com a citação de Paulo Freire, logo na abertura, sobre a necessidade de brigar contra discursos “que decretam a morte dos sonhos” e negam a utopia. Na sequência, ele discorreu sobre o significado de “participação da comunidade na saúde” – “individualmente na relação dos cidadãos com o SUS, em suas ações e serviços e, coletivamente, através de ações de proposição e controle dentro do Conselho e da Conferência de Saúde”.

Em seguida, ele listou alguns problemas relacionados aos funcionamentos dos conselhos de saúde que, para ele, exigiam “intervenção urgente” (o livro foi publicado em 2007!!!!!), quer em termos das relações internas, quer em termos do papel exercido pelos gestores.

Por fim, no final dessa “Introdução”, ele apresentou as oportunidades para o enfrentamento dos problemas citados e as algumas propostas para efetivar e aprofundar a participação da comunidade no SUS.

Gilson Carvalho, presente!

Boa leitura!

Francisco R. Funcia, Economista e Mestre em Economia Política pela PUC-SP.

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Participação da comunidade na saúde
Gilson Carvalho

INTRODUÇÃO

É preciso mesmo brigar contra certos discursos pós-modernamente reacionários, com ares triunfantes, que decretam a morte dos sonhos e defendem um pragmatismo oportunista e negador da utopia. É possível vida sem sonho, mas não existência humana e história sem sonho...” (Paulo Freire)

A participação da comunidade na saúde, preceito constitucional, precisa ser proposta, estimulada e garantida por todos nós cidadãos. Ela é um direito do cidadão pleno, portador de direitos. É extremamente necessário cultivá-la nas questões que dizem respeito ao direito à vida e à saúde. Cidadania e participação da comunidade são motivos recorrentes na Constituição Federal (CF) e determinados no campo da Saúde. Tudo começa pelo primeiro artigo da CF, em seu parágrafo único: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”. A discussão a seguir sobre os direitos individuais, sociais e políticos, vai delineando o sentido fundamental da presença do cidadão, como portador de direitos e sujeito ao cumprimento de obrigações, no ambiente do Estado.

A participação da comunidade continua sendo introduzida em outros artigos, como no Art. 10, que garante a “participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários, sejam objeto de discussão e deliberação”. No Art. 37 da CF fica estabelecido que:

[...] a lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especial- 22 mente as reclamações relativas à prestação de serviços públicos, assegurada a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna da qualidade dos serviços; acesso dos usuários a registros administrativos e a informação dos atos do governo; a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função da administração pública”.

A participação da comunidade na saúde entra no Art. 194:

Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social (saúde, previdência e assistência social) com base nos seguintes objetivos: [...] VII - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quatripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados”.

Tal afirmação se confirma no Art. 198, no qual a participação da comunidade é colocada como uma das três diretrizes da organização do SUS, junto e em pé de igualdade, com a descentralização e o atendimento integral.

A Lei 8.142/90 regulamenta a participação da comunidade na gestão do SUS e cria duas instâncias colegiadas expressas na Conferência de Saúde e no Conselho de Saúde. Diante destes preceitos constitucionais e legais, e, em consonância com o sentimento de cidadania de todos nós, precisamos colocar, com destaque, esta diretriz como uma de suas prioridades. Como primeiro passo, devemos assumir e garantir o conceito pleno de participação comunitária que é bem mais amplo que o de apenas fazer o controle social. A participação da comunidade se dá individualmente na relação dos cidadãos com o SUS, em suas ações e serviços e, coletivamente, através de ações de proposição e controle dentro do Conselho e da Conferência de Saúde.

Existem inúmeros problemas relacionados a esta questão que demandam nossa intervenção urgente, dentre eles podemos destacar:

  • Visão, nos serviços de saúde, do cidadão apenas como objeto e não como sujeito ativo e participante de cada ação de saúde;
  • Negativa ou dificuldades para o cidadão acessar informações rotineiras de seu interesse individual e coletivo relativas ao direito à saúde;
  • Negativa ou dificuldades aos mais comezinhos direitos do cidadão de acesso, acolhimento, atendimento e acompanhamento pelos serviços de saúde;
  • Conselhos e Conferências de Saúde não desempenhando suas funções fundamentais: propositiva (discutir e aprovar a política de saúde expressa no plano de saúde) e controladora, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros (acompanhamento e fiscalização do fundo de saúde, análise dos serviços prestados e avaliação dos resultados);
  • Lei que rege Conselhos e Conferências está inadequada aos princípios constitucionais e legais;
  • Composição do Conselho com ilegalidade em relação ao número e à proporção dos segmentos;
  • Conselheiros não escolhidos livremente pelos seus segmentos ou com lista múltipla para escolha pelos dirigentes do SUS;
  • Conselheiros escolhidos e indicados sob vários “contaminantes” como o político-partidário e o das várias corporações;
  • Conselhos de Saúde que não discutem nem aprovam planos de saúde e relatórios de gestão;
  • Reuniões de Conselhos de Saúde apenas formais, cumprindo regras burocráticas, sem nenhum produto concreto de proposição ou controle;
  • Conselhos de Saúde querendo assumir funções executivas, típicas e características dos gestores;
  • Conferências de Saúde com pouca objetividade, mal formatadas, mal executadas, e, conseqüentemente, com baixíssimos resultados reais, dando falsa impressão de democracia e participação;
  • Posição passiva de dirigentes do SUS que, por vezes, não se sentem responsáveis pelos Conselhos e Conferências de Saúde, usando postura de tolerância e eximindo-se da responsabilidade pelo seu funcionamento e cumprimento.

Existem, igualmente, algumas oportunidades atuais para serem aproveitadas na busca de saídas para estes problemas. Podemos citar:

  • O momento de divulgação dos direitos e deveres dos cidadãos em relação à saúde, colocados pela primeira vez numa portaria do Ministério da Saúde (PT-MS 675 de 30-3-2006);
  • O momento de exigência dos cursos introdutórios para Conselheiros de Saúde previstos no Pacto pela Saúde 2006;
  • O Programa de Educação Permanente previsto pelo Ministério da Saúde para atingir os Conselheiros de Saúde;
  • A realização da XIII Conferência Nacional de Saúde, com tudo o que ocorreu previamente nas Conferências Municipais e Estaduais e o momento da etapa Nacional e de suas conclusões e recomendações.

Não poderíamos deixar de mencionar aqui algumas operações e estratégias relacionadas ao tema da participação da comunidade na saúde.

  • Promover um mutirão em cada Conselho de Saúde para resolver este passivo apontado acima. Desde a lei, estatuto, deliberações e resultados de conferências, para mexer na prática do dia-a-dia;
  • Participação de todos os segmentos em grupos ou comissões que definam o conteúdo dos momentos de Educação Permanente e Cursos Introdutórios para Conselheiros;
  • Exigir que dirigentes do SUS, urgentemente, criem um banco de perguntas e respostas, problemas e soluções para apoiar os Conselhos de Saúde em relação à participação da comunidade nas ações e serviços de saúde, em especial referentes aos Conselhos e Conferências de Saúde.

Na Constituição Brasileira está colocado este direito à vida e à saúde. Contudo, todos sabemos que ele só irá acontecer se, sem exceção, lutarmos a cada momento para garantir sua efetividade. Vamos todos construir este sonho que é anseio humano: viver mais e melhor, com bem-estar e felicidade.


Gilson de Carvalho foi um medico pediatra e especialista em saúde pública, conhecido por ter sido um dos idealizadores do SUS.




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