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04/Set/2020

Transferência de recursos do Ministério da Saúde para os municípios no âmbito do Programa Saúde na Escola para enfrentamento da Covid-19. Portaria MS n. 1.857, de 2020, alterada pela Portaria MS n. 2.027, de 2020; Decreto n. 6.286, de 2007, e Portaria Interministerial nº 1.055/MS/MEC, de 26 de abril de 2017.

REQUERENTE: Conselho de Secretários Municipais da Saúde do Estado de São Paulo (Cosemssp).

ASSUNTO: Transferência de recursos do Ministério da Saúde para os municípios no âmbito do Programa Saúde na Escola para enfrentamento da Covid-19. Portaria MS n. 1.857, de 2020, alterada pela Portaria MS n. 2.027, de 2020; Decreto n. 6.286, de 2007, e Portaria Interministerial nº 1.055/MS/MEC, de 26 de abril de 2017.

ANÁLISE JURÍDICA: A Portaria n. 1.857, de 2020, alterada pela Portaria n. 2.027, de 2020, dispõe sobre a transferência de recursos do Ministério da Saúde para os municípios, no âmbito do Programa Saúde na Escola, para o combate à Covid-19. Tal Programa está disposto no Decreto n. 6.286, de 2007 e na Portaria Interministerial n. 1.055/MEC/MS, de 2017.

A Portaria MS n. 2.027, de 2020, que alterou a Portaria MS n. 1.857, de 2020, define em seu art. 2º, que a destinação dos recursos financeiros deve ser para a “prevenção à COVID-19, conforme as normativas que regem a utilização dos recursos federais para as ações e os serviços públicos de saúde, orientações do Ministério da Saúde para enfrentamento à COVID-19 e as diretrizes do Programa Saúde na Escola”. As diretrizes sanitárias para a reabertura das escolas em geral foram dispostas pelo Ministério da Saúde; a utilização dos recursos federais para ações e serviços de saúde devem observar a Lei Complementar n. 141, de 2012; as diretrizes do Programa Saúde na Escola estão disciplinadas no Decreto e na Portaria interministerial aqui citadas. A utilização dos recursos financeiros, objeto das portarias ministeriais supra citadas, deve respeitar as normativas que regem o gasto com saúde e suas políticas, conforme disposto no art. 2º da Portaria MS n. 2.027, de 2020 e o Programa Saúde na Escola.

Em acordo ao Programa Saúde na Escola, as atividades que competem à saúde são de promoção e prevenção da saúde, não havendo atividades assistenciais de recuperação, que somente podem ocorrer nos serviços do SUS, nem a entrega de materiais médico-sanitários, insumos e equipamentos.

Contudo, a Portaria tem ensejado questionamentos, conforme referido pelo Cosemssp em sua consulta ao Idisa, em relação a compra e entrega às escolas de materiais como álcool em gel, máscaras de proteção facial, termômetros, conforme solicitado pelas escolas públicas, que escapam às finalidades previstas no Decreto e na Portaria Interministerial aqui referidas, por não se tratar de atividades orientadoras, que visam à prevenção de riscos à saúde, como palestras, orientações, comunicação, material orientativo, definição de diretrizes sanitárias e outras próprias do setor saúde.

Isso tem causado dificuldades na aplicação dos recursos transferidos, uma vez que essa exigência das escolas públicas às secretarias municipais de saúde não podem ser realizadas, por não se configurarem medida de proteção sanitária de responsabilidade da saúde, mas sim uma responsabilidade própria de todas as escolas em seu retorno às aulas, sejam elas públicas ou privadas, assim como de qualquer espaço com circulação de pessoas, como empresas, lojas, bares, restaurantes, órgãos públicos e privados.

A atividade de compra e fornecimento de material de proteção ao contágio da Covid-19 para as escolas públicas, não pode ser considerada como uma ação de saúde por ser uma atividade que compete a toda a sociedade na proteção do contágio do novo coronavírus, de modo indiscriminado. A escola, assim como todos os demais órgãos públicos, está obrigada a prover materiais de proteção à Covid-19 em seus espaços, não sendo uma ação própria da saúde, caracterizada como ato terapêutico. São medidas que a saúde recomenda ou exige, fiscaliza o seu uso, mas que devem ser providas por cada um, pessoas físicas ou jurídicas.

Nesse sentido, por não se tratar de uma ação ou serviço de saúde definida no artigo 3º da Lei Complementar n. 141, de 2012, como própria da saúde, não se deve utilizar recursos financeiros e humanos do SUS para a sua realização. Tal atividade se insere no âmbito da educação por estar abastecendo a escola com material de proteção aos alunos, professores, funcionários, assim como se procede com o fornecimento de qualquer outro material necessário à segurança e proteção de alunos e funcionários de modo geral, como material de combate ao incêndio, medidas de higiene, proteção contra acidentes, dentre outras. O que cabe à saúde é a orientação, definição de diretrizes e normas e a fiscalização.

O art. 2º da Lei Complementar n. 141, de 2012, reza:

Art. 2o Para fins de apuração da aplicação dos recursos mínimos estabelecidos nesta Lei Complementar, considerar-se-ão como despesas com ações e serviços públicos de saúde aquelas voltadas para a promoção, proteção e recuperação da saúde que atendam, simultaneamente, aos princípios estatuídos no art. 7o da Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, e às seguintes diretrizes:
I - sejam destinadas às ações e serviços públicos de saúde de acesso universal, igualitário e gratuito;
II - estejam em conformidade com objetivos e metas explicitados nos Planos de Saúde de cada ente da Federação; e
III - sejam de responsabilidade específica do setor da saúde, não se aplicando a despesas relacionadas a outras políticas públicas que atuam sobre determinantes sociais e econômicos, ainda que incidentes sobre as condições de saúde da população.

Claro está na redação do referido artigo, em especial em seu inciso III, que atividades relacionadas com outras políticas públicas, no caso as da educação, não podem ser consideradas como ação de saúde.

O Programa Saúde na Escola tem objetivos claros e específicos que se voltam para orientações que os profissionais de saúde devem promover nas escolas, fugindo desse escopo, prover a escola de materiais, sejam quais forem, de responsabilidade da área de educação no âmbito de suas políticas, estando todas elas nesse momento, obrigadas a cumprir as diretrizes da saúde no tocante ao seu funcionamento, como medida de prevenção do contágio do novo coronavírus.

Em síntese, fornecer material de proteção, como álcool gel, máscaras, termômetros à escola não é papel da saúde, mas sim da própria escola. Aquilo que não é considerado ação ou serviço de saúde não deve ser desenvolvido pela área da saúde e os recursos dispendidos não podem ser computados para o gasto mínimo em saúde, lembrando que a compra de material envolve pessoal, logística, todos com custos indiretos para a saúde.

Sabemos que o país vive uma situação de emergência sanitária em decorrência da pandemia da Covid-19 e todos estão engajados e devem desenvolver atividades voltadas para tal enfrentado, o poder público, a sociedade, as empresas, as pessoas; contudo deve-se observar, na área pública, as competências e atribuições de seus entes, entidades, órgãos, em consonância com o orçamento público e sua destinação. As ações desenvolvidas pela saúde devem ser aderentes às suas competências, planejamento e plano de saúde. Alias nenhum gasto com saúde pode estar fora de seu plano de saúde e no caso de uma pandemia deve haver um plano específico e emergencial para a orientar o gasto público. A conformidade entre o gasto público e as normas que o regem é imperativa.

Por fim, os municípios que receberam recursos da portaria em discussão devem elaborar um plano de ação para o seu gasto, voltado para o combate à Covid-19 no âmbito do Programa Saúde na Escola, conforme previsto no decreto e portaria interministerial que regem tal programa. Isso será utilizado na prestação de contas futura. Importante que as ações a serem desenvolvidas estejam previstas no Plano de Saúde Municipal, e consequentemente na Programação Anual de Saúde de 2020, alterando-a se necessário. Assim, a prestação de contas e monitoramento da utilização do incentivo financeiro será realizado no Relatório de Gestão e Relatórios Quadrimestrais (Relatório Detalhado do Quadrimestre Anterior).

Campinas, 18 de agosto de 2020.

Lenir Santos
Advogada OAB-SP 87807
Doutora em saúde pública pela Unicamp