Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

Editores Chefes
Áquilas Mendes
Francisco Funcia
Lenir Santos

Conselho Editorial
Élida Graziane Pinto
Marcia Scatolin
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado

ISSN 2525-8583



Domingueira Nº 46 - Dezembro

Domingueira da Saúde

A Revista Eletrônica Domingueira da Saúde está publicando artigos sobre O SUS NA PROXIMA DÉCADA, de diversos autores, contribuição para os debates eleitorais e futuras políticas públicas sanitárias.



Judicialização da saúde: como pensar o futuro

Por Clenio Jair Schulze


A judicialização da saúde é uma das formas de concretização do direito da saúde, contudo, também se transformou em um nicho de mercado, em que interesses próprios atuam com finalidades específicas.

Assim, considerando o novo cenário de gestão federal no Sistema Único de Saúde - SUS, é preciso indicar medidas para pensar a judicialização em favor da sociedade e da Constituição da República Federativa do Brasil.

Neste sentido, são apontadas algumas sugestões voltadas à qualificação e ao controle da judicialização da saúde:

1º Conciliação e/ou mediação obrigatórias: a conciliação e a mediação também são instrumentos de acesso à Justiça. Assim, é preciso avançar no uso destes meios adequados de resolução de conflitos. São úteis, por exemplo, para verificar se há algum tratamento alternativo ao judicializado. Em caso de obstinação terapêutica também é possível substituir por tratamento paliativo, a fim de conferir dignidade à pessoa. Ou seja, é necessário fomentar a resolução extrajudicial dos litígios.

2º Maior interação entre SUS e Judiciário: a magistratura precisa conhecer a estrutura e o funcionamento do SUS: a) a atuação da CONITEC; b) como funciona a regulação e as listas de espera; c) como é debatido o orçamento da saúde e a alocação de recursos; d) como é a relação entre o SUS e o mercado de saúde. São exemplos para permitir maior deferência judicial e mais transparência na gestão da saúde.

3º Natjus digital: o NatJus é um instrumento consolidado no Poder Judiciário (é um núcleo que apoia a magistratura na emissão de notas técnicas sobre tratamentos judicializados). Mas é preciso avançar na sua qualificação, com a ampliação dos serviços, melhoria das notas e pareceres técnicos. Além disso, um sistema digital, a superar o modelo analógico, que permita consulta sobre evidências em saúde em tempo real traria enormes avanços na judicialização da saúde.

4º Desfecho clínico judicial: o grande desafio da prestação de saúde é encontrar o melhor desfecho clínico. Neste ponto, é preciso entregar valor à sociedade, no sentido de gastar o orçamento com qualidade, produzindo resultados satisfatórios. Isto ainda não foi alcançado no processo judicial, razão pela qual há espaço para melhorias na relação entre desfechos clínicos e desfechos judiciais decisórios.

5º Definir a responsabilidade dos entes públicos: muitos casos são judicializados porque não houve acerto entre União, Estados e Municípios em relação à responsabilidade de cada ente público. Assim, é preciso dar mais relevância para a CIT (Comissão Intergestores Tripartite), inclusive com a assunção das atribuições nos termos preconizados no federalismo sanitário.

6º Fomento a novas práticas de gestão e a novas tecnologias (healthtechs): como forma de reduzir a judicialização da saúde é preciso a adoção de práticas regulatórias inovadoras, como o sandbox (Lei Complementar 182/2021), para testar novas experiências e fomentar pesquisa e desenvolvimento pelo Sistema de Justiça e pelos Sistemas de Saúde (Pública e Suplementar).

7º Criação de mecanismos de controle pós processual: o cidadão é paciente do sistema de saúde (e não pode ser paciente do Judiciário). Assim, é importante o controle do caso após o término do processo judicial, a fim de verificar se o tratamento foi eficaz e se houve aplicação adequada dos recursos. Avaliar também a possibilidade de utilização de órgão ou câmara voltada para acompanhar a execução e o cumprimento da decisão judicial.

8º Ampliação dos poderes das agências de avaliação de tecnologias: é preciso permitir que CONITEC e ANS tenham poderes para expedir decisões liminares, com a inclusão ou não inclusão de novas tecnologias no rol do SUS ou no rol da ANS. Muitas vezes é moroso o processo de avaliação de novas tecnologias em saúde. Com a criação de um sistema fast track, por exemplo, seria possível resolver (deferir ou indeferir) os pedidos com maior celeridade. A decisão serviria de base para o Poder Judiciário analisar os casos judicializados, com mais robustez no campo científico.

9º Fomentar o SUS: muitos posicionamentos judiciais são adotados em desacordo com os ditames regulatórios do SUS (às vezes por desconhecimento). Portanto, é importante mais divulgação sobre as boas práticas em saúde. O SUS é o maior programa mundial de acesso universal à Saúde. Além disso, ampliar o investimento em saúde também significa reduzir potencialmente a judicialização e permitir mais desenvolvimento social.

10º Praticar o Constitucionalismo Sanitário: A Constituição da República Federativa do Brasil é uma Constituição da Saúde, uma Constituição Sanitária! A saúde está presente 72 vezes no texto da Constituição! Isto representa muito! São vários os dispositivos que consagram a saúde, diretamente (artigo 6º, artigos 196 a 200) ou indiretamente (artigo 1º, artigo 3º, artigo 170). Assim, cabe ao Estado (Legislativo, Executivo e Judiciário) fomentar a Constituição, concretizando o direito da saúde da forma mais ampla possível.

Como se observa, são medidas que podem auxiliar a pensar a judicialização da saúde do futuro.


CLENIO JAIR SCHULZE, Doutor e Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí - Univali. Pós Graduado em Justiça Constitucional e Tutela Constitucional dos Direitos pela Universidade de Pisa/IT. Professor da Escola da Magistratura Federal de Santa Catarina ESMAFESC. Professor da Escola da Magistratura do Estado de Santa Catarina ESMESC. Membro do Comitê de Saúde do Fórum da Saúde do Conselho Nacional de Justiça. Juiz Federal em SC. Foi Juiz Auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça CNJ (2013/2014). Autor do livro Judicialização da Saúde no Século XXI (2018) e coautor do livro Direito à Saúde (2019).




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