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2016 – Domingueira da Saúde 034/2016

 

034/2016 – DOMINGUEIRA DE 13/11/2016

 

 

PARTIDAS E CHEGADAS
 
Lenir Santos
 
Esta Domingueira é dedicada ao processo de transição que está ocorrendo em todos os municípios brasileiros em razão da eleição ocorrida em outubro para novo mandato a partir de 1 de janeiro de 2017. E isso me fez lembrar uma música do Milton Nascimento – Encontros e Despedidas - que tem o seguinte verso:
 
São só dois lados
Da mesma viagem
O trem que chega
É o mesmo trem da partida
A hora do encontro
É também de despedida
A plataforma dessa estação
É a vida desse meu lugar
 
É isso mesmo. As partidas e as chegadas, os encontros e as despedidas – são só dois lados da mesma viagem; uma hora é a do encontro e outra é a da despida e a plataforma da estação é a vida...
 
Aqueles que estão partindo são os mesmos que chegaram a 4 anos atrás; e os que chegam agora serão os que partirão daqui a 4 anos. E a Plataforma da Estação é o SUS, o sistema de saúde brasileiro tão sonhado, construído, vivido e também sofrido, do qual o nosso povo necessita, e que se encontra num momento difícil, tanto agora quanto no futuro que se avizinha.
 
Mas quem está chegando tem que trazer a esperança no coração e a força da realização, de fazer o melhor possível; quem está partindo tem que ter o sentimento do dever cumprido e a esperança da continuidade por aqueles que são o que agora chegam como anos atrás foram os que agora partem.
 
Por isso é preciso tanto ao chegar quanto ao partir, ter um sorriso no rosto, cada um por um motivo; essa é a vida, essa espiral eterna de fins, começos; de renovações e recomeços e todo recomeço na política que é sazonal, é um novo tempo, marcado pelo ritual da democracia de alternância de poder; uma fase de renovação de energias.
 
Olhando para o SUS, esse sistema que traz como marca a ética da igualdade de atendimento contribuindo para a justiça social e o valor moral de que a pessoa deve ser vista e cuidada de modo integral e não de forma parcial.
 
Um sistema onde todos têm direito ao acesso às ações e serviços de saúde e devem obter o cuidado integral para o atendimento de suas necessidades. Um sistema de nenhum a menos no âmbito do direito, mesmo que a realidade seja falha nas práticas que vemos.
 
Nunca perder de vista o direito e nunca deixar de lutar para que ele seja efetivo, seja uma realidade. Sabemos todos da insuficiência de recursos, que não é de agora, mas sim desde o nascimento do SUS em 1988. Poderia aqui discorrer sobre a sucessão de boicotes que os governos sempre fizeram, mas não é o momento.
 
Para quem se despede
 
É preciso deixar a casa arrumada em nome da responsabilidade, da ética, de nossos valores morais. O dever cumprido é uma sensação de paz. Saber que a democracia exige chegadas e partidas, num ciclo de renovações periódicas e sair de cabeça erguida e de modo responsável.
 
Casa arrumada começa com um cordial e responsável processo de transmissão, onde o diálogo, a racionalidade, o sentimento republicano de quem estava a serviço do povo, como seu representante, e não tem do que se arrepender; que agora respeita o povo que fez outra escolha, de outro representante. Atuar de modo sério e competente, considerando o novo gestor e sua equipe. Lembrar quando estava do outro lado da estação, era o que chegava e se orgulhar de ter cumprido o seu dever.
 
Deixar florescer a ética de que o poder é instrumento do mandato recebido do povo e que o poder destituído de suas finalidades é vazio e deturpa sua função. O poder como meio, termina com o mandato recebido do povo.
É preciso, pois, estar com todos os processos administrativos, jurídicos, financeiros e assistenciais organizados.
 
1.       Prestação de contas anual.
2.      Relatório Anual de Gestão.
3.       Dados para os futuros planejamentos;
4.      Plano de saúde e sua programação de 2017;
5.      Manutenção integral dos serviços criados – que são do povo e não de quem é o gestor da saúde por um período;
6.      Atualização dos sistemas de informações do SUS obrigatórios, todos, sem exceção, em especial o SIOPS;
7.      Dados estatísticos da assistência e seus resultados à disposição do novo gestor.
Todos os instrumentos da gestão previstos na Lei Complementar 141 devem estar em ordem; se algum não está, é a hora de termina-lo. Há uma cartilha para transição e de orientação para o final do mandato do Cosems-Ba que está muito interessante.
 
Processo de transição. O princípio da continuidade do ato administrativo
 
Esse processo deve ser fiel à realidade das ações da saúde, sem esquecer nenhuma informação, dados para o planejamento do próximo ano. O sentimento deve ser o da generosidade e responsabilidade; deve haver transparência e boa vontade em tudo o que for feito. Nada a esconder; não dificultar o fácil nem facilitar o difícil e assim por diante; Tem que ser realista, generoso e pensar coletivamente.
 
A democracia pressupõe governos periódicos; cada eleito tem a responsabilidade de gerir a coisa pública e o dever de encerrar com orgulho o dever cumprido; nada de desmanchar o que foi feito, tanto por quem o fez e não quer deixar para o sucessor, como o sucessor não quer nada do que era do outro gestor. Isso é equivocado e contra o espirito público, o serviço público e nossos valores.  O que foi feito, precisa ser continuado por quem chega.
 
Existe um princípio na Administração Pública que é o da continuidade do ato administrativo. Um contrato assinado pelo prefeito José continuará a produzir seus efeitos e acarretar obrigações e direitos à Administração na gestão do João. Não há interrupção em razão de término de mandato, morte, afastamento. Tudo deve continuar, só mudando a figura do representante do povo.
 
Não julgar quem chega: seu tempo ainda nem começou. Alteridade republicana
 
Não tecer julgamento de quem chega, mesmo que seja de outro partido, da oposição etc. Aquele que chega somente poderá ser julgado daqui a quatro anos de modo objetivo (nunca usar a subjetividade - eu acho, eu penso); a boa ou má gestão será a população que julgará em seu tempo, os órgãos competentes julgarão as atividades-meio (as contas, a economicidade, a eficiência, a legalidade, a transparência, os processos administrativos etc.).
O SUS não é tarefa fácil. Não existe nada fácil na saúde, até porque ela lida com o sofrimento humano. Saúde é difícil em qualquer lugar, dadas as insuficiências e a complexidade de sua organização jurídico-administrativa e assistencial. Por isso não devemos achar que o outro não será capaz;  se quem sai foi, acredite que quem entra também o será. Todos que são gestores têm o dever e a responsabilidade de sê-lo.
 
As complexidades da gestão do SUS
 
O SUS se constitui da integração dos serviços dos entes federativos, organizados em regiões de saúde (ainda insuficientemente organizadas, diga-se), em redes de atenção à saúde, que se planificam de modo hierarquizado no tocante à complexidade de seus serviços, sendo a principal característica desse sistema a interdependência, a interconexão, a integração, o compartilhamento, a solidariedade entre os entes e seus serviços.
 
Um sistema que carece de profundos conhecimentos administrativos, jurídicos e assistenciais para uma gestão de qualidade. E também de coragem para os necessários enfrentamentos com o Judiciário, dada a intensa judicialização; também com as demais esferas de governo responsáveis por transferências de recursos, definição de políticas comuns, atendimento referenciado de munícipes de outros entes; com os órgãos de controle, que muitas vezes, invadem a competência do Executivo, e por vivermos num momento de combate a corrupção, todos ficam com medo de tudo.
 
Esse sistema requer intensa participação nos espaços de gestão compartilhada que são as comissões intergestores de saúde, a comissão intergestores regional e a bipartite.
 
É preciso compreender o que deve ser discutido numa comissão intergestores para ter uma boa atuação e exercer o papel a contento, não sendo apenas um figurante, mas sim um participante.  Não confundir o papel da comissão intergestores com o do conselho de saúde. Eles são distintos.
 
Há ainda a necessária e importante participação social que precisa atuar de modo correto, não podendo o gestor negar informações aos conselheiros e ser capaz de ouvir, de modo isento, as reivindicações, ponderações.
 
Aqui a sabedoria é não negar a informação, saber ouvir e não permitir invasão de competência. Quem age de boa fé e quer cumprir com seu dever também tem que saber se impor quando está com a razão.
 
A importância da estreita relação com o Conasems e Cosems. O Conasems é o agente agregador de todos os municípios, falando por todos eles, representando-os em todas as instâncias onde tem participação, como CIT, CNS e outros espaços institucionais. O Conasems faz a defesa da saúde municipal, tanto quanto os Cosems, seus representantes nos Estados.
 
A importância da articulação do setor saúde com a Câmara Municipal
 
A saúde precisa dialogar com a Câmara Municipal onde estão os representantes da sociedade e por onde passam as leis de diretrizes orçamentarias e as leis orçamentarias, bem como outras que possam intervir com a saúde.
 
São leis fundamentais para dar lastro ao plano de saúde municipal. Não adianta discutir e ter um plano de saúde de qualidade se ele estiver descolado da realidade dessas duas leis que vão reger o orçamento municipal.
 
Formação do corpo de servidores.
 
Se os servidores, em especial da atividade meio, não estiverem preparados para a gestão, já se poderá antever um futuro problemático. É preciso preparar aqueles que estão chegando e aperfeiçoar e reciclar aqueles que continuarão.
Vivemos na era da informação e do conhecimento. Se a gestão municipal não estiver preparada para o exercício de suas funções, conhecendo profundamente o SUS, certamente os esforços poderão ser em vãos ou apresentar sérios problemas mais a frente.
 
Aqueles que chegam sem conhecimento, obrigatoriamente devem participar de curso de direito sanitário, gestão da atenção básica, saúde da família; conhecer como se dá o financiamento da saúde municipal, os blocos de transferência de recursos, seus conteúdos, a prestação de contas, os sistemas de informações, regimes de pessoal, as referências, regulações, estrutura do fundo de saúde e outros aspectos.
 
A judicialização da saúde.
 
A judicialização tem sido outro grave problema do gestor do SUS. Ela cresceu 100% no ultimo ano. De mais ou menos 390 mil ações, passou para 850 mil. Isso é quase impossível de ser gerenciado. Por isso é necessário conhecer os NATs e fazer desses núcleos o interlocutor com o judiciário para a melhoria das decisões liminares. Conhecer a mediação sanitária etc.
 
Deve ainda o gestor adotar todas as medidas que possam diminuir ou evitar uma ação judicial.
 
Nunca deixar de ter os medicamentos que são obrigatórios; os serviços devem estar funcionando a contento; dar esclarecimentos e tentar resolver administrativamente futuros pleitos judiciais e muitas outras medidas que hoje estão bastante disseminadas em documentos públicos.
 
Abraçar a causa, sempre, da necessidade de mais recursos para a saúde e atuar para evitar todo tipo de desperdício bem como a corrupção.
 
Tolerância zero
 
A tolerância com a corrupção deve ser zero. E tem que começar dentro de cada um de nós porque a natureza humana é imperfeita e pode falhar se não cuidar de reforçar os valores morais e éticos.
 
Tolerância zero com o serviço mal feito; com a falta de humanismo; o mau trato aos usuários da saúde. Aqui chamo a atenção para o conceito de excelência. Tudo o que fazemos devemos fazê-lo com excelência. A excelência não se vincula a complexidade do serviço, mas sim a dedicação e comprometimento. Um bom encanador é melhor que um mal filósofo.  
 
Comprometimento com a causa pública, com a saúde.
 
O que fazemos na vida para ter alma ou sentido precisa de nosso comprometimento. Se não nos comprometermos com o que fazemos, com o que acreditamos, não lograremos nem satisfação pessoal, nem satisfação profissional. O comprometimento é o que dá sentido, é o sal, a pimenta, o aroma. O que fazemos não pode ser insípido, sob pena de nos contentarmos com o pouco, com o médio, com o mais ou menos.
 
A saúde, que lida com o ser humano, com o sofrimento, com as urgências, com a compaixão, requer o nosso envolvimento pessoal e envolvimento requer comprometimento. Não podemos ser burocráticos; temos que ser comprometidos.
 
Por isso quem está saindo deve sentir-se comprometido com o que fez e com o destino daquilo que fez e por isso precisa fazer a melhor transição possível e cumprir os regramentos de modo integral. Aquele que chega precisa estar comprometido com a causa da saúde, e fazer da melhor forma possível. O Dr. Adib Jatene dizia se é para fazer alguma coisa, faça bem feito.
 
Quem parte tem que ter o coração leve do dever cumprido. O sentimento democrático e republicano que agora é a vez do outro que foi eleito.
 
Por fim gostaria de dizer que a vida só vale a pena pelas boas coisas que fazemos de modo comprometido e com excelência. Por isso quem parte deve ter a grandeza e a gratificação pessoal daquilo que fez e quem chega a vontade de aceitar o que foi feito e fazer ainda melhor.

 

 

 

 Domingueira da Saúde - 034 2016 - 13 11 2016



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