Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

Editores Chefes
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Conselho Editorial
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Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado

ISSN 2525-8583



Domingueira Nº 41 - Dezembro 2019

PISO FEDERAL DO SUS EM 2020: AVALIAÇÃO A PARTIR DE DIFERENTES REGRAS

Por Francisco R. Funcia


O objetivo desta breve nota é comparar o piso federal do Sistema Único de Saúde (SUS) do exercício de 2020, calculado segundo a regra vigente da Emenda Constitucional (EC) 95/2016, com os valores obtidos a partir das regras da EC 86/2015 (cuja vigência foi suspensa de 2016 a 2035) e da EC 29/2000 (que vigorou até 2015), bem como das regras da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 01D/2015 (aprovada em 1º turno na Câmara dos Deputados, cujo conteúdo foi resgatado e adaptado do Projeto de Lei de iniciativa popular “Saúde+10” – PLC 321/2013 – que teve mais 2,2 milhões de assinaturas auditadas) e dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) que deveriam vigorar logo após à promulgação da Constituição Federal de 1988.

A Tabela 1 apresenta os valores do piso federal do SUS em 2020 calculados segundo essas diferentes regras estabelecidas nas referências indicadas no parágrafo anterior e as respectivas perdas em comparação em relação ao valor da EC 95/2016, considerando para esse fim a adoção de cada regra somente no exercício de 2020, isto é, não foram calculadas as diferenças acumuladas de 2016 a 2020 calculadas individualmente para essa série histórica.

Tabela 1
Piso Federal do SUS em 2020 calculado segundo diferentes regras

Nestes termos, supondo que houvesse uma decisão política de se adotar em 2020 alguma das regras que vigoraram anteriormente, bem como aquelas que não vigoraram, mas foram propostas e/ou aprovadas, para calcular o piso federal dos SUS, conforme referenciadas no parágrafo inicial, é possível constatar que todas elas, sem exceção, resultariam em valores maiores que R$ 121,3 bilhões que vigorará em 2020 por conta da EC 95/2016.

Considerando essas diferenças como perdas para o SUS em 2020 e colocando em ordem decrescente de valores, a comparação com a regra dos ADCT está em primeiro lugar, revelando que o SUS federal teria R$ 253,2 bilhões de recursos adicionais; em seguida, a PEC 01D, em tramitação no Congresso Nacional para votação em segundo turno na Câmara dos Deputados e em dois turnos no Senado, se fosse aprovada resultaria em R$ 49,9 bilhões adicionais; em penúltimo lugar, se a regra da EC 86/2015 estivesse em vigor, o SUS federal teria R$ 11,1 bilhões a mais e, por fim, a regra da EC 29/2000 calculada somente para o ano de 2000 resultaria em R$ 3,3 bilhões adicionais.

Para termos uma dimensão da natureza dessas perdas, seguem alguns exemplos:
a) Com os R$ 253,2 bilhões a mais pela regra da ADCT, seria possível mais que dobrar o piso federal do SUS que está em vigor, ou seja, seria possível mais que dobrar, em termos incremental, todas as ações originalmente programadas para 2020 considerando o piso de 121,3 bilhões (o que beneficiaria muito o financiamento do SUS nos Estados e Municípios, pois cerca de 2/3 do orçamento do Ministério da Saúde são transferências do Fundo Nacional de Saúde para os Fundos Estaduais e Municipais de Saúde);
b) Com os R$ 49,9 bilhões a mais pela regra da PEC 01D/2015 (semelhante ao Projeto “Saúde+10”), seria possível:
b.1) mais que dobrar, em termos incremental, a programação total da subfunção “301 – Atenção Básica”; ou
b.2) incrementar em quase 20 vezes o resultado da soma (R$ 2,5 bilhões) dos valores programados para os Hospitais Federais do Rio de Janeiro, para os Institutos Nacionais de Cardiologia, de Câncer e de Traumatologia e para a Rede Sarah de Hospitais; ou
b.3) aumentar em mais de 14 vezes o valor de R$ 3,5 bilhões destinados ao Programa “Médicos pelo Brasil” (antigo Programa Mais Médicos); ou
b.4) aumentar em quase 25 vezes o valor de R$ 2,0 bilhões destinados ao Programa Farmácia Popular (modalidade gratuidade); ou
b.5) incrementar em mais de 26 vezes o valor de R$ 1,9 bilhão destinado ao Programa Farmácia Básica; ou
b.6) incrementar em quase 20 vezes o valor de R$ 1,5 bilhão destinado ao Grupo Hospitalar Conceição;
c) Com os R$ 11,1 bilhões a mais pela regra da EC 86/2015, seria possível:
c.1) aumentar aproximadamente 50% a programação total da subfunção “301 – Atenção Básica”; ou
c.2) incrementar em mais de quatro vezes o resultado da soma (R$ 2,5 bilhões) dos valores programados para os Hospitais Federais do Rio de Janeiro, para os Institutos Nacionais de Cardiologia, de Câncer e de Traumatologia e para a Rede Sarah de Hospitais; ou
b.3) aumentar em aproximadamente de três vezes o valor de R$ 3,5 bilhões destinados ao Programa “Médicos pelo Brasil” (antigo Programa Mais Médicos); ou
b.4) aumentar em mais de cinco vezes o valor de R$ 2,0 bilhões destinados ao Programa Farmácia Popular (modalidade gratuidade); ou
b.5) incrementar em mais de cinco vezes o valor de R$ 1,9 bilhão destinado ao Programa Farmácia Básica; ou
b.6) incrementar em mais de sete vezes o valor de R$ 1,5 bilhão destinado ao Grupo Hospitalar Conceição; e, por fim,
d) Com os R$ 3,3 bilhões a mais pela regra da EC 29/2000, seria possível:
d.1) incrementar em 132% o resultado da soma (R$ 2,5 bilhões) dos valores programados para os Hospitais Federais do Rio de Janeiro, para os Institutos Nacionais de Cardiologia, de Câncer e de Traumatologia e para a Rede Sarah de Hospitais; ou
d.2) aumentar em 94% o valor de R$ 3,5 bilhões destinados ao Programa “Médicos pelo Brasil” (antigo Programa Mais Médicos); ou
d.3) aumentar em 165% o valor de R$ 2,0 bilhões destinados ao Programa Farmácia Popular (modalidade gratuidade); ou
d.4) incrementar em aproximadamente 174% o valor de R$ 1,9 bilhão destinado ao Programa Farmácia Básica; ou
d.5) incrementar em 220% o valor de R$ 1,5 bilhão destinado ao Grupo Hospitalar Conceição.

Esses são exemplos ilustrativos para a destinação dos recursos adicionais ao SUS federal se não estivesse em vigor a EC 95/2016, mas sim uma dentre as várias regras de cálculo que estiveram em vigor (como no caso da EC 29/2000 que vigorou até 2015 ou da EC 86/2015 que está suspensa até 2036) ou foram propostas nos últimos 30 anos (ADCT nunca implementada ou PEC 01D/2015 semelhante ao “Saúde+10 e aprovada em primeiro turno na Câmara dos Deputados).

Portanto, como o Conselho Nacional de Saúde, os Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde e demais entidades e movimentos afirmaram durante a tramitação PEC 241 (na Câmara dos Deputados) e da PEC 55 (no Senado) no segundo semestre de 2016, essa proposta do governo Michel Temer (sob o comando econômico de Henrique Meirelles) poderia ser considerada como a “PEC da Morte”, cujo relatório para votação foi do Deputado Darcisio Perondi, o que foi uma surpresa negativa pois, antes disso, esse parlamentar era considerado um aliado na luta por mais recursos para superar o processo de subfinanciamento crônico do SUS. Com a EC 95/2016, o subfinanciamento do SUS foi agravado e se transformou em desfinanciamento – redução de recursos para o SUS que já eram insuficientes.

Disso resulta a necessidade da luta pela revogação da EC 95/2016, pois está comprovado que ela “faz mal para a saúde”, na linha dos estudos internacionais recentes que comprovam que “a austeridade econômica mata”. É fundamental que os Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde, entidades e movimentos estejam atentos à mobilização que está sendo preparada pelo Conselho Nacional de Saúde em defesa do SUS e contra seu desfinanciamento.

É nesse contexto de redução de recursos para o SUS que deve ser entendida a proposta do novo modelo de financiamento da atenção primária à saúde pactuada na Comissão Intergestores Tripartite (CIT) e com a portaria 2979 publicada pelo Ministério da Saúde. É preciso ficar claro que essa pactuação dos gestores na CIT tem amparo legal; mas, não terá legalidade a efetivação desse modelo sem a aprovação do Conselho Nacional de Saúde (conforme Lei 8142/90 e Lei Complementar 141/2012), considerando ainda que houve recomendação do CNS na última reunião plenária de dezembro de 2019 para que a citada portaria do MS fosse revogada.

Nessa mesma reunião, ficou claro que a temática é complexa e requer aprofundamento dos debates, até mesmo porque os representantes do Ministério da Saúde não responderam plenamente a maioria dos argumentos apresentados pelo debatedor da mesa sobre esse novo modelo de financiamento que foi realizada naquela oportunidade. Os representantes do Ministério da Saúde assumiram o compromisso de dar continuidade aos debates se o Conselho Nacional de Saúde considerar necessário, o que foi confirmado pelos encaminhamentos e recomendações aprovadas. Nestes termos, se há esse compromisso governamental de ampliar os debates sobre o modelo proposto antes da deliberação do Conselho Nacional de Saúde, parece lógico que a portaria 2779 não pode gerar efeitos de efetivação sem que essa deliberação ocorra.


Francisco R. Funcia, Economista e Mestre em Economia Política pela PUC-SP.




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