Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

Editores Chefes
Áquilas Mendes
Francisco Funcia
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Conselho Editorial
Élida Graziane Pinto
Marcia Scatolin
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado

ISSN 2525-8583



Domingueira Nº 33 - Dezembro 2018

REPROVADA A PROGRAMAÇÃO ORÇAMENTÁRIA PARA 2019 DO MINISTÉRIO DA SAÚDE

Por Francisco R. Funcia


O Projeto de Lei Orçamentária de 2019 da União foi aprovado pelo Congresso Nacional no dia 19 de dezembro, sob a égide das regras da Emenda Constitucional 95/2016. Considerando a projeção de crescimento da receita corrente líquida e manutenção tanto do teto de despesas primárias, como do déficit primário (estimado em aproximadamente R$ 140 bilhões), o objetivo deste artigo é demonstrar, de um lado, que a EC 95 fará mal à saúde pelo terceiro ano consecutivo e, de outro lado, o descumprimento da legislação por parte do Ministério da Saúde no processo de elaboração e definição da proposta orçamentária de 2019 para as ações e serviços públicos de saúde, além de outros aspectos técnicos desse processo, que culminaram com a reprovação dessa proposta pelo Conselho Nacional de Saúde por meio da Resolução 611, de 13/12/2018.

Inicialmente, é oportuno destacar a primeira ilegalidade (artigo 17, caput e parágrafos, da Lei Complementar 141/2012) cometida pelo Ministério da Saúde: as programações orçamentárias referentes às ações e serviços públicos de saúde foram encaminhadas (em meados de outubro/2018) para conhecimento, análise e deliberação do Conselho Nacional de Saúde (CNS) posteriormente ao encaminhamento (final de agosto/2018) do Projeto de Lei Orçamentária da União ao Congresso Nacional, conforme consta na Resolução 611 citada. Com isso, ficou inviabilizada a análise prévia dessas programações pelos conselheiros nacionais de saúde que integram as diferentes comissões temáticas.

Dessa análise “ex-post”, foi possível verificar que a maioria dessas programações apresentou redução de valores em termos reais (e, em alguns casos, até mesmo variação nominal negativa), quando comparadas as programações de 2019 com as de 2018 nos respectivos projetos de leis orçamentárias encaminhados para análise e aprovação do Congresso Nacional: em termos consolidados, a queda de recursos para o financiamento das ações e serviços públicos de saúde (ASPS) foi de R$ 1,134 bilhão a preços correntes (variação nominal negativa de 0,95%) – passou de R$ 119,021 bilhões em 2018 para R$ 117,887 bilhões em 2019 (a preços correntes).

Segundo consta na Resolução 611 do CNS, não houve nenhuma avaliação de impacto apresentada pelo Ministério da Saúde para justificar como o atendimento às necessidades de saúde da população não seria prejudicado com essa queda de recursos orçamentários na programação para 2019, considerando o contexto dessa queda de recursos:

  • a)metas físicas realizadas abaixo da previsão em muitos dos objetivos das Programações Anuais de Saúde de 2016 e 2017, que motivaram, dentre outros, a reprovação dos Relatórios Anuais de Gestão do Ministério da Saúde de 2016 pelo CNS (Resolução 551, de 06/07/2017) e de 2017 (Resolução 599, de 11/10/2018);

  • b)reincidência de baixos níveis de liquidação de despesas em 2018 que projetam novamente a realização de várias metas abaixo do previsto para este ano;

  • c)último ano de vigência do Plano Nacional de Saúde de 2019 para compensar a não realização das metas previstas nos anos anteriores (sem nenhuma evidência para essa compensação em 2019 apresentada pelo Ministério da Saúde;

  • d)crescimento populacional esperado para o período;

  • e)custos crescentes do setor saúde (aumento da proporção de idosos a serem atendidos e necessidade de incorporação tecnológica de novos equipamentos e novos medicamentos);

  • f)necessidade de compensação legal dos restos a pagar cancelados até 31/12/2018 como aplicação adicional ao mínimo (considerando que a projeção desses cancelamentos em 2018 é de R$ 2,0 bilhões, muito acima da diferença entre o piso e o valor alocado na proposta orçamentária de 2019), bem como das compensações pendentes de anos anteriores por causa da interpretação da Advocacia Geral da União (AGU) em desrespeito ao que estabelece a Lei Complementar 141/2012.

Esta situação revela a necessidade de acréscimo de recursos para 2019, e não a redução observada, a não ser que já tenha sido feita uma “escolha de Sofia”, ou seja, quais setores prejudicados ou necessidades de saúde da população deixarão de ser atendidas, de modo a reduzir as metas previstas no Plano Nacional de Saúde 2016-2019, o que ensejaria tanto a deliberação prévia do CNS, como o encaminhamento de um projeto de lei de revisão do Plano Plurianual 2016-2019 para esse fim, o que não ocorreu até o momento.

O Ministério da Saúde também não demonstrou a compatibilidade da proposta orçamentária para ASPS com as diretrizes para o estabelecimento de prioridades para 2019, aprovadas pelo CNS na Resolução 579, de 21/02/2018, especialmente no que se refere ao aumento mais que proporcional da alocação de recursos para a Atenção Básica em comparação à Média e Alta Complexidade. Também não houve a demonstração da compatibilidade dessa proposta com as pactuações realizadas na Comissão Intergestrores Tripartite (CIT) para a transferência de recursos fundo a fundo segundo as subfunções, nos termos estabelecidos pela Portaria 3992, de 27/12/2017, do Ministério da Saúde, portaria essa também ilegal porque não foi submetida para deliberação do CNS nos termos da Lei Complementar 141/2012 (artigo 30, parágrafo 4º).

Outro aspecto destacado na Resolução 611 do CNS que reprovou a proposta orçamentária 2019 do Ministério da Saúde: “Não houve a identificação de quais programações e valores do MS no PLOA 2019 da União expressam a compensação da aplicação insuficiente (abaixo do piso) em 2016 (inclusive dos royalties do Pré-Sal como aplicação adicional ao piso), conforme decisão do Ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, proferida em 31/8/2017 nos autos da ADI 5.595-MC/DF, recentemente ratificada em Medida Cautelar na Reclamação 30.696 Distrito Federal, que, inclusive, suspendeu o Acórdão 1.048/2018-TCU-Plenário que reconheceu a regularidade das contas de 2016 do Ministério da Saúde, cuja decisão do STF possibilita ao Ministério da Saúde compensar a diferença da aplicação mínima de 15% (conforme havia se manifestado o CNS no parecer conclusivo que reprovou o Relatório Anual de Gestão 2016 e o Relatório Anual de Gestão de 2017, do MS)”.

Por fim, a queda de recursos orçamentários alocados para 2019, aliada a ausência de compensações de restos a pagar cancelados, bem como as determinadas pelo Ministro Lewandowski do Supremo Tribunal Federal, coincide com as restrições estabelecidas pela EC 95/2016, que penaliza duplamente o atendimento às necessidades de saúde da população: de um lado, estabelece um piso por uma regra que reduz recursos; e, de outro, fixa um teto geral de despesas primárias para a União que restringe financeiramente a capacidade de liquidação e pagamento de despesas também para o Ministério da Saúde. Para se ter uma ideia, se em 2016 e 2017 o piso ASPS correspondia a 15% da Receita Corrente Líquida da União, em 2019 corresponderá 13,9%. Em outros termos, ano a ano da vigência da EC 95/2016 confirma a tese de que nenhum centavo de acréscimo da receita será destinando para o financiamento do SUS e de outras políticas sociais; porém, esse crescimento da receita será preferencialmente alocado para juros e amortização da dívida.

Apesar disso, desejamos muita saúde a todos em 2019, para buscar sensibilizar as novas autoridades do governo federal, especialmente na área econômica, que é preciso buscar o equilíbrio das contas públicas, mas com regras diferentes da EC 95 que tira a saúde da população.

Francisco R. Funcia, Economista e Mestre em Economia Política pela PUC-SP.





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