Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

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Conselho Editorial
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Nelson Rodrigues dos Santos
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Valéria Alpino Bigonha Salgado

ISSN 2525-8583



Domingueira Nº 31 - Agosto 2022

Índice

  1. Saúde Especializada: onde deve chegar com qualidade e eficiência - por Carmino De Souza e José Francisco Comenalli Marques Jr

Saúde Especializada: onde deve chegar com qualidade e eficiência

Por Carmino De Souza e José Francisco Comenalli Marques Jr


Foto: Pixabay

Hoje vamos falar sobre “geo-equidade” e centros monotemáticos de tratamentos. São dois termos não muito comuns, mas, com certeza, você, caro leitor e leitora, vai entender, quando chegar ao final deste artigo. Essa abordagem teve como fato inspirador a visita realizada pela Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH), no final do mês de junho de 2022, à Fundação HEMOAM – Hemocentro Coordenador e Centro de referência para Diagnóstico e Tratamento das Doenças Onco-hematológicas do Amazonas.

O HEMOAM se prepara para inaugurar um Hospital Hematológico em Manaus, com 192 leitos, destinado ao tratamento hospitalar e ambulatorial de pacientes portadores de doenças hematológicas e câncer infantil. A palavra “geo-equidade” é um silogismo recentemente definido pela ABHH para explicar a importância que devemos dar a projetos e programas de atendimento para alcançar o paciente independentemente do local onde esteja, quer no quesito diagnóstico, como no tratamento e seguimento clínico de qualidade e eficiência. A visita incluiu as áreas hoje operacionais e as futuras instalações do Hospital.

Dentre os diversos temas discutidos nessa ocasião, foi feita a observação, pela Equipe do HEMOAM, do número relativamente pequeno de pacientes do interior do Estado que chegam a ser diagnosticados com câncer hematológico, discrepante das estatísticas gerais.

Dentre estas doenças, destacam-se as leucemias com a alusão de que esses pacientes poderiam estar morrendo sem o diagnóstico e, consequentemente, sem acesso ao tratamento adequado e em tempo hábil. A partir da consciência dessa situação, foram idealizados projetos para promover o diagnóstico precoce de diversas doenças hematológicas, incluindo as leucemias, as anemias, dentre outras. A ideia era de buscar a interiorização das técnicas de exames laboratoriais de baixa complexidade, como por exemplo, o hemograma e a urina tipo I.

Estes exames teriam o respaldo técnico em Manaus, isto é, quando surgissem dúvidas na realização local do exame, esse seria enviado com fotos ou digitalização de exames, de imagens ou de microfotografia, para os profissionais especializados que trabalham em Manaus. Estes profissionais fariam a triagem dos casos e que seriam encaminhados para complementação diagnóstica e tratamento na capital amazonense ou, então, orientados para as condutas locais.

Essa iniciativa trata-se de um potencial eficiente sistema que envolve treinamento de profissionais técnicos em patologia clínica para realizar esses exames laboratoriais de baixa complexidade mesmo nos lugares mais remotos do estado, criando assim, um caminho para o direcionamento e acesso do paciente para a capital, quando necessário.

Dessa maneira, ao invés de transportar o paciente sem diagnóstico ou suspeita diagnóstica para Manaus, os exames é que passaram a ser referenciados para o HEMOAM, via telefone celular. Como exemplo, podem ser enviadas fotos de esfregaços sanguíneos para médicos especialistas, que podem diagnosticar e até acompanhar o tratamento dos doentes remotamente, orientando os técnicos locais e os médicos generalistas na região de domicílio dos pacientes, no seguimento dos seus quadros hematológicos. Quando possível, realizar esse acompanhamento, permite a seleção mais adequada e agilidade nos diagnósticos e tratamentos dos casos mais graves que demandem a transferência do paciente para a capital.

Já na etapa inicial desse projeto, o número de diagnósticos de leucemias aumentou em cerca de 20%. Outros exemplos já são vivenciados com essa mentalidade, como no caso dos hemofílicos, quando os fatores de coagulação passaram a ser enviados diretamente para a localidade onde vivem os pacientes, evitando os deslocamentos até Manaus que, em muitos casos, levam vários dias de navegação pelos rios ou demandam alto custo de deslocamento por via aérea, além de atrasar no tratamento e poder ocasionar sequelas evitáveis.

Outro exemplo da mesma estratégia foi desenvolvido para os pacientes com anemia falciforme, pelo envio de unidades de concentrado de hemácias fenotipadas (tipagem sanguínea especial para pacientes sensibilizados ou usuários crônicos de glóbulos vermelhos) para os que tem indicação de transfusão, evitando, dessa forma, a sensibilização destes pacientes que moram nestes municípios longínquos. Essa experiência exitosa de interiorização através desse projeto piloto já em sua fase de expansão, deve melhorar cada dia mais, com a maior integração do HEMOAM com os Hemonúcleos Regionais, cobrindo cada vez mais as áreas de difícil acesso na selva amazônica e se estendendo por vários municípios-polos no Estado do Amazonas.

A ideia desse projeto é muito bem-vinda para um modelo eficiente a ser seguido por diversos estados brasileiros, para levar tratamentos especializados na área de Hematologia e Hemoterapia aos locais onde o especialista não está, otimizando o diagnóstico e tratamento das doenças hematológicas e tratamento hemoterápico.

Hospitais Monotemáticos

Outro aspecto muito importante foi a visita ao quase terminado Hospital Hematológico, um complexo médico de cinco andares, com estrutura para tratamento hospitalar e ambulatorial das doenças hematológicas e do câncer infantil. Trata-se de uma unidade de alta complexidade, dotado de Centro Cirúrgico, UTI, Unidade de Transplante de Medula Óssea, Farmácia, Fisioterapia, Laboratório, Radiologia, etc., contemplando o tratamento do paciente com doenças hematológicas e câncer infantil na sua integralidade e pelo SUS.

Poucos são os Hospitais ditos Monotemáticos em Hematologia e Oncologia infantil em nosso país, e essa iniciativa certamente vai evidenciar a alta necessidade desse tipo de instituição no Brasil, fomentando o debate nacional acerca da importância da criação desses centros especializados em doenças específicas. Como exemplos de outras especialidades temos o Instituto do Coração e o Instituto do Câncer em São Paulo, vinculados ao Hospital das Clínicas.

Este tema já foi abordado neste mesmo espaço em 23 de setembro do ano passado. Escrevemos, naquela ocasião, que a RMC necessita de, pelo menos, quatro Centros/Hospitais integrados monotemáticos para darmos um salto em nossas necessidades futuras, a saber: doenças cardiovasculares, oncologia (incluindo a hematologia), ortopedia/traumatologia e pediatria.

Estamos felizes com a iniciativa do HEMOAM em investir nesse Hospital e nos projetos de diagnóstico e tratamento remoto do paciente que mora longe do centro especializado em Hematologia.

Que estas iniciativas se multipliquem cada vez mais pelo Brasil afora, objetivando acompanhar e tratar dignamente um número cada vez maior de pacientes, além de ser uma estratégia para capacitar médicos e profissionais da área da saúde em suas especialidades.


Carmino Antonio de Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020

José Francisco Comenalli Marques Júnior é médico hematologista e hemoterapeuta, além de estar presidente da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH)


Fonte : Hora Campinas 25 de julho de 2022




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