Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

Editores Chefes
Áquilas Mendes
Francisco Funcia
Lenir Santos

Conselho Editorial
Élida Graziane Pinto
Marcia Scatolin
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado

ISSN 2525-8583



Domingueira Nº 30 - Julho 2020

Índice

  1. Boletim Cofin/CNS 2020/07/22 - por Francisco R. Funcia, Rodrigo Benevides e Carlos Ocke
  2. Lei Complementar 173/20 e despesa com pessoal - por Tadahiro Tsubouchi

Boletim Cofin/CNS 2020/07/22

Por Francisco R. Funcia, Rodrigo Benevides e Carlos Ocke


















Francisco R. Funcia, Mestre em Economia Política pela PUCSP, Professor e Coordenador-Adjunto do Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura da USCS e Consultor Técnico do Conselho Nacional de Saúde.

Rodrigo Benevides, Economista (UFRJ) e mestre em Saúde Coletiva pelo IMS/UERJ.

Carlos Ocké, Economista e Vice-Presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde - ABrES.



Lei Complementar 173/20 e despesa com pessoal

Por Tadahiro Tsubouchi


No dia 28/05/2020 foi publicada a Lei Complementar 173 (LC 173), a qual Estabelece o Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus SARS-CoV-2 (Covid-19), altera a Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, e dá outras providências.

O citado normativo teve por finalidade criar condições favoráveis aos Entes Públicos, principalmente no viés financeiro, para que estes possam dispor de recursos e condições visando o enfrentamento da COVID-19.

A LC 173 traz inovações na Lei Complementar 101/00 – LRF, mas vai além, ao estabelecer regramentos que coexistirão à esta, sem, contudo, alterar-lhe o texto (v.g. Art. 8º da LC 173).

Diante do atual contexto conclui-se que a lógica finalística da LC 173, bem como outras legislações, nesse momento de Direito Provisório, visa otimizar as ações pelos gestores voltadas para o combate da pandemia e, concomitantemente, minimizar ou até mesmo, eliminar condições e/ou situações fáticas, jurídicas e fiscais que possam obstaculizar a atuação do Poder Público que se mostram incompatíveis ou desassociadas das soluções pertinentes e necessárias à preservação da vida.

CALAMIDADE PÚBLICA

Por calamidade pública entende-se, verbis:

Vários fatores podem motivar a calamidade: a guerra, as inundações, os terremotos, as epidemias, as secas prolongadas, enfim, qualquer outro flagelo, que se mostre ruinoso ou prejudicial à coletividade, exigindo enérgicas e imediatas medidas de proteção, para que as populações por eles atingidos não venham a perecer ou não fiquem em doloroso desamparo. (g.n) (De Plácido e Silva, Vocabulário jurídico, 15. ed., atualizado por Nagib Slaibi Filho e Geraldo Magela Alves. Forense. 2000. P. 141).

Estabelecido o conceito de calamidade pública, resta saber a ocorrência fática que dê suporte e sustentação à situação jurídica.

Calamidade Pública e COVID 19

Em 11 de março de 2020, a OMS – Organização Mundial de Saúde classificou a doença pelo Coronavírus 19 como uma pandemia:

Pandemia (do grego παν [pan = tudo/ todo(s)] + δήμος [demos = povo]) é uma epidemia de doença infecciosa que se espalha entre a população localizada numa grande região geográfica como, por exemplo, um continente, ou mesmo o Planeta Terra (Greenberg, Raymond S.; Daniels, Stephen R.; Flanders, W. Dana; Eley, John William; Boring, III, John R (2005). Epidemiologia Clínica 3ª ed. Porto Alegre: Artmed. p. 18.)

Governo Federal

No plano federal, o Ministro da Saúde, por meio da Portaria 188 de 03/02/2020, Declarou Emergência em Saúde Pública em todo País:

MINISTÉRIO DA SAÚDE
GABINETE DO MINISTRO

PORTARIA Nº 188, DE 3 DE FEVEREIRO DE 2020

Declara Emergência em Saúde Pública de importância Nacional (ESPIN) em decorrência da Infecção Humana pelo novo Coronavírus (2019-nCoV).

O MINISTRO DE ESTADO DA SAÚDE, no uso das atribuições que lhe conferem os incisos I e II do parágrafo único do art. 87 da Constituição, e Considerando a Declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional pela Organização Mundial da Saúde em 30 de janeiro de 2020;

Considerando que o evento é complexo e demanda esforço conjunto de todo o Sistema Único de Saúde para identificação da etiologia dessas ocorrências e adoção de medidas proporcionais e restritas aos riscos;
Considerando que esse evento está sendo observado em outros países do continente americano e que a investigação local demanda uma resposta coordenada das ações de saúde de competência da vigilância e atenção à saúde, entre as três esferas de gestão do SUS;

Considerando a necessidade de se estabelecer um plano de resposta a esse evento e também para estabelecer a estratégia de acompanhamento aos nacionais e estrangeiros que ingressarem no país e que se enquadrarem nas definições de suspeitos e confirmados para Infecção Humana pelo novo Coronavírus (2019-nCoV); e
Considerando que a situação demanda o emprego urgente de medidas de prevenção, controle e contenção de riscos, danos e agravos à saúde pública, resolve:

Art. 1º Declarar Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional conforme Decreto nº 7.616, de 17 de novembro de 2011;

Por sua vez, a partir da edição da Portaria 454, de 20/03/2020, foi declarado em todo território nacional o estado de transmissão comunitária do coronavírus:

MINISTÉRIO DA SAÚDE

PORTARIA Nº 454, DE 20 DE MARÇO DE 2020

Declara, em todo o território nacional, o estado de transmissão comunitária do coronavírus (covid-19).

O MINISTRO DE ESTADO DA SAÚDE, no uso das atribuições que lhe confere o art. 87, parágrafo único, incisos I e II, da Constituição, tendo em vista o disposto no § 7º do art. 3º da Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro 2020, e

Considerando a Portaria nº 188/GM/MS, de 3 de fevereiro de 2020, que declara Emergência em Saúde Pública de importância Nacional (ESPIN) em decorrência da Infecção Humana pelo novo Coronavírus (2019-nCoV);
Considerando a condição de transmissão comunitária do coronavírus (covid-19) e a necessidade premente de envidar todos os esforços em reduzir a transmissibilidade e oportunizar manejo adequado dos casos leves na rede de atenção primária à saúde e dos casos graves na rede de urgência/emergência e hospitalar; e

Considerando a necessidade de dar efetividade às medidas de saúde para resposta à pandemia do coronavírus (covid-19) previstas na Portaria nº 356/GM/MS, de 11 de março de 2020, resolve:

Art. 1º Fica declarado, em todo o território nacional, o estado de transmissão comunitária do coronavírus (covid-19).

Ainda no plano nacional, em 20/03/2020, o Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo No. 6, reconheceu o estado de calamidade pública em todo território nacional, com efeitos até 31/12/2020, restando insofismável a situação epidemiológica mundial com reflexos no País, sem considerar ainda as decretações e reconhecimentos da condição sanitária declaradas pelos Estados e pelos Municípios:

DECRETO LEGISLATIVO Nº 6, DE 2020

Reconhece, para os fins do art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a ocorrência do estado de calamidade pública, nos termos da solicitação do Presidente da República encaminhada por meio da Mensagem nº 93, de 18 de março de 2020.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º Fica reconhecida, exclusivamente para os fins do art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, notadamente para as dispensas do atingimento dos resultados fiscais previstos no art. 2º da Lei nº 13.898, de 11 de novembro de 2019, e da limitação de empenho de que trata o art. 9º da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a ocorrência do estado de calamidade pública, com efeitos até 31 de dezembro de 2020, nos termos da solicitação do Presidente da República encaminhada por meio da Mensagem nº 93, de 18 de março de 2020.

Art. 2º Fica constituída Comissão Mista no âmbito do Congresso Nacional, composta por 6 (seis) deputados e 6 (seis) senadores, com igual número de suplentes, com o objetivo de acompanhar a situação fiscal e a execução orçamentária e financeira das medidas relacionadas à emergência de saúde pública de importância internacional relacionada ao coronavírus (Covid-19).

§ 1º Os trabalhos poderão ser desenvolvidos por meio virtual, nos termos definidos pela Presidência da Comissão.

§ 2º A Comissão realizará, mensalmente, reunião com o Ministério da Economia, para avaliar a situação fiscal e a execução orçamentária e financeira das medidas relacionadas à emergência de saúde pública de importância internacional relacionada ao coronavírus (Covid-19).

§ 3º Bimestralmente, a Comissão realizará audiência pública com a presença do Ministro da Economia, para apresentação e avaliação de relatório circunstanciado da situação fiscal e da execução orçamentária e financeira das medidas relacionadas à emergência de saúde pública de importância internacional relacionada ao coronavírus (Covid-19), que deverá ser publicado pelo Poder Executivo antes da referida audiência.
Art. 3º Este Decreto Legislativo entra em vigor na data de sua publicação.

Senado Federal, em 20 de março de 2020.

Declaração Estadual de Emergência

No âmbito do Estado de Minas Gerais foi expedido o Decreto 113 de 12/03/2020, o qual declarou situação de Emergência:

DECRETO COM NUMERAÇÃO ESPECIAL 113, de 12/03/2020

  Declara SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA em Saúde Pública no Estado em razão de surto de doença respiratória – 1.5.1.1.0 – Coronavírus e dispõe sobre as medidas para seu enfrentamento, previstas na Lei Federal nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.

O GOVERNADOR DO ESTADO DE MINAS GERAIS, no uso de atribuição que lhe confere o inciso VII do art. 90 da Constituição do Estado e tendo em vista o disposto na Lei Federal nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020,

DECRETA:

Art. 1º – Fica declarada SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA em Saúde Pública no Estado, em razão de epidemia de doença infecciosa viral respiratória – COVID-19, causada pelo agente Novo Coronavírus – SARS-CoV-2 – 1.5.1.1.0.

Em 20/03/2020, o Estado de Minas Gerais, por meio do Decreto 47891 de 20/03/2020 decretou estado de calamidade pública, verbis:

DECRETO 47.891, de 20/03/2020

Reconhece o estado de calamidade pública decorrente da pandemia causada pelo agente Coronavírus (COBID-19)

O GOVERNADOR DO ESTADO DE MINAS GERAIS, no uso de atribuição que lhe confere o inciso VII do art. 90 da Constituição do Estado, considerando o disposto no art. 65 da Lei Complementar Federal n. 101, de 4 de maio de 2000, e na Lei Federal n. 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, e em razão dos efeitos decorrentes da pandemia causada pelo agente Coronavírus (COVID-19)

DECRETA:

Art. 1º – Fica decretado, para fins de aplicação do art. 65 da Lei Complementar Federal n. 101, de 4 de maio de 2000, estado de calamidade pública no âmbito de todo o território do Estado, com efeitos até o dia 31 de dezembro de 2020, em razão dos impactos socioeconômicos e financeiros decorrentes da pandemia causada pelo agente Coronavírus (COVID-19)

A Assembleia Legislativa de Minas Gerais, por meio da Resolução 5.529 de 25 de março de 2020 reconheceu o Estado de calamidade estadual:

RESOLUÇÃO 5529, 25 DE MARÇO DE 2020

    Reconhece o estado de calamidade pública em decorrência da pandemia de Covid-19, causada pelo Coronavírus.

Faço saber que a Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais aprovou e eu promulgo a seguinte resolução:

Art. 1º – Fica reconhecido, até 31 de dezembro de 2020, o estado de calamidade pública em decorrência da pandemia de Covid-19, causada pelo Coronavírus, nos termos do Decreto nº 47.891, de 20 de março de 2020.

DECRETAÇÃO DE CALAMIDADE E EFEITOS NOS MUNICÍPIOS

Cabe aqui um destaque sobre os efeitos do reconhecimento de calamidade pública federal e/ou estadual em relação aos municípios.

Existe entendimento que bastaria o reconhecimento federal ou estadual para que os efeitos “automaticamente” sejam transmitidos aos municípios.

Nesse sentido, faço outra leitura, eis que a decretação e o posterior reconhecimento de calamidade federal ou estadual, de per si, mesmo com a ratificação, respectiva, do Congresso Nacional ou da Assembleia Legislativa não é suficiente para gerar efeitos nos municípios, tendo em vista a autonomia do Ente Municipal na forma de federação trina (União/Estados-DF/Municípios) no arquétipo constitucional da Carta Política de 88.

Para que a calamidade pública gere efeitos diretos numa municipalidade, compete ao Prefeito Municipal sua decretação e, posteriormente, o reconhecimento tal qual a esfera estadual, pelo Poder Legislativo Estadual, in casu, a Assembleia Legislativa Estadual.

Desnecessário tecer maiores digressões sobre a legitimidade e competência do Município, por seu chefe do Poder Executivo, decretar calamidade pública, uma vez que o Município é Ente integrante da Federação Brasileira ex vi do Art. 1º da CF.

Por seu turno, o próprio Art. 65 da LRF reconhece a necessidade da decretação de calamidade por parte dos municípios, e seu posterior reconhecimento, verbis:

Art. 65. Na ocorrência de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional, no caso da União, ou pelas Assembleias Legislativas, na hipótese dos Estados e Municípios, enquanto perdurar a situação:

Centrado no princípio da legalidade, o mesmo dispositivo (Art. 65 da LRF) exige e determina um procedimento de “ratificação” pelo Poder Legislativo, não permitindo que o decreto do Prefeito, de forma isolada, tenha força para gerar os efeitos jurídicos necessários.

Destaque-se que no caso dos Municípios, o Art. 65 da LRF é taxativo que o poder legislativo legitimado ao reconhecimento é a Assembleia Estadual, apesar de existir o Poder Legislativo Municipal, in casu, a Câmara Municipal, por sua edilidade.

Sobre a questão:

Para efeito da suspensão dos prazos e de certas medidas da LRF não basta que o Prefeito, por decreto, ateste a situação de emergência; é preciso que a Assembleia dos Deputados Estaduais reconheça a circunstância excepcional. Tal exigência é inovadora e, entendem muitos, fere a autonomia do Município. (TOLEDO JÚNIOR, Flávio C. de, ROSSI, Sérgio Ciquera. Lei de Responsabilidade fiscal: comentada artigo por artigo. 2 ed. NDJ São Paulo. 2002. P. 320.

Portanto, a decretação da calamidade pública pelo Chefe do Poder Executivo Municipal (Prefeito) e, subsequente, reconhecimento pela Assembleia Legislativa do Estado são conditio sine qua non ao enquadramento do Art. 65 da Lei Complementar 101/00 – LRF.

CALAMIDADE PÚBLICA E LRF

Diante do cenário epidemiológico sanitário imposto pela COVID-19 o Estado deve atuar de forma eficaz e imediata agindo preventivamente visando evitar o adoecimento da população.

Com efeito, os procedimentos envolvendo a administração pública, em regra, são complexos, formais e com várias condicionantes visando a legalidade e a transparência dos atos, mas que, muitas das vezes, se traduzem em um inibidor de tomada de decisões.

Por certo, em determinados momentos há necessidade de flexibilização da legislação para atender situação pontual e específica, da qual não se pode exigir da gestão e do gestor o atendimento integral de limites ou condições que foram projetadas ou programadas para momentos de normalidade. Nesse caso, a situação excepcional, demanda medidas excepcionais.

Dentro desse contexto é o Art. 65 da LRF:

Art. 65. Na ocorrência de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional, no caso da União, ou pelas Assembléias Legislativas, na hipótese dos Estados e Municípios, enquanto perdurar a situação:

I - serão suspensas a contagem dos prazos e as disposições estabelecidas nos arts. 23 , 31 e 70;

II - serão dispensados o atingimento dos resultados fiscais e a limitação de empenho prevista no art. 9o.

§ 1º Na ocorrência de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional, nos termos de decreto legislativo, em parte ou na integralidade do território nacional e enquanto perdurar a situação, além do previsto nos inciso I e II do caput: (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)

I - serão dispensados os limites, condições e demais restrições aplicáveis à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como sua verificação, para: (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)

a) contratação e aditamento de operações de crédito; (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)

b) concessão de garantias; (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)

c) contratação entre entes da Federação; e (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)

d) recebimento de transferências voluntárias; (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)

II - serão dispensados os limites e afastadas as vedações e sanções previstas e decorrentes dos arts. 35, 37 e 42, bem como será dispensado o cumprimento do disposto no parágrafo único do art. 8º desta Lei Complementar, desde que os recursos arrecadados sejam destinados ao combate à calamidade pública; (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)

III - serão afastadas as condições e as vedações previstas nos arts. 14, 16 e 17 desta Lei Complementar, desde que o incentivo ou benefício e a criação ou o aumento da despesa sejam destinados ao combate à calamidade pública. (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)

§ 2º O disposto no § 1º deste artigo, observados os termos estabelecidos no decreto legislativo que reconhecer o estado de calamidade pública: (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)

I - aplicar-se-á exclusivamente: (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)

a) às unidades da Federação atingidas e localizadas no território em que for reconhecido o estado de calamidade pública pelo Congresso Nacional e enquanto perdurar o referido estado de calamidade; (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)

b) aos atos de gestão orçamentária e financeira necessários ao atendimento de despesas relacionadas ao cumprimento do decreto legislativo; (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)

II - não afasta as disposições relativas a transparência, controle e fiscalização. (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)

§ 3º No caso de aditamento de operações de crédito garantidas pela União com amparo no disposto no § 1º deste artigo, a garantia será mantida, não sendo necessária a alteração dos contratos de garantia e de contragarantia vigentes. (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)

Grande parte do Art. 65 foi fruto de inovação legislativa decorrente da entrada em vigor da LC 173/00.

Calamidade e Despesa com Pessoal

Desde maio de 2000, com a edição da LC 101/00 – LRF, houve forte controle nos gastos com a despesa com pessoal (Arts. 18 a 23), eis que a maioria dos orçamentos públicos fica comprometida com referido gasto.

Ultrapassar os limites impostos na despesa com pessoal é motivo de penalização e sancionamento comum de gestores/ordenadores não havendo muito espaço para manobra nesse campo.

A questão que se apresenta no meio dessa pandemia agora é: como direcionar o enfrentamento da COVID-19 com a necessidade de contratação e recrutamento de mão de obra (RH), mesmo que temporária sem ultrapassar os limites da despesa com pessoal?

Cabe o destaque, para dar maior complexidade ao problema, que se tratando de política fiscal, a LRF leva em consideração, para fins de apuração a receita e a despesa (RCL – Receita Corrente Líquida), traduzindo que o simples fato de haver redução da receita já enseja aumento relativo ou percentual de determinada despesa.

Grande parte do questionamento, no que se refere a despesa com pessoal encontra resposta na decretação da calamidade e seu posterior reconhecimento, pelos efeitos do Art. 65, I da LRF, verbis:

Art. 65. Na ocorrência de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional, no caso da União, ou pelas Assembleias Legislativas, na hipótese dos Estados e Municípios, enquanto perdurar a situação:

I - serão suspensas a contagem dos prazos e as disposições estabelecidas nos arts. 23 , 31 e 70; (g.n.)

E o que determina o mencionado Art. 23?:

Art. 23. Se a despesa total com pessoal, do Poder ou órgão referido no art. 20, ultrapassar os limites definidos no mesmo artigo, sem prejuízo das medidas previstas no art. 22, o percentual excedente terá de ser eliminado nos dois quadrimestres seguintes, sendo pelo menos um terço no primeiro, adotando-se, entre outras, as providências previstas nos §§ 3º e 4o do art. 169 da Constituição.

§ 1o No caso do inciso I do § 3º do art. 169 da Constituição, o objetivo poderá ser alcançado tanto pela extinção de cargos e funções quanto pela redução dos valores a eles atribuídos.

§ 2o É facultada a redução temporária da jornada de trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária.

§ 3o Não alcançada a redução no prazo estabelecido, e enquanto perdurar o excesso, o ente não poderá:

I - receber transferências voluntárias;

II - obter garantia, direta ou indireta, de outro ente;

III - contratar operações de crédito, ressalvadas as destinadas ao refinanciamento da dívida mobiliária e as que visem à redução das despesas com pessoal.

§ 4o As restrições do § 3o aplicam-se imediatamente se a despesa total com pessoal exceder o limite no primeiro quadrimestre do último ano do mandato dos titulares de Poder ou órgão referidos no art. 20.

§ 5º As restrições previstas no § 3º deste artigo não se aplicam ao Município em caso de queda de receita real superior a 10% (dez por cento), em comparação ao correspondente quadrimestre do exercício financeiro anterior, devido a:

I – diminuição das transferências recebidas do Fundo de Participação dos Municípios decorrente de concessão de isenções tributárias pela União; e

II – diminuição das receitas recebidas de royalties e participações especiais.

§ 6º O disposto no § 5º deste artigo só se aplica caso a despesa total com pessoal do quadrimestre vigente não ultrapasse o limite percentual previsto no art. 19 desta Lei Complementar, considerada, para este cálculo, a receita corrente líquida do quadrimestre correspondente do ano anterior atualizada monetariamente.

De forma pragmática podemos dizer que diante da pandemia e durante a sua “existência”, os limites da despesa com pessoal podem ser inobservados, desde que reconhecida a calamidade pública na exata dicção do Art. 65 da LC 101/00 – LRF!

A correlação entre enfrentamento da pandemia e não observação dos limites de gastos com pessoal é lógica e direta, eis que se afigura contrária à razoabilidade necessitar contratar profissionais visando o combate à COVID-19, mas ao mesmo tempo ter que observar um limite, um teto.

A bem da verdade, o que vai pautar a necessidade é a pandemia e não ao contrário.

Nesse caso de excepcionalidade, por força de lei (ex vi lege) a própria LRF autoriza a sua “desconsideração”.

LC 173 E DESPESA COM PESSOAL

O regramento da excepcionalidade da despesa com pessoal nesse momento da COVID-19 não se encerra na LRF.

A LC 173/20 de igual modo dispõe sobre exceções que estão em vigor, concomitantemente, à LRF.

Destacam-se:

Art. 8º Na hipótese de que trata o art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios afetados pela calamidade pública decorrente da pandemia da Covid-19 ficam proibidos, até 31 de dezembro de 2021, de:

I - conceder, a qualquer título, vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a membros de Poder ou de órgão, servidores e empregados públicos e militares, exceto quando derivado de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior à calamidade pública;

II - criar cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa;

III - alterar estrutura de carreira que implique aumento de despesa;

IV - admitir ou contratar pessoal, a qualquer título, ressalvadas as reposições de cargos de chefia, de direção e de assessoramento que não acarretem aumento de despesa, as reposições decorrentes de vacâncias de cargos efetivos ou vitalícios, as contratações temporárias de que trata o inciso IX do caput do art. 37 da Constituição Federal, as contratações de temporários para prestação de serviço militar e as contratações de alunos de órgãos de formação de militares;

V - realizar concurso público, exceto para as reposições de vacâncias previstas no inciso IV;

VI - criar ou majorar auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza, inclusive os de cunho indenizatório, em favor de membros de Poder, do Ministério Público ou da Defensoria Pública e de servidores e empregados públicos e militares, ou ainda de seus dependentes, exceto quando derivado de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior à calamidade;

VII - criar despesa obrigatória de caráter continuado, ressalvado o disposto nos §§ 1º e 2º;

VIII - adotar medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), observada a preservação do poder aquisitivo referida no inciso IV do caput do art. 7º da Constituição Federal;

IX - contar esse tempo como de período aquisitivo necessário exclusivamente para a concessão de anuênios, triênios, quinquênios, licenças-prêmio e demais mecanismos equivalentes que aumentem a despesa com pessoal em decorrência da aquisição de determinado tempo de serviço, sem qualquer prejuízo para o tempo de efetivo exercício, aposentadoria, e quaisquer outros fins.

§ 1º O disposto nos incisos II, IV, VII e VIII do caput deste artigo não se aplica a medidas de combate à calamidade pública referida no caput cuja vigência e efeitos não ultrapassem a sua duração.

§ 2º O disposto no inciso VII do caput não se aplica em caso de prévia compensação mediante aumento de receita ou redução de despesa, observado que:

I - em se tratando de despesa obrigatória de caráter continuado, assim compreendida aquela que fixe para o ente a obrigação legal de sua execução por período superior a 2 (dois) exercícios, as medidas de compensação deverão ser permanentes; e

II - não implementada a prévia compensação, a lei ou o ato será ineficaz enquanto não regularizado o vício, sem prejuízo de eventual ação direta de inconstitucionalidade.

§ 3º A lei de diretrizes orçamentárias e a lei orçamentária anual poderão conter dispositivos e autorizações que versem sobre as vedações previstas neste artigo, desde que seus efeitos somente sejam implementados após o fim do prazo fixado, sendo vedada qualquer cláusula de retroatividade.

§ 4º O disposto neste artigo não se aplica ao direito de opção assegurado na Lei nº 13.681, de 18 de junho de 2018, bem como aos respectivos atos de transposição e de enquadramento.

§ 5º O disposto no inciso VI do caput deste artigo não se aplica aos profissionais de saúde e de assistência social, desde que relacionado a medidas de combate à calamidade pública referida no caput cuja vigência e efeitos não ultrapassem a sua duração.

Como visto, além das condições e situações da LRF, dispositivos específicos da LC 173 também militam a favor da gestão e do gestor no sentido de permitir gastos de pessoal para contratação de profissionais ou concessão de benefícios/vantagens no enfrentamento da COVID-19 (v.g. Art. 8º, §1º e §5º da LC 173).

DESPESA COM PESSOAL E PERÍODO ELEITORAL

Uma questão que merece atenção, refere-se ao fato da ocorrência na circunscrição municipal do pleito eletivo (eleições) para os mandatos municipais (prefeitos, vice-prefeitos e vereadores).

Visando evitar o uso da máquina pública em qualquer favorecimento à candidatos, em reeleição ou não, existem regramentos e limitações no último ano de mandato, sendo algumas delas voltadas para se evitar o aumento da despesa com pessoal.

A mais conhecida é o não aumento na despesa com pessoal nos últimos 180 (cento e oitenta) dias do final do mandato, que diante da nova redação imposta pela LC 173 foi estendida também para aumento a ser implementado após ao mandato: verbis:

Art. 21. É nulo de pleno direito:

I –

II - o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal nos 180 (cento e oitenta) dias anteriores ao final do mandato do titular de Poder ou órgão referido no art. 20;

III - o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal que preveja parcelas a serem implementadas em períodos posteriores ao final do mandato do titular de Poder ou órgão referido no art. 20;

IV - a aprovação, a edição ou a sanção, por Chefe do Poder Executivo, por Presidente e demais membros da Mesa ou órgão decisório equivalente do Poder Legislativo, por Presidente de Tribunal do Poder Judiciário e pelo Chefe do Ministério Público, da União e dos Estados, de norma legal contendo plano de alteração, reajuste e reestruturação de carreiras do setor público, ou a edição de ato, por esses agentes, para nomeação de aprovados em concurso público, quando:

a) resultar em aumento da despesa com pessoal nos 180 (cento e oitenta) dias anteriores ao final do mandato do titular do Poder Executivo; ou

b) resultar em aumento da despesa com pessoal que preveja parcelas a serem implementadas em períodos posteriores ao final do mandato do titular do Poder Executivo.

Gize-se que, não obstante a natureza e o alcance das restrições estarem intimamente ligadas ao viés eleitoral, o texto está inserto na Lei Complementar 101/00 – Lei de Responsabilidade Fiscal, que sabidamente não é legislação eleitoral.

A vedação do aumento da despesa com pessoal nos últimos 180 dias do final do mandato não se encontra afastada, nem excepcionada por qualquer normativo, seja da LRF, seja da LC 173, seja de qualquer outra norma. Para maior precisão, além dessa vedação (180 dias), não se pode deixar para o próximo exercício qualquer benefício ou vantagem de cunho remuneratório, ou até mesmo indenizatório.

De forma pragmática, podemos dizer que a LC 173 permite a concessão de benefícios ou vantagens para profissionais de saúde e de assistência social, enquanto durar a pandemia, mas de todo modo, não poderá ensejar aumento da despesa com pessoal nos últimos 180 dias do final do mandato da atual gestão.

Cabe lembrar que nos termos do Art. 22 da LRF, a apuração da despesa com pessoal ocorre da seguinte forma:

Art. 22. A verificação do cumprimento dos limites estabelecidos nos arts. 19 e 20 será realizada ao final de cada quadrimestre

Diante dessa periodicidade, o gestor pode e deve planejar a concessão de eventuais benefícios ou vantagens, passíveis de concessão aos profissionais da saúde e assistência social, inclusive com programação de redução ou adequação de outras despesas com pessoal para que “compense” o gasto evitando tipificar o aumento na despesa com pessoal dos 180 dias.

LEI ELEITORAL E CONTRATAÇÃO DE PESSOAL

Como já mencionado, diante do atual momento de período pré-eleitoral é imprescindível a observação das legislações que incidem e condicionam a gestão e os gestores.

Especificamente na seara eleitoral vale não olvidar a Lei 9.504/97, a qual tem várias vedações (Art. 73), mas também ciente das questões pontuais e emergências que podem impactar na sociedade dá margem a flexibilizações no tema pessoal.

Nesse sentido:

Das Condutas Vedadas aos Agentes Públicos em Campanhas Eleitorais

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ...

V - nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados:

a) ...

d) a nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo; (g.n.)

Noutro giro verbal podemos dizer que mesmo a legislação eleitoral, strictu sensu, permite a contratação de recursos humanos necessários à instalação (início) ou ao funcionamento (continuidade) de serviços públicos essenciais, obviamente enquadrando-se aqui o enfrentamento da COVID-19.

CONCLUSÕES

Ante o exposto e considerando a questão relativa à despesa com pessoal que:

a) a legitimidade e competência do município para a decretação do estado de calamidade, decorre da condição de Ente integrante da Federação com autonomia constitucional,
b) que a calamidade pública deve ser decretada pelo Prefeito Municipal através de Decreto Municipal;
c) que a validade do Decreto de Calamidade Pública, para fins do Art. 65 da LRF está condicionada ao reconhecimento da situação pela Asssembleia Legislativa do respectivo Estado;
d) que a suspensão da Lei de Responsabilidade Fiscal, em relação ao Art. 23 está condicionada ao reconhecimento pela Assembleia Legislativa estadual da situação de calamidade;
e) a LC 173 inovou a LRF (LC 101), mas também tem dispositivos autônomos que devem ser aplicados à questão de pessoal;
f) o aumento da despesa com pessoal, relativo à vedação dos últimos 180 dias do final do mandato, continua em vigor

conclui-se no sentido de ser possível e lícita:

1) a contratação de pessoal, especificamente para o enfrentamento da COVID-19 e
2) a concessão de benefícios e vantagens aos profissionais de saúde e de assistência social, que deve ficar adstrita à duração da pandemia.

Os impactos financeiros e orçamentários relativos aos itens 1) e 2) não podem caracterizar aumento da despesa com pessoal dos últimos 180 dias do final do atual mandato.

Por derradeiro, registre-se que havendo opção de concessão de benefícios, adicionais ou vantagens para o servidor, deve-se observar o princípio da legalidade (projeto de lei) para que seja instituído regular e legalmente, caso haja a criação do benefício.

Caso já preexista, dever-se-á observar o disposto no regime jurídico (estatutário ou celetista) as condições e formas da concessão.

Todos os registros e evidenciações das tomadas de decisão relativas as despesas com pessoal, nesse momento de pandemia, devem ser destacadas e devidamente motivadas para fins de transparência e acompanhamento pelos órgãos de controle externo.

Belo Horizonte. 02 de julho de 2020.


Tadahiro Tsubouchi: Pós-Graduado em Gestão de Contas Públicas, Fiscalização, Controle Interno e Externo (UNA)
Pós-Graduado em Gestão de Serviços e Sistemas de Saúde (UFMG)
MBA Direito Tributário (FGV)
Colaborador do Grupo de Trabalho de Direito Sanitário do CONASEMS
Membro do Comitê Estadual do CNJ para o Monitoramento e Resolução de Demandas de Assistência à Saúde de MG
Diretor Regional do IDISA – Instituto de Direito Sanitário Aplicado (Campinas /SP)
Presidente da Comissão de Direito Sanitário da OAB/MG




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