Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

Editores Chefes
Áquilas Mendes
Francisco Funcia
Lenir Santos

Conselho Editorial
Élida Graziane Pinto
Marcia Scatolin
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado

ISSN 2525-8583



Domingueira Nº 42 - Outubro 2020

Índice

  1. Boletim Cofin/CNS 2020/10/07 - por Francisco R. Funcia, Rodrigo Benevides e Carlos Ocke
  2. SUS: Gestão Descentralizada E Equilíbrio Federativo - por Lenir Santos

Boletim Cofin/CNS 2020/10/07

Por Francisco R. Funcia, Rodrigo Benevides e Carlos Ocke
























Francisco R. Funcia, Mestre em Economia Política pela PUCSP, Professor e Coordenador-Adjunto do Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura da USCS e Consultor Técnico do Conselho Nacional de Saúde.

Rodrigo Benevides, Economista (UFRJ) e mestre em Saúde Coletiva pelo IMS/UERJ.

Carlos Ocké, Economista e Vice-Presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde - ABrES.



SUS: Gestão Descentralizada E Equilíbrio Federativo

Por Lenir Santos


Com a pandemia da Covid-19, aqueles que afirmavam não conhecer o SUS por pensarem que não o usam, passaram talvez a compreender um pouco o seu significado e quem sabe abandonarão o conceito ultrapassado de que saúde se restringe à assistência médica, hospitalar e exames diagnósticos.

Saúde, conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS), não é a simples ausência de doenças, mas sim o gozo de bem-estar físico, mental, psíquico e social. Essa caracterização social da saúde é relevante por relacionar saúde com qualidade de vida, com políticas sociais e econômicas que evitem agravos desnecessários.

Todos brasileiros usam o SUS pela sua presença no cotidiano do cidadão, com ações de vigilância sanitária, epidemiológica etc. Estabelecimentos comerciais, industriais, escolas, espaços públicos, restaurantes, produtos, dentre muitos outros, contam com controle e fiscalização do SUS. Com a sua visibilidade na pandemia, as pessoas talvez passem não somente a valorizá-lo, como a compreender o conceito de saúde.

Muitos alegam – sem o conhecer e achando que podem opinar – que o SUS conta com recursos suficientes e que seu problema é a má gestão. Se o Brasil que aplica 3,9% do PIB em saúde pública, ou seja, por volta de R$1.300,00 per capita ano, gasta mal, imaginem como gastam mal países como Reino Unido, Canadá, Espanha, Itália que aplicam mais de 8% do PIB, com uma população inferior a 66 milhões de pessoas e elevado PIB, para garantir os mesmos serviços. Devem ser perdulários, se bastam 3,9% do PIB e boa gestão. Ou o Brasil faz muito com pouco, pelo pouco que tem, ou esses países gastam muito mal.

O SUS tem problemas de gestão e eles decorrem da administração pública brasileira que até hoje não atacou as suas causas, como descumprir planejamentos; não avaliar a gestão pelos seus resultados e qualidade; não informatizar; falta de investimento em capacitação técnica; excesso de cargos de confiança preenchidos sem conhecimento técnico adequado; excesso de normativas desnecessárias; desconsideração do tempo na prestação de serviços.

Os planejamentos de fachada, que se repetem como receita de bolo, sem lastros com as realidades, descumpridos, descolados do orçamento. As políticas públicas de saúde, que são 47, conforme norma de consolidação das portarias do Ministério da Saúde (MS), são cumpridas?

A Covid-19 evidenciou parte desses problemas como a demora no processo de habilitação de leitos, a baixa execução orçamentária dos recursos extraordinários, a demora nos processos de compra. Há problemas que afetam o SUS há anos, como a centralização federal, com seus programas que pautam igualmente realidades assimétricas, gerando planos de saúde de gaveta, quando esses deveriam ser o retrato das necessidades de saúde locais e regionais.

Um sistema regionalizado constitucionalmente que se ressente da falta de verdadeiras regiões de saúde capazes de atender 90% das necessidades de saúde; o baixo protagonismo estadual para definir junto com seus municípios, o planejamento em acordo às realidades regionais, priorizando a superação dos vazios assistenciais.

Por que os leitos e outros serviços devem ser habilitados na esfera federal quando o SUS é descentralizado? Ao tempo em que o MS não cumpre com suas atribuições como as de identificar nacionalmente os níveis de saúde da população e suas determinantes sociais; participar da formulação de políticas que interferem com a saúde como meio ambiente, nutrição, saneamento etc.

Ao MS cabe atuar em âmbito nacional, como nos serviços de informações saúde; na avaliação da qualidade dos serviços e desempenho nacional; na satisfação do usuário; na avaliação dos indicadores de saúde, e metas nacionais; na transferência de recursos em acordo ao disposto no art. 17 da LC 141, de 2012 (e não em acordo a oferta de serviços); em investimentos em ciência e tecnologia em saúde, dentre outros.

Se o país é uma Federação e compete aos estados e municípios cuidar da saúde da população – que o STF entende ser um regime de responsabilidades solidárias – contraria os princípios federativos essa submissão dos entes subnacionais ao ente federal, fundado na transferência de recursos.

Ou o SUS passa a ser um sistema organizado em região de saúde, sob a coordenação do estado com o conjunto de seus municípios, ou continuará centralizado, com pesadas estruturas de definição de processos, procedimentos, normativas, controles do MS e outros que não cabem em um sistema descentralizado.

Na realidade, o MS trouxe para si processos administrativo-financeiros do extinto Inamps, que atuava centralizadamente na prestação de serviços médico, ambulatoriais, hospitalares prestados aos trabalhadores previdenciários. O SUS mudou. Tem outra concepção, forma, organização, assim como o conceito de saúde. É preciso fortalecer o papel do Estado-membro, com o MS assumindo as suas atribuições de caráter nacional. O adequado equilíbrio federativo ainda não foi encontrado no SUS, pendendo a balança para a centralização, que ainda mora na casa nova.

Na pandemia, infelizmente, o MS não assumiu o seu papel de coordenação nacional, que lhe cabe prioritariamente, na forma do disposto na Lei 8080, que impõe à União a execução de vigilância epidemiológica e sanitária na ocorrência de agravos inusitados à saúde, que possam escapar do controle da direção estadual do Sistema Único de Saúde (SUS) ou que representem risco de disseminação nacional.

Importante aproveitar essa crise para rever o papel dos entes federativos na gestão compartilhada do SUS rumo à verdadeira descentralização político-administrativa e equilíbrio federativo.


Lenir Santos, advogada, doutora em Saúde Pública pela Unicamp, professora colaboradora do Departamento Saúde Coletiva Unicamp e presidente do Instituto de Direito Sanitário – IDISA.




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