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21/Out/2020

Para especialistas, subfinanciamento agrava desigualdade de acesso à saúde

Durante o webinar ‘Valor Fórum Acesso à Saúde’, também foram levantadas a burocracia para compra de itens e a judicialização do setor como fatores para essa desigualdade

A importância de se reduzir a desigualdade no acesso a medicamentos e tratamentos entre pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) e do setor privado, assim como a necessidade de construir um modelo sustentável de incorporação tecnológica, foi a tônica de debate no segundo painel do webinar ‘Valor Fórum Acesso à Saúde’, promovido nesta terça-feira (20). Segundo especialistas, aspectos como o subfinanciamento da saúde pública, a burocracia para compra de itens e a judicialização do setor são distorções que precisam ser enfrentadas e corrigidas para gerar mais equidade.

Psico-oncologista, especialista em Bioética, fundadora e presidente do Instituto Oncoguia, a médica Luciana Holtz afirmou que, apesar dos muitos avanços no campo do tratamento do câncer, o acesso aos medicamentos e procedimentos não se dá de forma igualitária. Para ela, essa desigualdade, que vem se aprofundando, se deve também à autonomia das unidades de saúde para definir os tipos de tratamento, o que reflete, de certa forma, as diferenças regionais e entre as instituições.

“No mundo da oncologia, vemos cada vez mais uma situação de ampliação da desigualdade”, disse ela, referindo-se às diferenças entre os pacientes da saúde suplementar (clientes dos planos privados), os que dependem do Sistema Único de Saúde, e mesmo dentro do SUS.

Na visão do secretário da saúde do Maranhão e presidente do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass), Carlos Lula, o baixo gasto federal com saúde pública – com repasses de recursos em queda nos últimos anos, o que eleva a pressão sobre Estados e municípios – é um dos fatores que impactam o acesso às novas tecnologias.

“Como vamos dar acesso às pessoas que precisam de medicamentos cada vez mais caros, se temos cada vez menos recursos para bancar?”, questionou ele, ressaltando que outros sistemas universais no mundo, parecidos com o do Brasil, gastam pelo menos o dobro de dinheiro com saúde pública.

Segundo Carlos Lula, a burocracia é outro fator que impacta o acesso aos medicamentos por pacientes que dependem do SUS, com impacto na gestão. “A compra na saúde pública é muito complexa”, ressaltou.

Para ele, a aquisição de medicamentos não pode ser comparada à de outros itens e deveria ser viabilizada por meio de um modelo redesenhado e específico. “Temos que pensar de fato num modelo que possa dar mais eficiência, mas ao mesmo tempo sem burocratizar tanto a compra, sobretudo nos pequenos municípios”, afirmou.

Procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, Elida Graziane Pinto apontou que o enfraquecimento dos órgãos reguladores – como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) – estão entre os fatores que levam às distorções no acesso aos tratamentos, estimulando a judicialização. Para ela, problemas orçamentários e gerenciais têm por trás outra questão, que é o descumprimento da política pública conforme foi definida na Lei Orgânica do SUS.

“A gente precisa de uma regra sendo obedecida por dentro da política pública, em caráter universal e impessoal”, disse Elida, também professora do Curso de Administração Pública da Fundação Getulio Vargas (EAESP-FGV).

“Por que a gente aposta tanto nas respostas de exceção, quando deveríamos fortalecer a lei ordinária e universal da política pública”, questionou.

Elida observou que as muitas decisões judiciais não contribuem para gerar equidade e ainda são antieconômicas. “A exceção deve servir de diagnóstico do déficit de cobertura da política pública”, afirmou.

Presidente da Casa Hunter e da Federação Brasileira das Associações de Doenças Raras (Febrararas), Antoine Daher pontuou que as dificuldades de acesso ocorrem porque ainda não há um amplo entendimento por parte da sociedade dos processos do SUS – tanto em relação à natureza da política pública quanto dos direitos.

“As regras para acesso ao medicamento existem e são estabelecidas após consulta pública. Nós sabemos que todos, pacientes e médicos, podem contribuir, com o objetivo de nortear a escolha do tratamento, e não dificultar”, afirmou.

“Agora, é claro, temos que entender que isso não significa que não temos dificuldades e que não precisamos modernizar a Conitec”, observou ele, referido às limitações e regras dentro da comissão que não atendem, hoje, doenças raras.

Para Daher, o debate dever ir além dos tratamentos medicamentosos, contemplando também equipes multidisciplinares e a reabilitação física. Ele ressaltou que governos do mundo todo, hoje, enfrentam um desafio comum: definir como incorporar novas tecnologias de forma sustentável. Segundo ele, essa definição requer amplo debate, envolvendo sociedade, órgãos reguladores, legisladores, indústria e comunidade científica para desenhar novos modelos.

Fonte: Publicação de 20 de outubro no site Valor Econômico