Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

Editores Chefes
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Francisco Funcia
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Conselho Editorial
Élida Graziane Pinto
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado

ISSN 2525-8583



Domingueira Nº 50 - Dezembro 2020

Índice

  1. Boletim Cofin/CNS 2020/12/02 - por Francisco R. Funcia, Rodrigo Benevides e Carlos Ocke
  2. Conflitos de interesse na judicialização da saúde: reflexões a partir da bioética de proteção - por Tarsila Costa do Amaral

Boletim Cofin/CNS 2020/12/02

Por Francisco R. Funcia, Rodrigo Benevides e Carlos Ocke



































Francisco R. Funcia, Mestre em Economia Política pela PUCSP, Professor e Coordenador-Adjunto do Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura da USCS e Consultor Técnico do Conselho Nacional de Saúde.

Rodrigo Benevides, Economista (UFRJ) e mestre em Saúde Coletiva pelo IMS/UERJ.

Carlos Ocké, Economista e Vice-Presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde - ABrES.



Conflitos de interesse na judicialização da saúde: reflexões a partir da bioética de proteção

Por Tarsila Costa do Amaral


Introdução

O desenvolvimento das tecnologias em saúde no mundo moderno tornou urgentes as discussões sobre sustentabilidade dos sistemas universais de saúde. A saúde moderna é custosa e, em geral, inacessível para as camadas mais pobres da população (SOARES; SHIMIZU; GARRAFA, 2017). Mesmo para aqueles indivíduos cuja condição financeira possibilita acesso razoável às necessidades básicas de saúde, é impossível arcar com o custo de tratamentos altamente especializados, inovadores e sem eficácia estatisticamente relevante.

No Brasil, as pressões exercidas pelo mercado farmacêutico sobre a classe médica, população e governos, por ações de marketing e financiamento de eventos de educação e pesquisa, somadas a alta precificação da medicina, preocupam a comunidade acadêmica e os profissionais de saúde (DOMINGOS NETO; BAJERL; SERODIO, 2016); (MARQUES FILHO, 2010).

O alto custo em saúde afeta de forma mais contundente os países em desenvolvimento, em especial aqueles que reconhecem o direito à saúde como direito fundamental e cujo ordenamento jurídico permite sua judicialização (FLOOD; GROSS, 2014), como é o caso do Brasil. Na última década, a judicialização da saúde cresceu exponencialmente, segundo dados publicados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ, 2018).

Em meio a um cenário de desfinanciamento da saúde pública e forte ativismo judicial (CAMARGO, 2017), a estreita relação entre a medicina e o mercado produz conflitos de interesse que refletem no perfil da judicialização da saúde no Brasil, já que estes conflitos não estão restritos aos consultórios e congressos médicos. Prescrições médicas realizadas pela orientação de propagandistas são hoje objeto de apreciação do Judiciário por meio da judicialização da saúde e têm influenciado a jurisprudência majoritária sobre o assunto (SOARES; DEPRÁ, 2012a).

Conflitos de interesse são uma realidade na prática médica. Há conflito de interesses quando um prescritor indica determinado medicamento ao paciente imbuído pelo sentimento de retribuição à indústria farmacêutica que financiou sua participação em congresso médico, assim como quando o prescritor inclui pacientes em pesquisa visando a desfechos específicos para o estudo sob sua condução (RODWIN, 2018). Em resumo, há conflito de interesse quando um profissional médico toma uma decisão, influenciado por um interesse secundário,sobreposto ao interesse primário da prática médica que é o bem-estar do paciente ou a não-maleficência (RODWIN, 2018).

O reconhecimento da existência desses conflitos conduz a reflexão sobre o tema, não apenas sob o aspecto ético deontológico presente nos códigos de ética médica, voltado à moralidade com que atuam os profissionais, mas a partir da bioética de proteção, mais abrangente e preocupada com os desafios enfrentados pela sociedade moderna, realidade na qual estes profissionais estão inseridos (MARQUES FILHO, 2010).

Objetivo

Este trabalho teve como objetivo compreender a influência do mercado farmacêutico na assistência médica e sua repercussão na judicialização da saúde no Brasil, a partir de reflexões no campo da bioética de proteção.

Metodologia

A metodologia utilizada foi a revisão narrativa de literatura (ROTHER, 2007), a partir da base de dados disponíveis na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS Saúde), com os seguintes termos de busca: conflitos de interesse, bioética de proteção, ética médica, acesso a medicamentos, judicialização da saúde, desigualdades em saúde. Foram selecionados artigos com enfoque nos conflitos de interesse decorrentes da relação entre médicos e a indústria farmacêutica e trabalhos voltados a reflexões bioéticas acerca da mercantilização da vida e judicialização da saúde.

Paralelamente, foram realizadas leituras dos julgados proferidos em Recurso Especial Repetitivo (REsp Repetitivo) n. 1657156 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Recursos Extraordinários n. 657718 e n. 855178 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), decisões que consolidaram jurisprudência sobre o tema e definiram critérios para a concessão de ordens judiciais para fornecimento de tratamentos em saúde pelo Estado.

Atuação médica e mercado farmacêutico

O mercado farmacêutico é um dos setores que mais lucra no mundo globalizado e seus ganhos financeiros crescem ano a ano. Um dos principais motivos que justificam esse crescimento é a promessa de inovação tecnológica. A mesma premissa é utilizada para explicar o altíssimo custo das novas tecnologias frente ao maciço investimento em pesquisa e desenvolvimento. Contudo, pesquisas denunciam que a indústria gasta muito mais com ações de marketing e administração do que com pesquisas para o desenvolvimento de novos medicamentos (SOARES; DEPRÁ, 2012b); (GØTZSCHE, 2016).

A atuação da indústria farmacêutica não está restrita apenas às ações de propaganda, seja em anúncios veiculados pela imprensa, seja pela abordagem de propagandistas ou representantes farmacêuticos junto aos prescritores. Os laboratórios passaram a investir em eventos de educação médica, na graduação, pós-graduação e educação permanente e continuada destes profissionais (CAMPOS NETO; GONÇALVES; ANDRADE, 2018). Congressos, incluindo transporte e hospedagem, produção de palestras com renomados profissionais ou acadêmicos denominados speakers ou opinion makers, seguidas de jantares, inserção de matérias em periódicos científicos, além do financiamento de pesquisas, são algumas das estratégias que extrapolam restrito ambiente dos consultórios médicos (SOARES; DEPRÁ, 2012b).

Pesquisas publicadas sobre o tema (CAMPOS NETO; GONÇALVES; ANDRADE, 2018; DOMINGOS NETO; BAJERL; SERODIO, 2016; MARQUES FILHO, 2010; NETO et al., 2012; SOARES; DEPRÁ, 2012b) alertam sobre os conflitos de interesse envolvendo a atuação médica e a alta medicalização das pessoas (MARQUES et al., 2019).

Os processos educacionais e pesquisas financiadas pela indústria podem apresentar dados enviesados e resultados seletivos que visam ao favorecimento de novas tecnologias em relação a fármacos comercializados a mais tempo e que já não têm potencial para reverter grandes lucros às empresas (NWOBIKE, 2006)(GØTZSCHE, 2016). No campo da judicialização da saúde, as informações médicas juntadas aos processos raramente estão associadas aos processos de avaliação de tecnologias em saúde (ALMEIDA; INFANTOSI, 1998)(TRINDADE, 2013), o que resulta em decisões judiciais distanciadas dos princípios da saúde baseada em evidências (DIAS; DA SILVA JUNIOR, 2016).

Outro fator relevante é que, via de regra, as ações de propaganda de medicamentos direcionadas aos médicos não costumam enfatizar o lado negativo das inovações, como as insignificâncias estatísticas de superioridade do medicamento ou seus efeitos adversos (ABDALLA; CASTILHO, 2017). Além disso, o setor farmacêutico tem se mobilizado para participar ativamente da construção de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas para o cuidado de determinadas patologias com vistas a comercialização de medicamentos correlatos (MARQUES FILHO, 2010).

Importante destacar que boa parte das ações de promoção de novas tecnologias implementadas pela indústria farmacêutica são direcionadas a um público específico: os médicos. Sem a atuação médica não há possibilidade de lucro e não há embasamento para ações judiciais (BARROS, 1983)(SAH; FUGH-BERMAN, 2013).

O protagonismo médico na judicialização da saúde

Historicamente, a sociedade concedeu à medicina um lugar central nos modelos de atenção à saúde focados no corpo são e na ausência de doenças. Na modernidade, há integração da medicina com a política, contexto no qual o médico adquire o poder do soberano, pois passa a ter legitimidade para decidir sobre “o valor ou o desvalor da vida” (RIBEIRO; FERLA, 2016, pág. 302). Essa centralidade agrega poder ao ato médico e é reproduzida pelo Judiciário em suas decisões, criando uma espécie de “ilimitabilidade de competência” do prescritor, distanciando-se de um modelo de atenção integral à saúde onde a interdisciplinaridade é ponto focal na produção de cuidado (GADELHA, 2014, pág. 68)(RIBEIRO; FERLA, 2016).

O saber médico como fator preponderante na tomada de decisões terapêuticas é admitido pelo Judiciário como suficiente no tocante à comprovação do melhor tratamento disponível. A declaração do médico assistente é imprescindível e deve conter a afirmação de que os medicamentos disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS) têm eficácia inferior à droga prescrita. Vale dizer que raramente observa-se nesses processos judiciais qualquer análise sob o ponto de vista da avaliação de tecnologias em saúde (ATS) ou a menção, pelo médico prescritor, à determinada revisão sistemática ou meta-análise comparando o medicamento pleiteado ao medicamento disponível no SUS. Não se observa nos laudos médicos apresentados pelos demandantes ao Judiciário esse tipo de fundamentação científica afeita ao campo da saúde baseada em evidências, tampouco esta fundamentação é cobrada por parte dos magistrados (MARQUES et al., 2019).

O protagonismo médico na judicialização da saúde, aliado às ações agressivas de marketing da indústria farmacêutica, pode estar produzindo decisões judiciais enviesadas e dissociadas dos princípios constitucionais do SUS.

Quando se fala em inovação tecnológica e alto custo de medicamentos, em um país que está entre os 10 maiores consumidores do mundo, e onde Estado arca com cerca de 70% dos gastos com a compra destes produtos (SOARES; DEPRÁ, 2012b), é importante destacar que

cada sistema de saúde se desenvolve em um ambiente de constante ampliação tecnológica e de aumento de custos, conjuntamente com as necessidades de saúde que são crescentes e mais amplas que as possibilidades de recursos existentes (FORTES, 2008, pág. 28).

Se o SUS tem uma oferta definida prevista na legislação que o regulamenta, que pressupõe processos de avaliação e incorporação de tecnologias em saúde, protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas definidos para os agravos em saúde, assim como limites orçamentários, espera-se que o Judiciário decida com alinhamento à política pública, com respeito à universalidade e à equidade. Não há ilimitabilidade de saberes, assim, a opinião do médico assistente deve ser confrontada com as evidências científicas de alto rigor metodológico disponíveis como contraponto. No Brasil, a judicialização da saúde tornou-se uma via de acesso a tratamentos de alto custo, indisponíveis nas ofertas do SUS, e a tratamentos padronizados, mas de oferta insuficiente ou ineficiente no sistema (CATANHEIDE; LISBOA; DE SOUZA, 2016).

As pluralidades locais do SUS dificultam a consolidação de um perfil da judicialização da saúde no Brasil. Sabe-se, por exemplo, que o acesso à justiça está diretamente relacionado aos níveis de escolaridade e faixas de rendimento mensal domiciliar per capita e que as características socioeconômicas de determinada população são prediletoras do acesso à justiça, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra por Domicílios (PNAD,2009) analisados por Oliveira e Cunha (OLIVEIRA; CUNHA, 2016).

Nesse cenário, o Judiciário consolida a jurisprudência nos anos de 2018 e 2019 pelos julgamentos do REsp. Repetitivo n. 1657156 e dos Recursos Extraordinários n. 657718 e n. 855178, que definiram limites mais objetivos para a concessão de ordens judiciais relacionadas à responsabilidade do Estado pelo fornecimento de tratamentos de saúde à população.

No REsp. Repetitivo n. 1657156, o STJ estabeleceu três requisitos objetivos e cumulativos (Tema 106) que são:

[...] (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro na ANVISA do medicamento.

O primeiro requisito trata da comprovação por laudo médico fundamentado e circunstanciado que ateste a imprescindibilidade ou necessidade do medicamento e da ineficácia da terapêutica já disponível no SUS. O Judiciário sedimenta o laudo médico como documento fundamental para orientar as decisões judiciais sobre o tema.

A judicialização agrava os problemas de financiamento do SUS, agregando custos ao orçamento da saúde (MAZZA; MENDES, 2014) para atendimento de uma população específica cujo perfil ainda não se conhece a fundo (CATANHEIDE; LISBOA; DE SOUZA, 2016); (CNJ; INSPER, 2018).

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo proferiu quase 50% das decisões judiciais sobre o direito à saúde entre os anos de 2008 e 2017 (CNJ; INSPER, 2018). A maioria das ações trata do fornecimento de medicamentos não padronizados pelo SUS, prescritos em instituições privadas (CHIEFFI; BARATA, 2009)(TOMA et al., 2017)(ARAÚJO, 2018) e a maior parte das decisões judiciais não menciona as listas padronizadas em sua fundamentação (CNJ; INSPER, 2018).

Com base nesses dados, é possível concluir que a judicialização da saúde favorece o acesso a medicamentos não incorporados, em geral, de custo mais elevado e para uma parcela restrita da população, já que a maioria das demandas são de natureza individual e não coletiva (CNJ; INSPER, 2018). Para cada nova ação judicial proposta há, necessariamente, uma prescrição, ato exclusivo do médico. Se houver conflitos de interesse, tudo o que for produzido a partir daí estará maculado, inclusive as decisões judiciais embasadas nessas prescrições.

Contribuições da bioética de proteção na discussão dos conflitos de interesse na assistência médica

A Lei n. 8.080/1990 instituiu o SUS a partir de princípios constitucionais que visam à universalidade da cobertura e ao atendimento integral com equidade, alinhados ao pilar da justiça social e distributiva. O financiamento inadequado e os problemas de gestão, ao longo dos anos, produziram lacunas assistenciais no SUS dando margem à atuação do Poder Judiciário nesse contexto (ARREGUY; SCHRAMM, 2005). A judicialização indiscriminada de tratamentos de saúde agrava esse cenário e favorece apenas parcela da população. Com isso, há um afastamento do princípio da equidade do SUS e, por consequência, o aumento das desigualdades em saúde no Brasil (ACOSTA et al., 2019)(CAMARGO, 2017).

Como visto, a influência dos mercados farmacêutico e biomédico na assistência médica produz conflitos de interesse e eleva os custos em saúde com o cumprimento de ordens judiciais. Estes conflitos atuam negativamente na diminuição das desigualdades em saúde, portanto, é preciso rediscutir a prática médica, a moralidade na conduta dos profissionais e a sensibilização destes quanto aos reflexos sociais decorrentes de sua atuação assistencial (MARQUES FILHO, 2010).

A discussão ética dos conflitos de interesse na atuação médica diz respeito à moral profissional e ao princípio bioético da não-maleficência, mas não só. A abordagem pela bioética de proteção preocupa-se em garantir que estes profissionais pratiquem a medicina considerando a implementação de “políticas públicas de saúde moralmente legítimas, socialmente justas (equitativas) e respeitosas dos Direitos Humanos” (SCHRAMM, 2017, pág. 1531). Deve haver moralidade das práticas sanitárias e alinhamento entre as ciências da vida e da saúde às ciências humanas e sociais, a partir das premissas de universalidade, integralidade e equidade, princípios estruturantes do SUS (SCHRAMM, 2017) (ARREGUY; SCHRAMM, 2005). Em outras palavras,

[...] a Bioética da Proteção pode ser entendida como a parte da ética aplicada constituída por ferramentas teóricas e práticas que visam entender, descrever e resolver conflitos de interesses entre quem tem os meios que o "capacitam" (ou tornam competente) para realizar sua vida e quem, ao contrário, não os tem (SCHRAMM, 2017, pág. 16).

A bioética da proteção defende que as ações de saúde sejam direcionadas a partir da priorização de recursos, em ampla discussão com a sociedade, àqueles que mais precisam ou às pessoas mais vulneráveis, seja pelas vulnerabilidades naturais, seja pelas vulnerabilidades causadas pelas desigualdades sociais vivenciadas. A indicação de novas tecnologias deve passar pela compreensão dos contextos sociais nos quais os pacientes estão inseridos. Deve haver maior envolvimento da classe médica com as questões de saúde coletiva, principalmente quando os profissionais estiverem atuando no SUS. (ARREGUY; SCHRAMM, 2005).

Nesse sentido, a ética deontológica que trata da relação médico-paciente não esgota a discussão sobre as consequências das decisões terapêuticas por um medicamento inovador, cujo custo inviabiliza o acesso. Nesses casos, a saúde baseada em evidências deve nortear a tomada de decisão, seja sobre a indicação, seja sobre a incorporação da tecnologia.

Considerações finais

Os laudos médicos levados à justiça estão atravessados por conflitos de interesse existentes nas interações entre a classe médica e a indústria farmacêutica, na formação, pesquisa e prática médica. Esse contexto leva a decisões terapêuticas e judiciais enviesadas e dissociadas dos ideais de justiça distributiva e da equidade.

A bioética de proteção atua na proteção das populações mais vulneráveis e é ferramenta teórica apta à rediscussão das práticas médicas de modo a garantir que a tomada de decisão terapêutica esteja alinhada com a realidade social em que estas populações estão inseridas. O Poder Judiciário deve preocupar-se em verificar a existência de conflitos de interesse nas prescrições levadas à sua apreciação para evitar a perpetuação de injustiças que agravam ainda mais os problemas estruturais do SUS.

A atuação judicial que favorece interesses de mercado e dá acesso indiscriminado a medicamentos de alto custo para uma pequena parcela da população não garante ampliação de acesso e não promove justiça social, contrariando o que recomenda a bioética de proteção nesse contexto.


Tarsila Costa do Amaral – Mestrado em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual de Campinas; especialização em Direito Sanitário pelo Instituto de Direito Sanitário Aplicado. Advogada. São Paulo/SP, Brasil. E-mail: tarsilacamaral@gmail.com.


Referências

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Fonte: Artigo publicado no Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário - CEPEDISA em 05/10/2020.




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