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19/Jan/2021

No momento não há vacina nem para metade dos profissionais da saúde, calculam especialistas


Edilson Dantas / Agência O Globo

RIO — A vacinação contra a Covid-19 começa no Brasil sem o mínimo de vacinas necessárias para os grupos de maior risco. Uma nota técnica de especialistas em saúde pública apresentada nesta segunda-feira estima em dez milhões de doses a quantidade mínima de vacinas contra a Covid-19 para proteger os profissionais de saúde.

Porém, com apenas seis milhões de doses garantidas — apenas as da CoronaVac —, o país não tem vacinas nem para a metade dos grupos da primeira fase. Pois, esta fase também inclui idosos com mais de 60 anos e pessoas com deficiências físicas internadas em instituições, além de indígenas em terras demarcadas.

— Temos um cenário de improviso e precariedade na vacinação contra a pandemia. Era obviamente para esse planejamento ter sido feito há meses. Se há correria é porque o Ministério da Saúde não fez o trabalho dele, de organizar em detalhes grupos e critérios e planejar a distribuição aos estados. Continuamos sem vacina num momento de expansão da pandemia — afirma Mário Scheffer, professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e autor da nota técnica “Vacinação prioritária contra Covid-19 para trabalhadores da saúde no Brasil”, emitida hoje pela Rede de Pesquisa Solidária, que reúne mais de 100 cientistas de várias instituições brasileiras.

Segundo ele, o Brasil é vítima da falta de doses e de planejamento por parte do Ministério da Saúde, das inconsistências do plano nacional de vacinação e do confronto com os governos estaduais, principalmente, o de São Paulo.

As dez milhões de doses estimadas somente para os profissionais de saúde superam as oito milhões de doses inicialmente previstas pelo Ministério da Saúde e que foram reduzidas a seis milhões devido a atrasos no cronograma da vacina da AstraZeneca/Oxford.

Fontes de informação são insuficientes

Na verdade, dizem cientistas, o governo federal nem sequer sabe exatamente quantos são os profissionais de saúde, o grupo prioritário, e quantos destes estão na linha de frente.

“As fontes de informações baseadas em vínculos formais de trabalho ou registros em conselhos profissionais são parâmetros insuficientes para o dimensionamento da vacinação e da definição de elegibilidade de profissionais da saúde a serem vacinados. Apesar da urgência, o país segue sem metas objetivas e prazos definidos e até mesmo sem saber quem são e quantos são os que compõem os grupos prioritários”, diz a nota técnica.

— Com isso, o país corre o risco de deixar de fora quem mais precisa da imunização seja para proteção individual, devido à altíssima exposição ao coronavírus, quanto para reduzir a chance de que transmitam a doença — afirma a sanitarista Ligia Bahia, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Segundo os cientistas, não existe nenhuma base de dados completa sobre os profissionais de saúde, designação vasta, que inclui de médicos e enfermeiros a pessoal de faxina, acolhimento e assistência social, dentre outras. Ou seja, várias categorias com níveis de risco distintos.

Em todos os cenários, faltam doses

Há pelo menos quatro grandes bases: Contas Nacionais/IBGE e Relação Anual de Informações Sociais (RAIS); Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – Pnad Contínua/IBGE; Conselhos Profissionais e Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). Porém, em todas, o número de profissionais e, logo, o de doses, necessárias excede o de vacinas disponíveis.

Scheffer destaca que a estimativa de cinco milhões de profissionais (e, assim, dez milhões de doses) é a mais conservadora possível. Em todos os cenários, faltam vacinas.

Bahia observa que, no caso da CoronaVac, única vacina disponível até o momento, a situação é ainda mais complexa porque são necessárias duas doses num intervalo de 21 dias, e não há na bula do imunizante qualquer alusão de que a segunda dose possa ser adiada sem que prejuízo à eficácia.

— É uma vergonha, um escracho. Assistimos uma distribuição aos trancos e barrancos, sem planejamento, num cenário de miséria de vacinas. Há vacinas somente para exibição política, mas não para a proteger a população de fato — enfatiza Bahia.

Especialistas recomendam que vacinação comece por profissionais do SUS

Os pesquisadores acrescentam que o plano de distribuição do Ministério da Saúde, baseado em dados populacionais, ameaça deixar cidades grandes como o Rio de Janeiro, sem vacinas para o pessoal da linha de frente.

O Brasil tem uma distribuição desigual de profissionais de saúde, sem proporcionalidade com a população de estados e municípios. Por exemplo, nada menos que 51% dos médicos estão concentrados no Sudeste.

E, como o Ministério da Saúde não planejou com o devido detalhamento como se daria a vacinação dos chamados grupos prioritários, estados e municípios correm para estabelecer critérios.

— Isso tudo já deveria estar planejado. Esse é o papel do Ministério da Saúde. Agora, os municípios estão sujeitos também à pressão política local, para fazer um papel de organizador de critérios que não é função deles — diz Scheffer.

Na falta de plano, os pesquisadores consideram o mais adequado começar a vacinação pelos profissionais que trabalham nos principais centros do SUS de atendimento à Covid-19.

— Infelizmente, já estamos vendo um início com uso político. No Rio, por exemplo, em vez de a vacinação começar no Corcovado, deveria iniciar do Hospital Municipal Ronaldo Gazolla, onde está quem precisa — diz Bahia.