Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

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Conselho Editorial
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ISSN 2525-8583



Domingueira nº 33 - Setembro 2024

Gigantismo de emendas parlamentares afeta implementação de políticas públicas

Por Carlos Ocké e Dalmo Palmeira


Chegou a hora da sociedade reivindicar que seus representantes adotem postura mais republicana na gestão das emendas.

“O atual modelo de emendas ao orçamento contém problemas conceituais e estruturais que tendem a afastá-lo de discussões qualificadas sobre políticas públicas.” - Tollini e Bijos, Por um Novo Modelo de Emendas ao Orçamento, 2021

A Constituição de 1988 definiu, em linhas gerais, a regra básica de funcionamento das emendas parlamentares, que não é uma jabuticaba do processo legislativo brasileiro.

Elas deveriam apenas corrigir erros e omissões, especialmente ao não permitir que as despesas fossem ampliadas sem a devida compensação durante a apreciação do orçamento no Congresso Nacional.

No entanto, em 2015, a partir da Emenda Constitucional 86, que instituiu as emendas individuais impositivas, a magnitude e o modus operandi das emendas parlamentares foram se modificando e se degenerando até os dias de hoje.

Isto contribuiu para delinear uma nova forma de participação dos parlamentares na elaboração e, depois, na execução do orçamento federal, bem como para transformar a relação política entre o Executivo e o Legislativo em algo diferente daquilo que ficou conhecido no jargão político e acadêmico como “presidencialismo de coalizão”.

Não obstante as intenções de dotar de capilaridade e celeridade a execução das emendas parlamentares, com o objetivo de alocar recursos naqueles territórios que estavam fora do radar da burocracia governamental, é possível perceber que a distorção na aplicação das emendas acabou contrariando os anseios de democratização do orçamento da sociedade brasileira e os princípios da administração pública, que estão expressos no art. 37 da Constituição.

Toda ação parlamentar deve se basear na lei, respeitar a moralidade, ser publicizada, eficiente e impessoal, isto é, não pode beneficiar alguém em particular, pois a vontade individual de um agente público seria um claro descumprimento constitucional.

A arbitrariedade de indicar os beneficiários finais das emendas parlamentares, sem transparência e sem responsabilidade pela qualidade do gasto, favoreceu ademais que os parlamentares passassem a participar de fatias cada vez maiores do orçamento e com bastante agilidade como no caso das “emendas Pix”.

Com a possibilidade de alcançar aproximadamente R$ 50 bilhões em 2025 (0,4% do PIB), segundo a literatura especializada, a proporção das emendas parlamentares no orçamento brasileiro é a maior do mundo. Esse fato se torna mais preocupante no contexto das regras do arcabouço fiscal, uma vez que a participação das emendas parlamentares nas despesas discricionárias atingiu quase 25% na última década, ou seja, 1/4 dos recursos desvinculados.

De modo que talvez seja irrealista voltar à época que as emendas não eram impositivas. Isso, entretanto, não exime o parlamento de reduzir seu volume, tampouco de racionalizar a aplicação das emendas individuais, de bancada e de comissão, que estão sob sua responsabilidade, priorizando as necessidades do país. Esse quadro demonstra que a hipertrofia do Poder Legislativo, entre outros, a partir do crescimento e das prerrogativas das emendas parlamentares, precisa ser repensada à luz da eficácia e efetividade das políticas públicas.

Afinal, apesar da proibição formal das emendas de relator (RP 9) em 2022, o “orçamento secreto” continua vigorando e nos parece que chegou a hora da sociedade reivindicar que seus representantes adotem uma postura mais republicana no tocante à gestão das emendas parlamentares, alinhada às melhores práticas internacionais.

Nesse sentido, o acordo pontual firmado na Praça dos Três Poderes sobre a adoção de regras transparentes para operação das emendas parlamentares não inibe a necessidade de redesenhar o processo de apresentação e tramitação das emendas parlamentares, para reconstituir a legalidade e legitimidade de tais emendas, contribuindo para um melhor desempenho das políticas públicas, no geral, e do arcabouço fiscal, em particular, com desdobramentos positivos para estabilidade política e econômica do país no longo prazo.

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Publicado em: JOTA


Carlos Ocké - Economista, técnico de planejamento e pesquisa do IPEA e ex-assessor parlamentar do Senado Federal

Dalmo Palmeira - Especialista em orçamento público, mestrando em políticas públicas e desenvolvimento pelo IPEA e assessor parlamentar do Senado Federal


De 14 a 16 de outubro próximo estejam conosco no Congresso Brasileiro de Direito Sanitário e Economia da Saúde debatendo temas relevantes do Direito e da Saúde para a sustentabilidade do SUS universal e de qualidade. Financiamento, direito à saúde, judicializacao, emendas parlamentares, o público e o privado são temas essenciais para o aperfeiçoamento do SUS.

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