Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

Editores Chefes
Áquilas Mendes
Francisco Funcia
Lenir Santos

Conselho Editorial
Élida Graziane Pinto
Marcia Scatolin
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado

ISSN 2525-8583



Domingueira Nº 47 - Dezembro

Índice

  1. O que esperar do SUS nos próximos anos - por Carmino de Souza

O que esperar do SUS nos próximos anos

Por Carmino de Souza


Foto: Freepik

Sempre que temos um processo eleitoral, temos nossas esperanças renovadas de que novos e melhores tempos possam vir para a Saúde Pública, consequentemente, ao nosso SUS. Neste momento em particular onde estamos ainda convivendo no que podemos chamar de a maior crise sanitária dos últimos 100 anos, com toda a sua gravidade e dramaticidade, arrefecida, mas não terminada, fica a pergunta: como será nosso futuro na saúde pública em curto, médio e longo prazo. Muitos estudiosos de várias especialidades e profissões, todas elas ligadas à saúde pública têm debatido o assunto e opinado sobre o que virá e como faremos para ultrapassar estas dificuldades.

O Instituto de Direito Sanitário Aplicado (IDISA), com sede no município de Campinas e que há mais de quinze anos traz estes debates todas as semanas através de sua publicação semanal “Domingueira da Saúde Gilson Carvalho”, lançou a seus colunistas o desafio de discutir e propor as medidas que deverão ser desenvolvidas nos próximos dez anos. Gostaria de abrir um espaço para fazer um tributo a este grande médico, homem e defensor incondicional do SUS que foi Gilson Carvalho. Gilson, foi um dos fundadores do IDISA e criador da “Domingueira da Saúde” dentre as infinitas ações que fez em favor do SUS. Faz muita falta! Serão dez artigos que se iniciaram em outubro e irão até o final deste ano de 2022. Mas, independentemente dos conteúdos que serão oportunamente disponibilizados, creio que foi uma excelente ideia de os editores abordarem as várias faces dos problemas e projetos no âmbito do SUS.

Neste artigo vou assinalar alguns pontos que julgo importantes para os próximos anos, com especial destaque ao próximo governo, apenas eleito. Apesar de termos dezenas de temas que poderiam ser aqui discutidos, destacarei quatro que julgo serem fundamentais dentro, obviamente, de minha ótica de onco-hematologista e gestor de saúde pública: financiamento do SUS; regionalização do SUS, o enfrentamento do câncer no âmbito do SUS; apoio incondicional às indústrias da saúde tais como o Instituto Butantan e Fiocruz.

1- Financiamento do SUS: Certamente o SUS está subfinanciado com um progressivo “desfinanciamento” nas últimas décadas principalmente por parte do Governo Federal. Apesar do país aplicar 9% de seu PIB em Saúde, apenas 4,8% são recursos públicos. Os recursos restantes vêm da atividade privada, principalmente, das aplicações das famílias em planos de saúde ou em gastos diretos. Devemos elevar este % para, pelo menos, 6% do PIB que são os valores de muitos países através do mundo (todos da OCDE), incluindo nossos vizinhos que, como todos sabem, tem uma riqueza muito inferior à nossa. Dispositivos constitucionais e legais definiram o % de alocação orçamentária em saúde dos Estados e Municípios, mas, nunca isto foi definido para o Governo Federal, isto é, o Ministério da Saúde. O teto de gastos, incluindo a EC95, pioraram a situação pois congelaram os recursos federais por 20 anos. O SUS não suportará isto;

2- Regionalização da Saúde: Um fato que sempre me intrigou é porque o Brasil não tem uma instância de poder regional como a maioria dos países da Europa e mesmo os Estados Unidos da América. Não havendo esta instância de poder e gestão no pacto federativo, este elo da corrente de responsabilidades no SUS tem sido frágil e sem uma organização única e eficiente. Vemos que os municípios podem e tentam se organizar em várias modalidades tais como os “consórcios” intermunicipais; as regiões metropolitanas que buscam ocupar este espaço em algumas regiões do país, as comissões inter-gestoras regionais, parte ativa da organização do SUS e que buscam administrar, porém sem força orçamentária e/ou política, etc., etc. Entretanto, nenhuma delas, assim como outros modelos, têm poder ou atribuições claras quanto a governança e organização da saúde em nível regional. Este é um tema dificílimo pois não existem definições legais ou normativas para que isto seja equacionado;

3- Enfrentamento do Câncer: Tenho defendido sempre e onde posso que o Brasil precisa de um “Programa Nacional de Enfrentamento do Câncer” ligado ao Ministério da Saúde à semelhança de outros programas vitoriosos existentes no âmbito do SUS. Além disto, tenho defendido a criação de Centros Integrados de Câncer distribuídos pelo país, a organização de redes de câncer e uma total revisão das práticas de financiamento que possam respeitar a evolução da área e as incorporações de novos procedimentos diagnósticos e terapêuticos. Temos que trabalhar pela equidade na área e promover o acesso com qualidade esteja onde estiver o paciente com câncer em território nacional;

4- Indústrias da Saúde: Durante a pandemia vimos a nossa absoluta dependência e vulnerabilidade na área da saúde. Para que isto possa ser mitigado, precisamos um projeto robusto, de estado, plurianual para desenvolvermos cada vez mais nossos grandes produtores de fármacos, imunobiológicos, hemoderivados e produtos celulares (como as Car-T-Cells). O país precisa retomar o protagonismo na produção de fármacos para as chamadas doenças negligenciadas, drogas “clássicas” onde não há interesse das casas farmacêuticas, produção de IFAs de produtos fundamentais como as vacinas, dentre muitos outros produtos fundamentais a segurança sanitária do país.

É claro que este é um tema fundamental e que voltarei a ele em textos subsequentes pela sua importância e pela conjuntura de termos um novo governo que, esperamos, tenha uma visão mais ambiciosa em relação a saúde pública.

A pandemia nos ensinou que não podemos ficar passivos aguardando a próxima crise.


Carmino Antônio de Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020. Atual secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo.


Fonte : Horacampinas 28 de novembro de 2022




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