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2016 – Domingueira da Saúde 032/2016 -COMPLEMENTO

 

COMPLEMENTO À DOMINGUEIRA 032/2016 –

 

DE 30/10/2016

 

 

Dada a complementariedade do tema tratado por Francisco Funcia, segue Domingueira completar a de n. 032/2016.

 

A “ÁRVORE DO SUS” NÃO SERÁ PRESERVADA SE A PEC 241 FOR APROVADA

 

COMENTÁRIOS AO ARTIGO “A ÁRVORE E O BOSQUE” DO DR. ANDRÉ MÉDICI

Francisco R. Funcia

 

O objetivo deste artigo é apresentar alguns comentários a respeito da argumentação favorável do Dr. André Médici em relação à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 241/2016, que fazem parte do artigo “A árvore e o bosque: o financiamento da saúde no Brasil e a PEC 241”, publicado no blog “Monitor de Saúde” em 23/10/2016 (disponível em http://monitordesaude.blogspot.com.br/2016/10/a-arvore-e-o-bosque-o-financiamento-da.html Acesso em 26/10/2016). Para facilitar a exposição, foram transcritos vários trechos do artigo citado e, para cada um, apresentamos os nossos questionamentos.

 

ARGUMENTOS A FAVOR DA PEC 241 (MÉDICI) E COMENTÁRIOS (FUNCIA)

            

           Médici: “No entanto, vários posicionamentos na imprensa ou nas redes sociais – alguns por ingenuidade ou desconhecimento e outros por motivos mais torpes – atribuem à PEC 241 a ruptura com os compromissos constitucionais de financiar as necessidades do SUS”.

            

           Funcia: O artigo considera que a crítica à PEC 241 é decorrente de “ingenuidade ou desconhecimento e outros motivos mais torpes”, mas não demonstrou qual seria a falha técnica da argumentação contrária à PEC 241. De nossa parte, tivemos a oportunidade de demonstrar tecnicamente em artigos (alguns em co-autoria) e apresentações porque a PEC 241 reduzirá recursos federais para o financiamento do Sistema Único de Saúde, assim como vários outros pesquisadores, técnicos e/ou estudiosos da economia da saúde e, em especial, do Sistema Único de Saúde (SUS) demonstraram e estão demonstrando em várias publicações, quando esta oportunidade do contraditório é concedida. Infelizmente, um representante do Ministério da Fazenda recusou formalmente um convite do Conselho Nacional de Saúde para debater tecnicamente os efeitos da PEC 241 para o SUS no mês passado e o Deputado Relator da PEC 241 na Câmara dos Deputados não convidou o Conselho Nacional de Saúde, instância legal (Lei 8142/90) do SUS que representa o princípio constitucional de participação da comunidade.

 

           Médici: “Do meu ponto de vista esta ruptura [com os compromissos constitucionais de financiar as necessidades do SUS] já vinha ocorrendo nos governos anteriores e a PEC 241 poderá corrigi-la. No Governo Dilma Roussef ocorreram duas situações onde houve redução real dos gastos per capita com saúde: entre 2012 e 2013 e entre 2014 e 2015 (...). E isto ocorreu mesmo com a vigência das EC-29 e EC-86 que instituiram mecanismos para proteger o gasto em saúde”.

            

           Funcia: A argumentação do artigo baseada na afirmação de que não será a PEC 241 a primeira medida a promover a ruptura “com os compromissos constitucionais de financiar as necessidades do SUS”, na medida em que houve redução real dos gastos per capita entre 2012 e 2013 e entre 2014 e 2015, omite que essa redução poderá atingir R$ 417 bilhões, valor acumulado para um dos cenários projetados para o período 2017 a 2036 (mínimo de 2017 equivalente a 15% da Receita Corrente Líquida estimada no Projeto de Lei de Orçamentária de 2017 em R$ 758,3 bilhões, corrigidos anualmente pela variação do IPCA em torno do centro da meta de 4,5%, considerando um crescimento médio anual de 2,0%), se a PEC 241 for aprovada.

 

Se adotarmos a metodologia do cenário contrafactual, o SUS teria menos R$ 135 bilhões no período 2003 a 2015 se a PEC 241 estivesse em vigor nesse período. O Gráfico 1 evidencia a queda de recursos federais para o SUS. A Emenda Constitucional nº 86/2015 representou um processo de redução da aplicação mínima em ações e serviços públicos de saúde (ASPS), fato denunciado pela maioria daqueles que se posicionam agora frontalmente contra a PEC 241, sendo que esta proposta, se for aprovada, representará a mais acentuada redução de recursos para o financiamento do SUS.

    

           Gráfico 1

           Estimativa da redução de recursos federais para o SUS no período 2003-2015 (% do PIB)

Fonte: Adaptado de Grupo Técnico Interinstitucional de Discussão sobre o Financiamento do SUS (GTIF-SUS) e Substitutivo da PEC 241/2016 apresentado no Relatório do Deputado Darcisio Perondi em 04/10/2016.   

 

           Médici: “A PEC 241 poderá estabelecer critérios para que o Executivo e o Legislativo aprendam a priorizar gastos públicos, para atingir um duplo objetivo: a) melhorar a qualidade do gasto, e b) reduzir a trajetória irresponsável de crescimento do gasto público total (não o de saúde), que gerou os desequilíbrios fiscais e foi um dos principais fatores responsáveis pela recessão em que se encontra mergulhado o país”.

            

           Funcia: A melhoria da qualidade do gasto não se faz por meio do atrelamento da despesa à variação anual do IPCA. Além disso, a trajetória dos gastos primários não indica um “crescimento irresponsável” em relação ao PIB, assim como o exemplo do artigo em relação à saúde confirma que não houve crescimento irresponsável dos gastos em saúde (estes, sim, congelados desde os anos 2000 entre 1,6% e 1,7% do PIB, como pode ser calculado a partir dos dados do SIOPS/MS e do IBGE).

            

           Médici: “Mas a PEC 241 não faz referência a nenhum corte explícito de gastos no setor saúde, como vem alardeando alguns setores”. 

 

           Funcia: O artigo desconsidera o texto da mensagem da PEC encaminhada pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional: de um lado, o governo explicita a necessidade de formar superávits primários crescentes nos próximos 20 anos para pagamento dos juros e da amortização da dívida pública mediante um teto para as despesas primárias; e, de outro lado, essa mensagem governamental atribui às vinculações para saúde e educação um dos problemas fiscais do Brasil que precisam ser corrigidos para solucionar o deficit das contas públicas. Além disso, na maioria dos anos a partir de 2000, a área econômica dos diferentes governos tem disponibilizado ao Ministério da Saúde valores muito próximos ao mínimo constitucional para empenho, cuja lógica ficou conhecida como “piso=teto”.

            

           O teto das despesas primárias corrigido pela variação anual do IPCA tenderá a manter os gastos com saúde e educação nos níveis do piso, por exemplo: as despesas previdenciárias apresentam a maior participação no total das despesas primárias e tendem a crescer anualmente acima da inflação; com isso, outras despesas, com menor participação em relação ao total, como por exemplo, saúde e educação, deverão ser mantidas no nível do piso, ou seja, reduzidas em relação aos gastos dos últimos 15 anos, para que o teto seja cumprido; portanto, a tendência é que essas despesas fiquem situadas em torno de um piso que representará o padrão mínimo de 2017 corrigido pela variação anual do IPCA até 2036.

            

           Médici: “Por um lado, uma vez aprovada, a PEC 241 antecipará para o ano de 2017 o piso mínimo de 15% da RCL (R$113,7 bilhões) que só ocorreria, de acordo com a EC-86, no ano de 2020, adicionando recursos obrigatórios de US$10 bilhões para o setor saúde em 2017 e recursos residuais adicionais nos anos de 2018 e 2019”.

            

           Funcia: O artigo desconsidera seu próprio argumento anterior de redução de recursos para o financiamento do SUS de 2012 para 2013 e de 2014 para 2015: essa antecipação dos 20% da Receita Corrente Líquida de 2020 para 2017 não será suficiente para garantir a recomposição dos padrões de gastos dos exercícios anteriores, além de ser calculado sobre uma receita que teve queda real nos últimos anos, portanto, arrochando a base de cálculo que ainda sofrerá as consequências negativas da recessão econômica que deverá ocorrer também em 2017, segundo a própria projeção apresentada. O artigo desconsidera também a futura queda da despesa per capita (afinal, os estudos do IBGE apontam crescimento demográfico até 2036) decorrente da tendência da despesa com saúde ser correspondente a um piso de 2017 corrigido anualmente pela variação do IPCA, além dos custos crescentes da incorporação tecnológica do setor saúde e da mudança do perfil demográfico da população (aumento da proporção de pessoas idosas).

            

           Médici: “Por outro lado, ao fixar um teto global de gastos no orçamento, a PEC 241 obriga o Executivo e o Legislativo a definirem prioridades de gasto”.

            

           Funcia: O artigo desconsidera que isso já ocorre com os instrumentos que integram o ciclo orçamentário brasileiro – PPA, LDO E LOA.

            

           Médici: “Neste processo, o setor saúde poderá ser beneficiado, já que a PEC não limita tetos de gasto por setor, fazendo com que os gastos com saúde possam aumentar como resultado da redução de gastos desnecessários em outros setores”.

            

           Funcia: Já demonstramos anteriormente o que o artigo desconsidera com essa afirmação.

            

           Médici: “A Previdência Social e os gastos em pessoal são fortes candidatos a cortes neste momento, uma vez que poderão representar 58% dos gastos no orçamento de 2017. Na Previdência Social, por exemplo, existem muitas fraudes, como o alto número de falsos benefícios concedidos como auxílio doença ou aposentadoria por invalidez”.

            

           Funcia: o artigo afirma sem comprovar que as fraudes existentes nos gastos previdenciários correspondem aos valores da necessidade de saúde acima da variação anual do IPCA.

 

           Médici: “A revisão das regras de aposentadoria por idade e da generosidade do valor dos benefícios (que no Brasil é uma das mais altas do mundo) também poderá economizar recursos para serem gastos na proteção à saúde da população pobre descoberta pelo SUS”.

            

           Funcia: O artigo afirma sem comprovar que haverá uma reforma constitucional que alterará as regras de aposentadoria da previdência em termos de idade e valor dos benefícios a ponto de reduzir essas despesas em valor suficiente para atender às despesas com saúde acima da variação anual do IPCA.

            

           Médici: “Outro argumento utilizado pelos descontentes com a PEC é que o congelamento do orçamento com reajuste inflacionário por 20 anos, sobre a base nos valores da execução orçamentária de 2016, prejudicaria o crescimento do gasto em períodos de crescimento econômico. Este argumento também é falacioso, dado que é provável que em 2017 o crescimento econômico ainda seja muito pequeno e se a recessão continuar, a medida protegerá o gasto de forma anticíclica, evitando ou atenuando eventuais reduções no gasto, caso um outro governo irresponsável como o anterior assuma o poder após as eleições de 2018 e mergulhe o país em uma nova e mais profunda recessão”.

            

           Funcia: O artigo confirma a projeção de recessão para 2017 e defende que a regra da PEC 241 protegerá a saúde da ação de ações de futuros governos que levem o país à recessão. Em outras palavras, para o artigo, somente não haverá redução de recursos para o SUS com as regras da PEC 241 se houver recessão; portanto, o artigo confirma a nossa hipótese: se o país retomar o crescimento econômico e a receita crescer acima da inflação, então, haverá redução de recursos para o SUS, porque tenderão a permanecer no nível do piso de 2017 corrigidos apenas pela variação anual do IPCA até 2036. E, com isso, estados e, principalmente, os municípios, que estão alocando recursos próprios adicionais acima dos respectivos mínimos constitucionais ficarão ainda mais “asfixiados” financeiramente, pois hoje arcam com 57% do financiamento das despesas consolidadas do SUS, não tendo mais “espaço orçamentário” para arcar com despesas adicionais de modo a compensar a inevitável queda de transferência de recursos federais para esses Entes da Federação que ocorrerá se a PEC 241 for aprovada.

 

           Médici: “Mas pensando de forma positiva, caso os próximos governos sejam responsáveis e eficientes, as medidas da PEC 241 poderão levar à retomada do crescimento e sua estabilidade no longo prazo. Recuperando-se o crescimento, estariam dadas as pré-condições para rever a PEC e acelerar o aumento do gasto público com saúde”.

            

           Funcia: O artigo admite que a retomada do crescimento econômico permitirá a revisão da PEC para permitir o crescimento dos gastos em saúde; portanto, o artigo está admitindo que a PEC 241 tenderá a reduzir os recursos para o SUS: do contrário, qual seria a necessidade da revisão sugerida por ele?

            

           Médici: “Neste sentido, é pouco provável que o aumento do gasto em saúde nos próximos anos fique limitado aos percentuais mínimos de 15% da RCL, como apontam as projeções de descontentes e pessimistas. O mais provável é que, num contexto de crescimento econômico, o Congresso vote a lei orçamentária introduzindo aumentos reais nos recursos para saúde como porcentagem da RCL e alcançando percentuais reais de execução maiores do que 15% e compatíveis com as necessidades de cobertura universal”.

            

           Funcia: O artigo assume a posição de que o crescimento econômico permitirá ao Congresso Nacional alocar recursos no orçamento do SUS acima do mínimo de 15% da RCL; contudo, o artigo desconsidera nessa afirmação que, se a regra da PEC 241 estiver em vigor, a alocação desses recursos tenderá a permanecer nos níveis do piso, bem como que a regra da PEC 241 não é 15% da RCL anualmente, mas sim 15% da RCL de 2017 corrigida pela variação anual do IPCA até 2036, fato que impedirá a alocação automática de recursos orçamentários adicionais ao SUS quando o país voltar a crescer e, com isso, a receita, diante da regra do teto de despesas primárias. Além disso, o artigo cita que a regra constitucional do SUS é de cobertura universal, quando é de acesso universal.

            

           Médici: “É importante que os militantes do setor saúde, procurem, antes de lutar para preservar a árvore, lutar para preservar o bosque, pois se a ênfase for dada na preservação da árvore, o bosque poderá não resistir, e sem seus efeitos sinérgicos, a árvore também perecerá. A tarefa mais imediata no curto prazo é desfazer o mal feito, ou seja, tirar a economia da recessão, atacando suas causas, expressas na irresponsabilidade fiscal das autoridades econômicas do governo passado”.

            

           Funcia: Trata-se de afirmação sem comprovação. Na verdade, nesse bosque, as “árvores do SUS” e as “árvores dos direitos sociais” não serão preservadas nos próximos 20 anos, ficando sujeitas ao “desmatamento do mercado”, para que todos os recursos públicos sejam priorizados para a preservação das “árvores dos juros e da amortização da dívida pública”.

 

Por fim, defendemos propostas diferentes da PEC241, a maioria aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde, para uma outra solução do deficit das contas públicas: revisão da renúncia de receita (gastos tributários) superior a R$ 300 bilhões nos próximos anos (conforme Anexo IV.1 do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2017 da União); criação da tributação sobre grandes fortunas, em tramitação no Congresso Nacional desde o século passado; criação da tributação sobre grandes transações financeiras; revisão das regras da tributação sobre a renda, que permite atualmente que cerca de 70 mil contribuintes do imposto de renda pessoa física tenham 66% de isenção sobre a renda média per capita de R$ 4,2 milhões que recebem anualmente (dados do estudo de Orair e Gobetti, pesquisadores do IPEA); elevação das alíquotas da tributação sobre álcool, tabaco, motocicletas, etc; redução da tributação sobre produção e consumo, para estimular a atividade econômica, e revisão da tributação sobre herança (atualmente de competência estadual – imposto transmissão causa mortis e doação - ITCMD), para que seja de base federal e com alíquota bem maior que a atualmente existente no ITCMD (na verdade, irrisória, a ponto que seria possível arrecadar muito mais que uma eventual compensação aos Estados com a mudança de competência de tributar para a esfera federal). Além disso, seria importante uma auditoria externa independente da nossa dívida pública.

 

Uma outra solução para as contas públicas que respeite os direitos de cidadania inscritos na Constituição Federal é possível, muito diferente dessa proposta da PEC 241.

 

 

 COMPLEMENTO à  Domingueira da Saúde - 032 2016 - 30 10 2016



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