Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

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Conselho Editorial
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Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
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ISSN 2525-8583



Domingueira Nº 35 - Outubro 2021

Índice

  1. O Outubro Rosa para ser lembrado e praticado - por Carmino Antonio de Souza

O Outubro Rosa para ser lembrado e praticado

Por Carmino Antonio de Souza


Chegamos ao mês de outubro e, apesar de ainda convivermos com a assustadora pandemia da SarsCov2 há mais de um ano e meio, não podemos e não devemos nos esquecer de atos que são muito caros e necessários a todos nós. Assim, neste Outubro Rosa, devemos lembrar a todas as mulheres da prevenção do câncer de mama. É claro que não há necessidade de que todas as mulheres corram e façam sua consulta médica e mamografia neste mês, mas, fundamental, é não esquecer da importância deste tema.

Não custa lembrar que o câncer de mama é o primeiro em prevalência dentre as mulheres de todo o mundo.

Dados de Campinas mostram que esta é a terceira causa de morte nas mulheres de nossa cidade, superada apenas por acidentes cardiovasculares e doenças pulmonares. Os números globais são expressivos com cerca de dois milhões de novos casos ao ano no mundo e cerca de 70 mil no Brasil (estimativa para o triênio 2020-2022)[1]. Infelizmente, em 2019, mais de 18 mil mulheres faleceram no Brasil por esta causa. Apesar da redução de cerca de 18% na mortalidade nos últimos 15 anos na cidade de Campinas, o número ainda é alto e, infelizmente, ainda perdemos cerca de 100 mulheres todos os anos para esta doença. No Estado de São Paulo, a taxa de mortalidade é de 20,70/milhão, uma das mais altas do Brasil. Tal fato não é completamente conhecido, mas provavelmente alguns fatores estão relacionados à maior expectativa de vida, aos sistemas de informação e vigilância melhor estruturados e a maior exposição a fatores de risco.

Dentre estes fatores de risco estão o consumo excessivo de álcool, o tabagismo, o uso não adequado e controlado de fármacos para reposição hormonal e o sobrepeso/obesidade, particularmente, no período pós menopausa.

Apesar de apenas 5-10% dos casos estarem associados a fatores genéticos, estes tumores trazem preocupações adicionais muito significantes por acometerem mulheres mais jovens, terem um curso clínico habitualmente mais agressivo e serem acompanhados de maior grau de morbimortalidade no conjunto dos casos. A orientação por especialista com busca das mutações para o gene BRCA-2 é elemento fundamental em mulheres com história familiar.

O rastreamento com exames clínicos e a realização de mamografia periódica na busca de nódulos suspeitos devem ser feitos periodicamente. Para mulheres acima de 50 anos, a recomendação é de realização a cada dois anos. Importante é que a mamografia está facilmente disponível nos sistemas público e privado de saúde de nossa cidade. Entretanto, quando olhamos os números de exames realizados, mesmo em um cenário de grande liberalidade de acesso aos exames, a pergunta bastante óbvia é: onde estão as mulheres que não fazem este rastreamento?

Temos a comentar que, infelizmente, questões culturais e crenças equivocadas têm afastado as mulheres desta busca de casos iniciais. Novamente, as notícias falsas, os preconceitos, as proibições dentre muitas outras causas, afastam as mulheres ,levando a prejuízos intangíveis. Devemos lembrar que estamos falando de uma doença potencialmente curável quando diagnosticada precocemente e tratada adequadamente. Sabemos que o tempo “joga” contra os pacientes com câncer, sempre!

Protelar ou simplesmente não realizar este controle é quase uma “roleta russa”, isto é contar com a sorte.

Um exemplo do que estamos falando é o número de casos avançados ao diagnóstico. Dado alarmante do registro de base populacional de Campinas (RBPC), registro este que foi motivo de nosso texto de 02/08/2021 [2], mostra que praticamente 45% dos novos casos de câncer de mama têm estádio clínico avançado e com metástases. 39% dos casos são localizados e apenas 16% são in situ. Dados também do RBPC mostram que 17% de todos os óbitos em mulheres de nossa cidade são devidas ao câncer de mama.

Portanto, estamos diagnosticando tarde e tratando casos mais graves e avançados, consequentemente, com menor probabilidade de cura. Devido a este quadro, um simples exame clínico seguido da mamografia poderia, em curto espaço de tempo, modificar este cenário.

Outro dado interessante é que a cidade não é homogênea. A maior mortalidade por câncer de mama é observada na região leste que engloba o Centro, o Cambuí, o Taquaral dentre outros. Esta é região mais abastada da cidade e, teoricamente, com maior acesso aos serviços de saúde. Como explicar isto? Envelhecimento maior nestas áreas? Provavelmente este possa ser um fator, mas não deve ser o único e, talvez, possa não ser o mais importante.

Vemos graficamente, que a partir dos 60 anos, a mortalidade por câncer de mama é maior nesta região e, portanto, o fator idade não é o mais significante. Como explicar que mulheres com maior acesso aos serviços de saúde e a informação são mais atingidas? Importante lembrarmos que o câncer de mama tem um grande espectro de possibilidades terapêuticas desde a cirurgia, a radioterapia, a quimioterapia, as terapias hormonais e mais recentemente, as terapias-alvo, em franco desenvolvimento em todo o mundo.

É muito importante que o diagnóstico seja o mais precoce e preciso possível para elevarmos as possibilidades de cura.

O Outubro Rosa, mês mundialmente dedicado ao enfrentamento e ao esclarecimento sobre o câncer de mama, veio para que a humanidade lute e modifique o cenário acima descrito. Precisamos lutar não só contra a doença, mas também contra a desinformação e preconceitos que estão associados também a este tema. Cada um de nós deve fazer a sua parte. Às mulheres cabe exercer sua cidadania e buscar os seus direitos a saúde.


[1] Ministério da Saúde do Brasil: Estimativa 2018 – Incidência de Câncer no Brasil. 1o. ed. Rio de Janeiro: INCA, 2017.

[2] Hora Campinas: O registro de base populacional de câncer de Campinas – 02/08/2021.


Carmino Antonio de Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020


Fonte: Artigo publicado no site Hora Campinas em 01 de outubro de 2021.




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