Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

Editores Chefes
Áquilas Mendes
Francisco Funcia
Lenir Santos

Conselho Editorial
Élida Graziane Pinto
Marcia Scatolin
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado

ISSN 2525-8583



Domingueira Nº 39 - Setembro 2020

Índice

  1. Boletim Cofin/CNS 2020/09/16 - por Francisco R. Funcia, Rodrigo Benevides e Carlos Ocke
  2. Lei Orgânica da Saúde: 30 anos em meio a pandemia da COVID-19 - por Lenir Santos

Boletim Cofin/CNS 2020/09/16

Por Francisco R. Funcia, Rodrigo Benevides e Carlos Ocke




















Francisco R. Funcia, Mestre em Economia Política pela PUCSP, Professor e Coordenador-Adjunto do Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura da USCS e Consultor Técnico do Conselho Nacional de Saúde.

Rodrigo Benevides, Economista (UFRJ) e mestre em Saúde Coletiva pelo IMS/UERJ.

Carlos Ocké, Economista e Vice-Presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde - ABrES.



Lei Orgânica da Saúde: 30 anos em meio a pandemia da COVID-19

Por Lenir Santos


A Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 2020, completa 30 anos de existência em meio a pandemia da Covid-19. Estranho afirmar, mas é fato que a pandemia da Covid-19 deu boa visibilidade ao Sistema Único de Saúde (SUS) que pode mostrar as suas fortalezas, como o acesso universal e gratuito e existência de serviços estruturados que se espraiam por todo o país.

Tem sido comum falar que o Brasil é o único país do mundo a ter um sistema público de saúde de acesso universal por ter uma população de mais de 210 milhões de pessoas. Fiz esse comentário em um artigo em 2009 [1], após voltar de uma viagem aos países escandinavos quando pude então refletir sobre seus sistemas de proteção à saúde e sua demografia. Hoje essa frase passou a ser dita por todos e ficou comum.

A ousadia da Reforma Sanitária dos anos 70-80 que propôs e lutou para a integração das ações e serviços dos entes federativos em um sistema conceitualmente único e operativamente descentralizado, de acesso universal, resultou no SUS que salvou vidas nessa pandemia como tem feito ao longo de três décadas. Por isso comemorar os 30 anos da lei orgânica da saúde é, neste momento, motivo de grande satisfação e alegria.

Um sistema que deve prevenir agravos à saúde para garantir um estado de saúde integral às pessoas, mantendo ainda serviços da vacina ao transplante, num país populoso como o nosso, desigual e injusto, é um feito impar pela sua visão humanística, ética e social.

A lei que faz 30 anos, mantém-se atual e é potente para a organização e funcionamento do SUS até os dias de hoje. Destaco um pouco da história de sua construção que se iniciou em 1989, com a minuta apresentada pelo nosso saudoso Eleutério Rodriguez, que fez uma reunião no Núcleo de Saúde Coletiva da Unb. Éramos um pequeno-médio grupo, com as presenças de Guido Ivan de Carvalho, Gilson Carvalho, Nelson Rodrigues, José Gomes Temporão, Mozart de Abreu e Lima, dentre outros.

A partir dessa reunião, o projeto ficou sob a incumbência de Guido Ivan de Carvalho, que havia dado as bases jurídicas para a construção do convênio SUDS, em 1987, e a partir daí, o projeto foi sendo construído de forma coletiva. Havia ainda um projeto do Ministério da Saúde e negociações se seguiram e por fim, os debates passaram a ser em torno do projeto de lei já na Câmara dos Deputados, Comissão de Saúde, sob a presidência do saudoso deputado federal Raimundo Bezerra, do Ceará. Foram debates relevantes e a lei foi aprovada em setembro, tendo seguido para a sanção presidencial e recebeu mais de uma dezena de vetos.

Um estudo que fiz à época demonstrava que dois vetos não poderiam prosperar, o das transferências interfederativas e o da participação da comunidade no SUS, sendo necessário derrubá-los, o que resultou num acordo com o Ministro da Saúde originando a Lei n. 8.142, de 1990.

Destaco relevantes normas da Lei n. 8.080, como: as determinantes sociais da saúde; as responsabilidades do Estado, da sociedade, das empresas e dos indivíduos; a competência para atuar em ciência, tecnologia, produção de insumos e equipamentos, a qual pouco tem sido cumprida e que a pandemia evidenciou essa lacuna; a avaliação de desempenho; os critérios de rateio dos recursos dos entes federativos; o orçamento aderente ao planejamento; a primazia do plano de saúde na execução das ações e serviços de saúde.

O que concluímos com tudo isso é que a lei 8080 é atual até os dias de hoje – pois trata de organizar um sistema em rede, regionalizado e atuado de modo compartilhado entre as três esferas de governo – não significando, contudo, a sua imutabilidade dada dinâmica da vida. Reformar o SUS em seus alicerces estruturais que estão na Constituição e na Lei 8.080, não faz sentido, como foi aventado pela Câmara dos Deputados; aperfeiçoá-la, sim, mas reformá-la não.

Vejo como essencial para o seu aperfeiçoamento cinco aspectos, todos já estão na lei, bastando a ousadia de cumpri-los, exceto o financiamento insuficiente que precisa ser alterada ou revogada a EC 95 e a gestão ineficiente que depende de reforma na Administração Pública que de fato enfrente seus reais problemas; os demais, como formação de pessoal para as necessidades do SUS; investimento em ciência, tecnologia e inovação em saúde; avaliação de desempenho qualitativo do SUS para informar o seu planejamento e superar os vazios assistenciais, todos estão previstos na lei há 30 anos.

O SUS é pautado pelo subfinanciamento que induz a insuficiência de serviços. Devemos lutar para um SUS que mire as necessidades de saúde da população, mediante planejamento consistente, orçamento a ele aderente e prática correspondente. Parabéns ao SUS e sua lei regente!


[1] O SUS que queremos e o SUS que podemos. Revista do Conasems.


Lenir Santos, advogada, doutora em Saúde Pública pela Unicamp, professora colaboradora do Departamento Saúde Coletiva Unicamp e presidente do Instituto de Direito Sanitário – IDISA.




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