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“A criminalização não funciona”

JAAP VAN DER HAAR, holandês especialista em drogas
 
Especialista em prevenção de drogas, o holandês Jaap van der Haar defende que usuário não é criminoso. Para ele, que atuou com o governo da Holanda na elaboração da política liberal de consumo de entorpecentes naquele país, é estúpido dizer que usar drogas é um crime. Haar diz que é necessário assumir a existência de viciados na sociedade, e para essas pessoas é preciso criar locais, onde possam se drogar, com agulhas limpas, por exemplo, e com substâncias de qualidade. O especialista esteve em Florianópolis na semana passada e conversou com o Diário Catarinense.
 
Diário Catarinense – Por que o senhor acredita que as drogas devem ser encaradas como doença e não como um crime?
 
Jaap van der Haar – Depende do tipo de solução que você procura. Eu trabalhei toda a minha vida com questões a respeito de vícios. Administrei uma clínica de recuperação, fui responsável pelo trabalho com drogas no governo holandês, e durante 10 anos trabalhei no conselho da saúde pública na Holanda. E todos esses anos eu estava à procura de como encontrar uma solução para o problema. Eu vi que em todo lugar que olhamos para o vício como crime, não achamos soluções verdadeiras. Tento descobrir o que funciona.
 
DC – O que funciona?
 
Haar – Todos esses anos na Holanda desenvolvemos um tipo de modelo, e este modelo foi sendo exportado gradativamente pela Europa. O modelo contém diferentes elementos. A primeira coisa que a gente tem que trabalhar é a prevenção. Você informa os jovens nas escolas, e isso deve começar quando eles têm nove anos. Você trabalha isso de uma maneira que os jovens possam captar como as substâncias atuam e que influência elas têm sobre eles. E não somente ficar dizendo “cuidado, é perigoso, vai te fazer mal!”. O assunto precisa estar integrado com as aulas. Por exemplo, se há aulas de biologia, você pode mostrar como o álcool atua no cérebro. Quando as crianças ficarem mais velhas, dá para ser mais claro sobre os perigos reais e sobre qual é a graça e o prazer das drogas. Substâncias podem trazer prazer. Houve um momento da minha vida em que eu gostava de fumar maconha, e isso é totalmente diferente do que se tornar um dependente químico e viciado.
 
DC – Você não acha que nove anos é muito cedo para começar a falar sobre o assunto?
 
Haar – Você precisa olhar como são as crianças aqui no Brasil com essa idade. Na Holanda, as crianças são intelectualizadas cedo demais. E com isso, aos nove anos elas são muito racionais e sérias. Eu não me sinto bem com isso, mas é um fato e é por isso que temos que começar cedo. Se no Brasil as crianças têm mais tempo para ser crianças, você pode começar mais tarde. Mas você precisa começar quando elas passam a ter um pensamento mais racional. Isso é prevenção. O outro ponto do modelo é a descriminalização. Isso funciona.
 
DC – Por quê?
 
Haar – Na Holanda, as drogas são proibidas, mas se você tem cinco gramas de maconha e a polícia te pega com eles, os policiais vão dizer “tudo bem, pode ficar e se divirta”. Se você tem um grama de cocaína, a polícia vai dizer “cuidado, mas você pode ficar com ele”. É o fato de que se você é usuário, você não é um criminoso. Em outros países isso é um crime e você força os jovens a adentrar num círculo criminoso. Uma das consequências disso é que os americanos levam 14 milhões de jovens para as cadeias. E sabemos que tipo de comportamento você precisa ter na prisão para sobreviver. Não é um comportamento que queremos que as pessoas desenvolvam, porque não vai levar a nada.
 
DC – A descriminalização funcionaria no Brasil?
 
Haar – Mesmo que na Holanda a maconha seja proibida, em cada cidade você encontra lojas onde você pode comprar a erva. Nessas lojas você só pode entrar se tiver 18 anos ou mais. Se eles venderem outra coisa além de maconha nessa loja, o estabelecimento é imediatamente fechado. Então você vai a um lugar onde você não é um criminoso para comprar alguma coisa que você quer. Você só pode comprar até cinco gramas por vez. Na Holanda, o cultivo da maconha é ilegal, mas lojas vendem a maconha legalmente e pagam impostos sobre isso. O fato de que o cultivo é ilegal é um problema. Muitas vezes eu falei para o governo holandês dar licença para que algumas pessoas produzam maconha. Assim poderemos controlar a qualidade, e também poderemos cobrar impostos sobre isso.
 
DC – E como isso ficaria num país como o Brasil, onde nem sempre as leis são cumpridas?
 
Haar – Você tem que tentar, porque a criminalização não funciona. Você pode ter 15 mil vagas nas prisões de Santa Catarina, 12 mil delas serão preenchidas por pessoas que têm relação com as drogas. Isso é muito e não funciona. Muitos dos problemas nas favelas, problemas de corrupção na polícia têm a ver com a maconha.
 
DC – Já falamos de prevenção e descriminalização. O que mais funciona?
 
Haar – A descriminalização vai além disso que falei, porque ao descriminalizar os usuários você libera a polícia para direcionar a energia para o tráfico e o comércio de drogas. A polícia pode focar mais no tráfico e nos traficantes. Mas mesmo tendo prevenção, descriminalização, vamos continuar tendo pessoas com problemas de vício. E aí é importante ter a redução de danos para o indivíduo e para a sociedade. As pessoas viciadas trazem problemas para a sociedade. E ainda há o dano causado no indivíduo. Se você juntar essas duas coisas, você pode tirar essas duas situações danosas. Por exemplo, temos na Holanda lugares que chamamos de galeria de injeções onde os usuários podem pegar agulhas limpas e onde eles vão encontrar cocaína de qualidade. Estamos em contato com eles, e se eles quiserem sair do vício poderemos ajudar. Você precisa imaginar que as pessoas vão usar cocaína, e que vão usar num lugar muito sujo, vão roubar para comprar drogas e vão se tornar agressivas, mas elas podem ser controladas por nós. E com isso não vão causar danos para elas mesmas e nem para a sociedade.
 
DC – Por que você acha que na Holanda o programa foi bem-sucedido?
 
Haar – Eu não acho que funcione tão bem na Holanda, mas tivemos a coragem da fazer. Os suíços, também assumiram nosso modelo. Os alemães também criaram lugares nas grandes cidades onde se pode injetar drogas. Desde 1964 os norte-americanos investem pesadamente na guerra contra drogas. Eles investem R$ 180 mil por minuto nessa guerra, porém eles têm o maior número de pessoas no mundo que estão presas por usar drogas.
 
DC – Por que você acha que pessoas que têm uma condição de vida boa procuram drogas?
 
Haar – Isso é muito difícil. Se você olhar na superfície, temos pessoas que trabalharam duro, sob muito estresse. Essas pessoas chegam em casa, bebem uma caipirinha e relaxam. Abaixo dessa superfície existe outra questão. Devagar estamos perdendo as nossas seguranças. A família não significa mais segurança, o emprego não representa mais segurança, estamos perdendo as seguranças básicas de nossas vidas e estamos nos tornando mais individualistas. O indivíduo tem cada vez mais dificuldade de fazer contatos e de ter confiança em outras pessoas. Assim, ele procura nas substâncias uma compensação para isso.
 
Fonte: www.diario.com.br


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