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2017 – Domingueira da Saúde 024/2017

SUS: 29 anos depois

 

Lenir Santos[1]

 

Comemorar 29 anos de Constituição me fez lembrar uma frase de Rubem Alves[2] “Hoje não há razão para otimismo. Hoje só é possível ter esperança”. Uma data que se comemorou sem otimismo ante o cenário de corrosão do poder político que amargura a vida do cidadão, além dos constantes ataques à Constituição de que o mal fiscal do Estado habita as garantias dos direitos fundamentais. Devemos ter o ânimo dos fortes que resistem e perseveram porque a esperança e o renascimento são os fermentos do processo evolutivo político-social. Não temos otimismo, mas temos esperança e ela nos move.

 

Após 20 anos de penumbra, no final dos anos 80, a sociedade como protagonista, fez soprar os ventos de novos tempos que deu à luz uma Constituição que primou pelo respeito à dignidade humana, à solidariedade entre as pessoas e justiça social, abandonando os resquícios da mesquinhez e obscurantismo que assolou o Estado por duas décadas. Foi a esperança que fez renascer o ânimo de se ter uma constituição-cidadã que garante direitos individuais e sociais e impõe, dentre os objetivos da República, o de diminuir as desigualdades sociais e regionais e erradicar a pobreza. Muitos a criticam pelos excessos de garantias; isso é reflexo de um Estado e Sociedade que têm pouco respeito à lei e cruelmente audaz na manutenção das desigualdades sociais.

 

Infelizmente, prestes a chegar aos seus 30 anos, vive-se um período de grave perturbação da ordem política, social, moral, com os alicerces da República a carecer urgentes reparos pelas fissuras a escancarar a promiscuidade entre os poderes Legislativo e Executivo, imiscuídos em seus papeis, levando a sociedade a se salvaguardar no Judiciário, que por sua vez, também tem dado mostras de que os estragos estão a bater em sua porta e que algumas vezes ela se abre.

 

Muitas crenças, talvez ingênuas pela configuração histórica do país,  não se realizaram a contento[3], como o fortalecimento, melhoria e qualidade dos serviços públicos pela descentralização político-administrativa decorrente do federalismo trilateral, que não alcançou autonomia financeira correspondente para lastrear as obrigações definidas constitucionalmente para os municípios, mantendo-os, em sua maioria, dependentes dos repasses dos fundos de participação, sem desenvolvimento econômico capaz de alça-los à real condição de ente político autônomo, administrativa e financeiramente. Entrevê-se em suas práticas, a reprodução da política do compadrio e apadrinhamento, subserviência política, atraso administrativo e baixa expectativa de diminuição das desigualdades sociais, que enche de brumas a justiça social emancipadora da sociedade.

 

Nesse cenário, a saúde tem vivido seu calvário, na eterna luta por financiamento adequado às suas necessidades, previsto inicialmente na Constituição de 88. Isso tem  tirado o fôlego para o enfrentamento das diuturnas investidas da área econômica governamental e da mídia a vender o slogan de que direitos que custam, como a saúde, (todos custam pelos aparatos de sua proteção) não cabem no orçamento público[4], criando o falso dilema e sofisma de que a austeridade fiscal, comprimindo somente os gastos com os direitos sociais, por si só é a mola propulsora do crescimento  e que a garantia dos direitos advém tão só do resultado dessa política.

 

Desde a instituição do SUS, se debatem na arena pública a maioria dos 5.570 municípios, dos quais 73% tem menos de 20 mil habitantes[5], na luta pela sobrevivência financeira face às suas responsabilidades, sem vislumbre de crescimento econômico que os emancipem financeiramente, sujeitando-os ao poder político federal e estadual, com alguns estados também a ter nas transferências federativas federais boa parte do seu custeio.

 

Por que o SUS até hoje não conseguiu lograr qualidade em sua regionalização, com regiões de saúde[6] demarcadas pela capacidade de garantir atendimento às demandas das pessoas e não somente pelas suas proximidades territoriais. Tantos anos depois continua-se e enfrentar o desafio de implantar um sistema de saúde de grande complexidade organizativa e operativa, dado o federalismo trilateral que exige regiões de saúde resolutivas e planejamento regional, isso sem falar do repasse interfederativo condizente com as necessidades regionais. Até hoje os entes municipais em suas funções regionais, naquilo que extrapolam suas responsabilidades com sua população local, carecem de suporte técnico e financeiro efetivo da União ou Estado.

 

O mesmo se diga do imperativo planejamento de longo prazo que pressupõe conhecimentos aprofundados das necessidades de saúde sob a dimensão epidemiológica, socioeconômica, demográfica, com metas claras e precisas, como o alcance de qualidade e suficiência na atenção básica, capaz de atendimento de 85% da população.

 

Os hospitais de pequeno porte, que em número unitário são a maioria no país[7], não foram impedidos em sua construção pela sua inviabilidade técnica e financeira, sustentados apenas pelo desejo de superação dos vazios assistenciais que na realidade só serão vencidos por regiões de saúde de qualidade, conforme determina a Constituição em seu art. 198.

 

Os planos nacionais, estaduais e municipais não coibiram tal disparate sanitário, dado que a Lei nº 8.080, de 1990, veda atividade não prevista em seus contornos, o que significa que lá estavam e lá foram aprovados. Por que não se foi capaz de elaborar plano nacional com diretrizes e metas orientadoras da aplicação dos recursos em consequência ao modelo organizativo constitucional do SUS, que determina a integração federativa de ações e serviços para fazer nascer as regiões e redes de atenção?

 

As negociações diretas entre o Ministério da Saúde e cada um dos municípios, a partir dos anos 90, excluindo os estados, os construtores da saúde regional ao lado de seus municípios, causou fissuras nas relações tripartites, que se firmaram com a mitigação do papel do Estado, inclusive a regulatória, que se deu em profusão no âmbito federal que agia como se as assimetrias municipais pudessem ser supridas por portarias definindo de modo igual, do Oiapoque ao Chuí, a organização de serviços, como se a métrica regulatória tão-somente, fosse capaz de abolir a desigualdade federativa. Não há região de saúde sem o protagonismo do Estado-membro e sem equidade federativa na transferência de recursos.

 

Sabemos que dois dos impasses ao longo de todos esses anos foram o financiamento insuficiente e a gestão ineficiente que se retroalimentam, uma colocando a culpa na outra quando ambas são o resultado da falta de compromisso público com a saúde, o modelo patrimonialista e burocrata do Estado que acredita em carimbos e tráfego de papéis. A sociedade aguarda uma reforma administrativa que modernize a Administração Pública para os desafios do século XXI, e conforme diz Carlos Ari Sundfeld[8], ainda estamos na era da administração do clipes. O subfinanciamento da saúde não se dá ao acaso, sendo deliberado para asfixiar, pela rota financeira, direitos constitucionais que muitos governantes não gostariam fossem dever estatal ao defender claramente que não cabe ao Estado propugnar por políticas de bem-estar social, emancipadora das pessoas. Na realidade não se fala em reforma administrativa porque não se pretende modernizar o aparado executivo do Estado, mas sim enxuga-lo sem se pretender, talvez, abolir as causas de alguns de seus fracassos operativos.

 

Como integrar serviços sem informatizar essa integração? Desde os anos 90 se discute e se propõe a implantação do cartão SUS, que nunca passou de um cartão de identidade, sem conseguir ser a chave de acesso a dados dos pacientes para os profissionais de saúde interligarem exames, diagnósticos, terapêuticas, resultados e com isso melhorar a qualidade da gestão assistencial e do gasto público.

 

Não foram poucas as lutas para implantar o SUS, sistema nacional de saúde, num país com a proporção territorial e demográfica do Brasil e seu propósito de negar recursos para políticas redutoras das desigualdades. A falta do necessário casamento do planejamento com os recursos financeiros, para uma união responsável e consequente, também agravou a ineficiência da gestão. Quantos hospitais desnecessários e quantos necessários não existentes?

 

Manter a saúde das pessoas em equilíbrio é o primeiro dever estatal, que mediante medidas socioeconômicas deve garantir qualidade de vida, provendo esgoto[9], saneamento, dotando a vigilância sanitária de recursos e pessoal qualificado para evitar o risco de se adoecer por causas preveniveis.

 

A falta de resolutividade da gestão pública levou a criação de figuras jurídicas, que ainda requer adequada compreensão pelos gestores públicos, tendo custado 18 anos a decisão do STF sobre a constitucionalidade das organizações sociais, que, ao tempo em que se proliferaram na insegurança jurídica, perderam a sua concepção original pelas leis estaduais e municipais que mudaram o seu escopo. O que foi julgado pelo STF nem sabemos se é o que está de fato sendo implementado pelos entes federativos.

 

Nesses 29 anos, a formação de médicos para a saúde continuou a se dar nos moldes dos anos 80, ou seja, para atender o modelo de saúde centrado na atenção hospitalar e ambulatorial e não na atenção básica, alicerce do SUS, tendo a falta de médicos chegado a tal monta que foi preciso importa-los para atender a população mais pobre. Isso apenas há 3 anos. Sem falar na reserva de mercado do ato médico, que está a fazer estragos na execução dos serviços de atenção básica.[10]

 

A judicialização que começou a dar sinal de sua intensidade no início do ano 2000 não teve a atenção necessária das autoridades públicas para entender o fenômeno e atuar solucionando as carências públicas que afetavam as pessoas e coibindo os abusos dos oportunistas. Hoje são mais de um milhão de ações e não se sabe o que fazer[11].

 

Diante de tantos problemas por que defender o SUS?

 

Porque a saúde, conforme Sérgio Arouca[12],  é mais que um projeto:  a Reforma Sanitária não é um projeto técnico-gerencial, administrativo e técnico-científico; o Projeto da Reforma Sanitária é também o da civilização humana, é um projeto civilizatório, que, para se organizar, precisa ter dentro dele valores que nunca devemos perder, pois o que queremos para a Saúde, queremos para a sociedade brasileira”. Com essas palavras o grande sanitarista-reformista brasileiro definiu o significado da saúde na vida de uma Nação e por isso a necessidade de sua defesa sempre.

 

Elevar as pessoas em sua condição humana é um processo que exige adoção de políticas públicas que diminuam as desigualdades sociais, erradiquem a pobreza, garanta qualidade de vida. E sem saúde as pessoas não têm condições de exercerem as suas demais liberdades pela impossibilidade de usufrui-las. Defender a saúde é um ato de cidadania, uma necessidade humana evolutiva.

 

Nesses 29 anos, com todos os problemas acima apontados, o SUS foi a maior política pública de inclusão e avanço social por ter garantido dignidade às pessoas doentes e segurança às pessoas sãs; o SUS aponta para um modelo de Estado que deve garantir direitos essenciais que preservem a dignidade de vida; as dificuldades apontadas devem nos incitar a defendê-lo dos ataques deliberados, da inércia e do desinteresse de muitos, do mau uso do dinheiro público e da ineficiência pública, servindo para acender nas pessoas o sentimento de pertencimento a um patrimônio inalienável e à Nação.

 

Apesar da crônica insuficiência de recursos do SUS e muitas outras dificuldades, muitos foram os logros e quando, neste balanço, apontamos para a má condução do orçamento e da gestão é porque queremos a sua melhoria e com orgulho podemos também apontar os esforços de muitos que fizeram com que em 29 anos fosse possível sair de um patamar da atenção médica, ambulatorial e hospitalar garantida pelo INAMPS aos trabalhadores da Previdência Social como um benefício previdenciário, para um sistema de acesso universal. Abandonou-se o papel de um Estado que cuidava tão-somente da assistência curativa aos trabalhadores formais e seus beneficiários para um sistema de âmbito nacional, fundado nas vertentes do acesso universal, integral e igualitário, onde a prevenção deve ser prioridade, ramificada em todo o território brasileiro.

 

Nesse ponto cabe destacar algumas políticas de excelência no país como: a política do sangue e seu controle de qualidade, respeitado no mundo; a dos transplantes; a do cuidado com as pessoas com HIV; a imunização, com erradicação de vária doenças contagiosas;  a qualidade dos registros de medicamentos e demais produtos; o SAMU, com serviços de urgência e emergência em todo o país, 24 horas por dia; a saúde mental, está última a correr sérios riscos no momento atual, mas implantada no país a partir do ano 2005, com a lei da reforma psiquiátrica, fundada no modelo que resultou na maior desospitalização possível e inclusão social, banindo o conceito de párias da sociedade.

 

Por isso é preciso defender o SUS da falta de financiamento adequado, acabando com o dilema da saúde fiscal x saúde das pessoas, encruzilhada que mais parece uma armadilha econômica de desrespeito aos direitos constitucionais. Determinados direitos essenciais não podem ser postergados nem ficar ao sabor do mercado. A sociedade precisa ter pisos sociais como estruturas de segurança psicológica e física; sem a garantia de políticas públicas de previdência social, saúde, educação, moradia, renda, alimentação, mínimos de um bem viver nesse estágio civilizatório, a insegurança irá afligir as pessoas mais pobres, ensejando a construção de muros pela classe social mais aquinhoada a se proteger das inseguranças frutos da desigualdade, como a violência urbana. A falta de piso social, aumenta o muro da exclusão. O SUS é um piso necessário para o cidadão sentir-se seguro em relação ao bem que mais o preocupa que é a sua saúde[13].

 

O SUS, que atende diretamente 150 milhões de pessoas e indiretamente 207 milhões, é um conjunto de ações e serviços do qual a sociedade não pode abdicar porque fora dele só há saúde paga, vendida no mercado como mercadoria para os poucos que podem pagar, isso sem falar nas inúmeras ações de cunho preventivo e de promoção da saúde. Sem SUS, é barbárie sanitária.

 

Aliás, um ponto de convergência entre a saúde pública e privada são seus altos custos que precisam ser enfrentados, abandonando-se a incorporação de tecnologias desnecessárias, conforme dados da União Europeia[14] de que dois terços das novas tecnológicas não são inovações de fato. Ela encarecerá tanto os planos de saúde privados quanto a saúde pública, caso não haja enfrentamento desse mercado.

 

Um Estado que impõe à sociedade a EC 95, de 2016[15], que veda aumento do piso da saúde federal, exceto pela correção inflacionária, ignorando todas as demais necessidades sanitárias nos próximos 20 anos, afronta os objetivos fundamentais da República, colocando em risco o direito das pessoas à saúde e sua consequente dignidade.

 

Esse congelamento de recursos públicos para a garantia do bem mais precioso das pessoas que é a vida, que é consequência do processo civilizatório inverte a ordem das coisas ao combater o desperdício fiscal com indigência social ao invés de depurar o Estado das políticas de proteção aos mais ricos, aos bancos, à financerização dos investimentos, as desigualdades no pagamento de impostos, na concessão de isenções sem fiscalização do retorno socioeconômico. Por isso defender o SUS é preciso, pela nossa virtude cívica e segurança social.

 

 


Recursos para o SUS em 2018: A luta começa em 2017!

 

Francisco Funcia

                  Está bem perto a redução de recursos para o SUS por força da Emenda Constitucional 95/2016 (que foi proposta pelo governo Temer e aprovada pela maioria dos Deputados e Senadores que integram a base governista no Congresso Nacional). Pelas regras constitucionais, o piso/teto (mínimo e máximo) para as despesas com as ações e serviços públicos de saúde (ASPS) em 2018 será o valor pago (orçamentário e restos a pagar) acrescido de 3% (que foi a variação anual do IPCA/IBGE em junho de 2017), sendo essa regra válida até 2036. Em outras palavras: os valores pagos em 2017 condicionarão os recursos para o SUS nesses próximos 20 anos.

                  Desta forma, está muito claro que o ano de 2017 é fundamental para o futuro do SUS. Entretanto, não é isso que pensam as autoridades do governo brasileiro pelos seguintes motivos:

1)      Há insuficiência orçamentária e financeira para o Ministério da Saúde cumprir o piso em 2017: o Relatório Quadrimestral de Prestação de Contas do Ministério da Saúde (do 2º quadrimestre/2017) revelou na página 6 tanto uma insuficiência orçamentária, como uma insuficiência da disponibilidade orçamentária para as despesas com ações e serviços públicos de saúde em 2017, o que está em desacordo com a Lei Complementar 141/2012: considerando a receita corrente líquida (RCL) estimada para 2017 em R$ 764,5 bilhões (conforme Demonstrativo da Receita Corrente Líquida da Secretaria do Tesouro Nacional disponível em http://www.tesouro.fazenda.gov.br/-/series-historicas - acesso em 10/11/2017 às 7h20), o piso de 15% da RCL corresponde a R$ 114,7 bilhões, enquanto que o valor da dotação atualizada era de R$ 114,1 bilhões (inferior ao piso em R$ 600 milhões) e o valor da disponibilidade orçamentária era de R$ 111,8 bilhões (inferior ao piso em 2,9 bilhões).

 

2)      É oportuno lembrar que essa insuficiência orçamentária e financeira é ainda maior do que falta para cumprir o piso constitucional: porque há ainda que compensar com empenhos de despesas acima desse mínimo o saldo de restos a pagar cancelados em 2015 ainda não compensado (R$ 439,0 milhões), o saldo que faltou aplicar para cumprir o piso constitucional de 2016 de 15% da RCL conforme parecer do CNS e do Ministro Lewandwoski do Supremo Tribunal Federal (STF) na cautelar concedida na ADI 5595 (R$ 249,0 milhões, cujo valor foi apurado com base na retificação da RCL 2016 realizada pela Secretaria do Tesouro Nacional, que reduziu em junho/2017 o valor inicialmente publicado em fevereiro/2017 de R$ 722,5 bilhões para R$ 709,9 bilhões, conforme Portaria 494, de 06/06/2017), os cancelamentos de restos a pagar que ocorreram em 2016 (R$ 943 milhões conforme Relatório Quadrimestral de Prestação de Contas do MS/2º quadrimestre de 2016) e os valores do Pré-Sal nos termos da cautelar concedida na ADI 5595 pelo Ministro Lewandwoski (valores ainda não definitivos, mas estimados em R$ 50 milhões). A soma desses valores é de aproximadamente R$ 1,8 bilhão, o que representa, incorporando os valores do item 1, uma insuficiência orçamentária e financeira total de R$ 2,4 bilhões e uma insuficiência de disponibilidade orçamentária e financeira total de R$ 4,7 bilhões para se cumprir com as exigências constitucionais e legais que regem as despesas com ASPS;

 

3)      O ritmo de execução orçamentária e financeira das despesas ASPS pelo Ministério da Saúde continua (reincidentemente) baixo neste ano de 2017: não basta haver disponibilidade orçamentária e financeira se os valores empenhados, liquidados e pagos em 2017 continuarem abaixo do esperado pelo Conselho Nacional de Saúde, quer pela análise dos dados da execução até agosto, quer pelos dados até setembro. Muitas despesas deverão ser empenhadas concentradamente em novembro e dezembro se o Ministério da Saúde quiser cumprir a aplicação mínima constitucional para não repetir neste ano o que ocorreu em 2016 (quando aplicou abaixo do piso constitucional de 15% da RCL (conforme parecer conclusivo aprovado na Resolução do Conselho Nacional de Saúde que reprovou o Relatório Anual de Gestão 2016 do Ministério da Saúde). Porém essa concentração de empenhos no final do exercício fará com que se mantenha elevada a inscrição em restos a pagar pela inviabilidade temporal de execução para a liquidação e pagamento da despesa.

 

 

4)      Elevados valores de inscrição e reinscrição em restos a pagar terão que “disputar espaço” financeiro em 2018 com outras despesas (do Ministério da Saúde e de outros ministérios) no contexto do teto para as despesas primárias da EC 95/2016: não há que se confundir as regras para apuração da aplicação mínima em 2017 e a partir de 2018, ambas fixadas pela EC 95: enquanto que em 2017 a comprovação continuará baseada nas despesas empenhadas, os valores do piso/teto a partir de 2018 terão como base de cálculo os valores pagos em 2017. E, considerando o comportamento da execução orçamentária e financeira do Ministério da Saúde (do orçamentário e dos restos a pagar), as projeções realizadas com base nos valores apresentados no último relatório quadrimestral de prestação de contas não apontam para um valor total de pagamentos equivalente a 15% da RCL, muito menos das compensações adicionais ao mínimo apuradas no item 2 (totalizaram R$ 1,8 bilhão). Isto significa concretamente que, confirmadas essas projeções, haverá uma redução do valor do piso em 2018 comparado a 2017 em termos de RCL, bem como uma perda adicional acumulada de R$ 36 bilhões (sem atualização monetária) decorrente do efeito para os 20 anos da EC 95 do não pagamento em 2017 dessas compensações adicionais ao mínimo (pois 2017 é o ano da base de cálculo do piso/teto de despesas com ASPS até 2036).

                  Com base nessas análises, o Conselho Nacional de Saúde aprovou na reunião de 09 de novembro de 2017 uma recomendação com indicação de medidas corretivas a ser encaminhada ao Exmo. Sr. Presidente da República nos termos da Lei Complementar nº 141/2012, cujo objeto central é a recomposição da disponibilidade orçamentária e financeira do Ministério da Saúde para 2017 para garantir a efetivação de empenhos, liquidação e pagamento de despesas com ASPS nesses níveis estabelecidos constitucionalmente e nas normas infraconstitucionais eu regem o SUS. É fundamental que todos aqueles que lutam em prol do SUS e contra o seu processo de subfinanciamento exerçam a pressão política por esta causa, cuja prazo de ação é imediato. Vale lembrar aqui o importante alerta em recente artigo da Dra. Elida Graziane Pinto (do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, disponível em http://www.conjur.com.br/2017-nov-07/contas-vista-decretos-contingenciamento-desinvestimento-sao-cheques-branco ), do qual transcrevo a seguir um trecho:

Temos, portanto, uma distorção fiscal que pode colapsar o financiamento federativo do SUS e isso passa pela “liberdade” de a STN liberar o fluxo de pagamento das suas dotações já empenhadas.

Na educação, há também um saldo considerável de restos a pagar (superior a R$11 bilhões) sem margem fiscal para quitação neste 2017 e quiçá também não exista horizonte de pagamento para os próximos 19 anos...

Eis o que venho chamando de precatorização do piso de custeio da saúde e que tende a se alastrar para o custeio das instituições federais de ensino superior e tecnológicas, excetuadas desse processo de falta de lastro financeiro para quitação tão somente as despesas com a folha.



[1] É advogada, doutora em saúde pública pela Unicamp e coordenadora desde 2007 do Curso de Especialização em Direito Sanitário do IDISA – Instituto de Direito Sanitário Aplicado.

[2] Alves, Rubem. Sobre o Otimismo e a Esperança. Concerto para Corpo e Alma. Campinas: Papirus, 1998.

[3] Tomo o devido cuidado ao fazer esse tipo de consideração, porque mesmo com todas as dificuldades municipais, a realidade foi mudada para melhor, havendo serviços públicos de saúde e outros, em praticamente todos os municípios. A questão é a sua qualidade e quantidade e as práticas ainda clientelistas e patrimonialistas. Afora a questão da cultura para a cidadania que parece ter evoluído, mas não na velocidade de seu atraso.

[4] Lembramos que o orçamento público federal está fortemente comprometido com os rombos da dívida pública, renúncia fiscal, sonegação, dentre outros.

[5] https://www.ibge.gov.br/

[6] Ainda que existam 438 regiões de saúde elas não são capazes de atender as necessidades de saúde das pessoas no seu território sendo resolutivas em 90% dos casos. São regiões que referenciam para outras regiões demandas que devem ser de cada uma.

[7] Revista Exame. Edição 1148. 27.09.2017.pag. 30.

[8] Sundfeld, Carlos Ari. Direito Administrativo para Céticos. São Paulo: Malheiros, 2012.

[10] Está em discussão decisão liminar que impede enfermeiros de atuar em áreas da atenção básica. http://www.sindenfermeiro.com.br/index.php/2017/09/29/cofen-rebate-liminar-que-impede-enfermeiros-de-solicitar-exames/

[11] Relatório Anual do CNJ. 2016. www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/

[12] http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_da_12_CNS.pdf

[13] Thomas L. Friedman em sua obra Obrigado pelo atraso menciona que as pessoas sentem falta de um piso que lhes deem segurança social e isso leva a criação de muros. Rio de Janeiro: Objetiva, 2017.

[14] Iñesta, Antonio. Sistemas y Servicios Sanitários. Madri: Ediciones Diaz Santos, 2006

[15] A EC 86, de 2015, em julgamento pelo STF[15], poderá contribuir para manter-se a esperança, caso seja confirmado o voto do Ministro Relator que concedeu medida cautelar para suspender os efeitos dos seus artigos 2º e 3º, julgando-os inconstitucionais por impor retrocesso na garantia de direitos fundamentais pelo orçamento.

 

 

  Domingueira da Saúde - 12/11/2017

 

 

 

 



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