Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

Editores Chefes
Áquilas Mendes
Francisco Funcia
Lenir Santos

Conselho Editorial
Élida Graziane Pinto
Marcia Scatolin
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado

ISSN 2525-8583



Domingueira Nº 29 - Agosto 2019

Índice

  1. PIORA O QUADRO DE ASFIXIA FINANCEIRA DO SUS – O QUE FAZER? (1ª PARTE) - por Francisco R. Funcia e Carlos O. Ocké-Reis

PIORA O QUADRO DE ASFIXIA FINANCEIRA DO SUS – O QUE FAZER? (1ª PARTE)

Por Francisco R. Funcia e Carlos O. Ocké-Reis


O objetivo desta Domingueira é evidenciar a piora do quadro de asfixia financeira do SUS depois que a aplicação dos “remédios” indicados na Emenda Constitucional 95/2016 (EC 95); por isso, desde a tramitação da PEC 341 na Câmara dos Deputados e PEC 55 no Senado no segundo semestre de 2016, aprovadas e promulgadas como EC 95, ela ficou rotulada como a “PEC da Morte”. Está no Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5658) referente a essa EC, sobre a qual o Conselho Nacional de Saúde (CNS)(1) tem mobilizado apoio por meio de abaixo assinado e a Conferência Nacional de Saúde(2) aprovou no dia 07 de agosto, com mais de 95% dos votos das(os) delegadas(os) um documento intitulado “Saúde é democracia!”, em que reforça a necessidade urgente de lutar pela saúde no contexto da defesa da seguridade social e dos direitos sociais, estabelecendo a revogação da EC 95 como um dos objetivos para esse fim.

É necessário deixar claro que criticar a EC 95 não significa uma posição contrária ao controle das despesas públicas, mas sim contra a regra de controle estabelecida por ela: em sentido figurado, a regra da EC 95 para controlar as despesas públicas parece um caso real acontecido numa grande área livre na propriedade de uma instituição, cuja horta cultivada pelos trabalhadores dessa instituição para autoconsumo era alvo de furtos diários; a solução encontrada pelo dirigente dessa instituição foi acabar com a horta dos trabalhadores, no lugar de providenciar medidas de segurança para evitar os furtos...

A EC 95 é prejudicial para o financiamento das despesas sociais, especialmente da saúde dos brasileiros, pois houve depois dela:
a) Redução do piso federal e das despesas empenhadas com ações e serviços públicos de saúde (ASPS) como decorrência da regra do piso federal que “congela” o valor desse piso de 2017 com atualização tão somente pela variação anual do IPCA/IBGE até 2036, conforme Tabela 1.

Tabela 1
Ministério da Saúde – Piso e Empenho ASPS como % da RCL – Antes e Depois da EC 95

Essa redução da alocação de recursos para o financiamento federal do SUS fica ainda mais evidente quando se calcula o que representou em valores monetários a queda das despesas empenhadas como proporção da RCL, considerando como cenários de empenho de 2018 os percentuais da RCL aplicados em 2015, 2016 e 2017 em comparação ao efetivamente empenhado em 2018, conforme Tabela 2: conforme o cenário, as perdas em 2018 foram de R$ 2,640 bilhões (se mantivesse a aplicação de 2015), R$ 3,694 bilhões (se mantivesse a aplicação de 2016) ou R$ 10,197 bilhões (se mantivesse a aplicação de 2017). Para se ter uma dimensão dessas perdas, os valores calculados com base em 2015 e 2016 corresponderiam a cerca de um ano das despesas do Programa Mais Médicos (cuja reformulação provocada pelo novo governo vencedor das eleições presidenciais de 2018 mesmo antes da posse e depois da posse tem deixado milhões de brasileiros sem atendimento) e com base em 2017 permitiriam aumentar em aproximadamente 50% as despesas para ações classificadas na subfunção orçamentária “Atencão Básica”.

Tabela 2
MINISTÉRIO DA SAÚDE – Despesas Empenhadas ASPS 2018 – Realização e Cenários

b) Ampliação da tendência de queda da participação do governo federal no financiamento do SUS, o que impacta o financiamento dos Estados, Distrito e Municípios porque cerca 2/3 das despesas do Ministério da Saúde são transferências para esses entes da Federação, o que pressiona por aumento na alocação de recursos próprios dessas esferas de governo no financiamento do SUS, principalmente nos Municípios, que já aplicam muito acima do piso de 15% da receita base de cálculo em todas as regiões do Brasil (conforme Gráficos 1 e 2, respectivamente).

Gráfico 1
Transferências SUS como proporção da Despesa Total ASPS nos municípios do Brasil (em %)

Gráfico 2
ASPS - Ações e Serviços Públicos de Saúde - Aplicação Municipal com Recursos Próprios (em %)

c) O “teto financeiro” para o total das despesas primárias do governo federal no valor de 2016 atualizado apenas pela variação anual do IPCA/IBGE, mesmo que a receita primária cresça até 2036; isto, por sua vez, condiciona negativamente a liquidação e o pagamento das despesas federais do SUS, gerando a reversão da queda observada anualmente dos empenhos a pagar de cada exercício desde o início desta década (Gráfico 3) e, consequentemente, o crescimento do estoque de restos a pagar a partir do encerramento de 2017 e início de 2018, em comparação com a situação até o final de 2016, para cifras em torno de R$ 20 bilhões.

Gráfico 3
Ministério da Saúde - Execução orçamentária e financeira - nível de empenhos a pagar em 31/Dezembro (2008 a 2018)

A segunda parte deste artigo será publicada na próxima Domingueira.


Referências
1 Conselho Nacional de Saúde. O SUS não pode morrer! Disponível em http://conselho.saude.gov.br/ultimas_noticias/2017/08ago01_abaixoAssinadoEC95.html
2 Conferência Nacional de Saúde. Saúde é democracia! Disponível em http://www.susconecta.org.br/wp-content/uploads/2019/08/SA%C3%9ADE_%C3%89_DEMOCRACIA_16%C2%AACNS.pdf
3 Ministério da Fazenda/Secretaria do Tesouro Nacional. Demonstrativo da Receita Corrente Líquida (2014 a 2018). Disponíveis em http://www.tesouro.fazenda.gov.br/demonstrativos-fiscais#RCL .
4 Ministério da Saúde/Subsecretaria de Planejamento e Orçamento. Relatório de Gestão (2014 a 2018). Disponíveis em http://www.saude.gov.br/secretaria-executiva/relatorio-anual-de-saude-rag , http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/relatorio_anual_gestao_rag_2017.pdf e http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/relatorio_anual_gestao_rag_2018.pdf .
5 Ministério da Saúde/Departamento de Economia da Saúde-Desid/ Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde-SIOPS. Disponível em http://siops-asp.datasus.gov.br/CGI/tabcgi.exe?SIOPS/serhist/municipio/mIndicadores.def


Francisco R. Funcia é Economista e Mestre em Economia Politica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), professor de História do Pensamento Econômico, Desenvolvimento Socioeconômico e Economia do Setor Público da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS) e consultor técnico do Conselho Nacional de Saúde (CNS).
Carlos O. Ocké-Reis é Economista e Doutor em Saúde Coletiva pelo IMS da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Técnico do IPEA e Vice-Presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES).




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