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2016 – Domingueira da Saúde 033/2016

 

033/2016 – DOMINGUEIRA DE 06/11/2016

 

 

Ao Senhor Presidente da República Michel Temer

De uma Cidadã Brasileira

 

 

 

Excelentíssimo senhor Presidente,

 

 

O que me leva a escrever-lhe são as grandes e graves perplexidades que nos, cidadãos brasileiros, estamos a viver nesse país dada a confirmação de tudo o que se dizia boca a boca, de bar em bar, de canto em canto, em denúncias nem sempre apuradas sobre a política e os políticos brasileiros. São tantas as confusões que nem mais sabemos para onde olhar, por onde começar e certamente tememos o futuro próximo.

Lembro-me do Senhor quando era deputado, nos idos dos anos 90. V. Excelência à época mantinha um escritório de advocacia, do qual fazia parte também o nosso grande e saudoso Geraldo Ataliba, onde estive certa vez, na Av. Paulista, para uma conversa de cunho jurídico. Uma Constituição acabava de ser promulgada e começava a ser implantada, depois de anos de minguada Democracia.

O tempo passou, mudamos de século e já caminhamos 16 anos. Fantásticas mudanças ocorreram do final dos anos 90 até os dias de hoje, com tantas tecnologias que nem conseguimos acompanhar. Mas se isso me alegra pela evolução da civilização, também me constrange ao ver o pouco avanço de nossa sociedade em cidadania, solidariedade e desenvolvimento social.

Sigo Senhor Presidente, espantada, estupefata e temerosa quanto aos acontecimentos que nos assolam a dois anos, causando desemprego, sectarismo, cisão entre as pessoas e o que mais me assusta é a insensibilidade da Nação para com os 70% da população que ainda vive na pobreza.

A cada dia se descobre, de forma concreta, o que todos desconfiavam: a maioria da classe política nacional está envolvida em prática de corrupção; (e, por favor, Senhor Presidente, não permita que continuem a dizer que “caixa 2” de campanha não é ato de corrupção; ora, quem doaria tanto a um parlamentar ou candidato a cargo eletivo do Poder Executivo sem troca de favores, sem cobrança a posteriori. Como diz o povo, não há jantar grátis. Uma vergonha a Câmara dos Deputados querer votar lei que só considere doravante o crime de “caixa 2”, anistiando as anteriores práticas que já infringiam diversas outras leis, ainda que não houvesse tipificação específica de crime de caixa 2, havendo outros que foram violados. Até parece que quem aceitou “caixa 2” não sabia das diversas ilegalidades cometidas. Tanto sabia que tudo era por debaixo do pano, com dinheiro de campanha sempre misturado com propina, compra de apoio político, e porque não dizer abertamente, de votos também. Uma vergonha, Senhor Presidente e certamente o senhor não compactuará com isso, e vetará tal lei, caso seja votada).

Mas, Senhor Presidente, há uma dor latente em saber que a classe política esqueceu na gaveta a moral e a ética; Saber que a corrupção atinge líderes comunitários, vereadores, prefeitos, deputados, senadores e até presidentes da República, tem sido um choque. Do menor nível de governo ao mais alto.  E pensar que todos são representantes do povo, eleitos pelo povo para em seu nome exercer o poder no interesse público, de modo igualitário e de forma laica.

Senhor Presidente, Sua Excelência, (esta forma de tratamento tem origem em que somente as pessoas excelentes deveriam representar o povo; era o reconhecimento da dignidade de quem exerce uma representação social), esteve todo esse tempo nesse caldo de cultura política, onde a ética, a moralidade, a nobreza, a etiqueta (pequena ética do cotidiano) foram perdendo a vez para a cobiça, ganância, grosserias (é ultrajante como um deputado se refere a outro na tribuna), contas no exterior, anéis de diamante, jantares milionários, soberba, práticas de “donos” do poder, de o poder pelo poder, e por isso o Senhor sabe onde estão as chagas éticas e morais, o que lhe dá condições de combatê-las em nome do povo.

Basta olhar os políticos mais populares e ver quanto tempo estão no poder (por si ou por seus descendentes, num sistema de hereditariedade política), sem a grandeza democrática de saber que a renovação é saudável e necessária. (Veja no que deu a reeleição, uma das pragas da política junto com o caixa 2. (Esperemos que a reforma política seja verdadeira e corte na carne dos políticos).

Depois do longo sofrimento e sangramento da sociedade – afundada nos maus rumos da economia (esse mesmo Congresso Nacional que votou parcialmente a PEC 241 não votou as medidas propostas pelo Ministro da Fazenda Joaquim Levy em 2015, o que talvez tivesse adiantado o caminho) – eu que só entendo de economia caseira, absolutamente diferente da economia política, em que pese propagandas dizendo o contrário - penso que o que mais aflige esse país é a falta de confiança daqueles que pensam em investir em qualquer coisa – do grande ao pequeno negócio.

Quando todos brigam ninguém parece ter razão; assim, quem tem coragem de investir em qualquer negócio? Quem será preso amanhã? Quem governará o país? As instituições resistirão às turbulências? Essa para mim é a maior causa da paralisia dos investimentos: as incertezas políticas, com fortes reflexos na economia futura e a falta de proposta de mudanças nas estruturas fiscais.

Repare Senhor Presidente, muitos economistas e especialistas em finanças públicas que discorrem sobre a expansão da dívida bruta do governo geral de 50% para mais de 70% do PIB nos últimos anos, não revelam que estes 20% a mais decorrem da conjugação de variáveis, como: créditos subsidiados via BNDS, que aumentaram em mais de 6% do PIB desde 2008; as operações compromissadas responderam em 2015 por 15,5% do PIB no aumento da dívida; as swaps cambiais foram responsáveis por 3 a 4% do PIB, na variação dos três últimos anos; o custo do diferencial de taxas de juros (Selic x libor) para a manutenção de excessivo estoque de reservas cambiais em 2015, consumiu mais 2,54% do PIB. Isso significou que a evolução da dívida líquida do setor público (nos resultados do Banco Central) teve a sua maior variação desde 2002, quando ela respondia por 3,6% do PIB, subindo para 20,9% do PIB em 2015, sem contar que as renúncias fiscais são por volta de 500 bilhões de reais desde 2008.  Será que tudo isso se resolverá com o simples congelamento dos gastos públicos sociais, sem nenhuma implicação com os gastos financeiros da dívida pública? Nosso problema se resume em cortar gastos sociais como saúde e educação? Se for isso, é bastante simples para tanta complexidade fiscal...

Quando V. Excelência assumiu o poder, sucedendo a Presidente Dilma Rousseff, todos queriam que o país começasse a ter paz política e social e entrasse num ciclo de maior confiança e melhorasse seu destino. (Não vou aqui discutir o impeachment, mas certamente o processo da Lava-Jato e o mau rumo da economia foram relevantes...). Corrupção é igual onda de gafanhoto num plantio: destrói tudo. A corrupção brasileira parece endêmica e consentida. Vive-se num estado de corrupção consentida. Todos desconfiavam de algum modo, mas se consentia mantendo no poder pessoas que eram sempre citadas em esquemas de corrupção. Um modo que foi se consolidando; se antes a colônia portuguesa nos saqueava, se depois ela foi sucedida por uma pequena e poderosa elite política e econômica, hoje a outra “colônia” continua a dilapidar o patrimônio público, se expandindo e continuando como gafanhotos a atacar nosso desenvolvimento e riqueza (o povo paga 37% de impostos para não ter seus direitos efetivados).

Como um país pode conseguir ser grande, forte e justo se o modus operandi é a corrupção, o saque camuflado, a cobiça, a mentira, o atraso nas possibilidades de desenvolvimento e melhoria de condição da qualidade de vida das pessoas; quantos combateram e combatem verdadeiramente a pobreza, atuam na construção de uma sociedade solidária e justa ao se elegerem ou assumirem cargos públicos?  Como ter sentimento de cidadania, pertencimento e orgulho de ser brasileiro? (Este último só surge na Copa quando o Brasil sai vencedor).

Um país que não tem calçada, o mínimo de civilidade, não tem do que se orgulhar. Estamos no século XXI e continuamos sem calçadas para caminhar, passar com um carinho de bebê ou uma cadeira de roda; sem esgoto, sem saneamento, sem saúde de qualidade e em quantidade suficiente; educação de qualidade, segurança pública, transporte coletivo, moradia e muito mais; um país onde a violência mata uma pessoa a cada 9 minutos? Onde os governantes só pensam em como manter-se no cargo ou no poder ad eternum?

Por isso me assusta o congelamento proposto por V. Excelência. Um congelamento de 20 anos de todos os gastos primários da União, mesmo que a arrecadação cresça, que nasçam mais pessoas e outras envelheçam, surjam novas tecnologias necessárias ao desenvolvimento. Como, se ainda não alcançamos o mínimo necessário de direitos sociais e civilidade para nos orgulharmos e nos sentirmos que fazemos parte quando se trata de dividir a riqueza, para aceitar as restrições que serão impostas?

O gasto da União em saúde está estagnado em torno de 1,7% do PIB desde o início dos anos 2000, ou seja, não tem pressionado os gastos primários do governo. Por que então aplicar a regra da PEC 241 (agora PEC 55 no Senado Federal) que reduzirá essa participação para abaixo de 1,0% do PIB? Afinal, a correção somente pela inflação do valor mínimo de 2017 significará que, em 20 anos, a saúde não terá um centavo do aumento de receita pública que ocorrer no período. Será que são essas despesas, como a educação que também tem um gasto semelhante, que arrasam as finanças públicas, deixam os investidores e o mercado inseguros? A saúde e a educação das pessoas são as vilãs da economia, da crise fiscal, da falta de segurança do mercado e investidores?

Não seria a falta de planejamento sério e consistente? A ética e a dignidade na política, violadas cotidianamente; a tão necessária reforma tributária e política que não chega; as desonerações a torto e direito sem respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal; a sonegação fiscal que bate recorde e todos os dias tem prescrições monumentais pela inércia pública e outros conchavos; os privilégios da classe política; a burla da lei pelos mais influentes; a má-gestão pública que ainda gere a Administração Pública com papel para cá e papel para lá, com despachos com mora de meses, senão anos; com a corrupção que atinge, em quase todos os municípios, os serviços de lixo urbano, transporte coletivo, merenda escolar; onde estatais, das municipais às federais, têm sobrepreço para as propinas; o mesmo ocorrendo com parte das obras públicas, em especial, as de maior vulto.  Será que o estado de corrupção consentida não assusta o investidor? Por que até hoje não se cumpriu a Constituição e se taxou as grandes fortunas (art. 153, VII da Constituição)? O que impede de se arrecadar o imposto previsto na Constituição em 1988 sobre as grandes fortunas?

Será que o que sangra o país é a saúde, educação, saneamento, transporte coletivo, segurança pública, que até hoje (500 anos) não atingiram o mínimo satisfatório? Não será os desmandos apontados acima, a corrupção, a desconfiança em se colocar recursos em projetos numa sociedade que não sabe para onde caminha? Onde a Constituição que era a sua dirigente programática e política, deixou de sê-lo ou nunca foi?

Qual a segurança jurídica em investir em negócios no país, se a nossa própria Constituição tem quase 100 emendas e agora – a PEC 241 (55 no Senado) não foi discutida com a sociedade, a mais implicada em sua consequência, tanto quanto a reforma educacional que atinge a todos, sendo ambas as principais políticas sociais de um país? A classe política não dialogou com a sociedade. A comunidade quer participar do seu destino e quer, sobretudo, viver em paz, com desenvolvimento e segurança jurídica.

Nosso país parece gostar de viver de remendos, retalhos, máscaras, enganação, burlas; não quer enfrentar os verdadeiros problemas que assolam e continuarão a assolar o Estado; o congelamento de gastos apenas aponta aos credores da dívida interna brasileira como a dizer que não haverá calote sem, contudo, isso significar que haverá confiança e crescimento econômico, que a burla e a corrupção abandonarão as mídias e as páginas policiais, porque os investidores nacionais e internacionais, pequenos, médios e grandes não confiam nas nossas instituições.

Este Senhor Presidente, em minha opinião, é o ponto crucial para o desenvolvimento de nosso país (tenho receio de falar em crescimento que pode ser algo sem rumo, sem planejamento, que pode virar um mostro de muitas cabeças, como ocorre muitas vezes com obras paradas, apodrecendo). Precisamos, sim, de desenvolvimento socioeconômico, com segurança, com meta sustentável e confiável. Alias a nossa Constituição sempre que menciona desenvolvimento econômico, de algum modo vincula o social, com o primeiro destinado a concretizar o segundo (o econômico a serviço do social). Na minha humilde compreensão da macroeconomia, penso que não há medo de que o país deixe de pagar os encargos da dívida pública, até porque isso não aconteceu, tanto que essa despesa onerou o orçamento da União em 2015, em 47,%. A questão é de confiança nos rumos do país e sua política pública. Para onde caminha o país, porque em pleno século XXI não mais é possível planejar o desenvolvimento apenas para uma fatia pequena da população. Isso foi possível em outras eras, agora superado, felizmente.

Mas eu comecei a lhe escrever, Senhor Presidente, e quase me perdi em tantos meandros, porque são muitos mesmo, em razão de um fato que aconteceu recentemente. Como disse acima, julguei que o Senhor pudesse ser o Presidente de todos – 202 milhões de pessoas – independentemente de serem pessoas que lhe apoiaram ou o vaiaram; protestaram ou aplaudiram; que elogiaram ou criticaram – um Presidente que olhasse para a Nação e tentasse, na medida do possível, ajudar a apaziguar a sociedade e planejar, de modo democrático, as saídas possíveis. Como o breve e mais famoso discurso de Abraham Lincoln, em Gettysburg quando enterrava mortos da guerra civil que dilacerou a sociedade americana: “Antes, cumpre-nos a nós, os presentes, dedicarmo-nos à importante tarefa que temos pela frente (...) - que esta Nação, com a graça de Deus, renasça na liberdade, e que o governo do povo, pelo povo e para o povo jamais desapareça da face da Terra”. Um Presidente da sofrida Nação brasileira, um Presidente que quer unir o país, como fez o grande Nelson Mandela, em momento crítico da África do Sul.

 

Mas, confesso-lhe que fiquei estupefata, quando na última quinta-feira, dia 27 de outubro, o Senhor, ao sancionar uma lei sobre as relações de trabalho – referiu-se às pessoas que lá foram protestar como as que não puderam entrar, dizendo aos empresários que ali estavam que eles poderiam, ao sair dali, quem sabe arrumar um emprego para os de fora, no pressuposto de que fossem desempregados (uma tragédia para a vida de trabalhador e sua família que dependem exclusivamente do trabalho). Esse modo de tratar as pessoas, o Senhor que é tão elegante socialmente, me fez lembrar como as relações sociais se deterioram nesse país e me fez lembrar com espanto, uma cena recentíssima, onde o Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, dirigindo uma sessão pública, referiu-se a um deputado dizendo que ele não deveria lhe apontar o dedo e que o colocasse em outro lugar... Cuidado, as sessões são transmitidas ao vivo...

O Senhor, como Presidente de todos que tem o dever de manter o espírito elevado, acima de qualquer interesse, governando para o bem da Nação, o bem do povo, mesmo que esse povo lhe seja hostil, jamais poderia ter cometido essa gafe política, social, ferindo a dignidade das pessoas, não apenas dos que estavam do lado de fora do Palácio do Planalto, mas de quase toda a população brasileira que como eu, que me senti ofendida como cidadã. (E para coroar tudo isso, o Congresso Nacional, diante dessa crise, continua a só atuar entre terça e quinta (até a hora do almoço, diga-se) e por causa de um feriado no meio da semana, decidiu parar por toda a semana, isso porque talvez  os congressistas estejam cansados da paralisação ocorrida em quase todo o mês de outubro por causa das eleições municipais).

Senhor Presidente, confesso-lhe que perdi minhas esperanças.

 

 

Cidadã Brasileira

 

 Domingueira da Saúde - 033 2016 - 06 11 2016

 

 



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