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Saúde, valor e preço

Lenir Santos[1]
Lendo, o artigo da Folha de S.Paulo de 3 de abril de 2011 da autoria de Oscar Pilagallo[2] “O preço de tudo e o valor de nada”, lembrei-me que numa sociedade que tende a ter como valor supremo o consumo de bens e serviços, tudo acaba por ser “precificado”. Tanto que Eduardo Porter[3] afirma que as pessoas desejam não o que querem comprar, mas o que pensam querer.
Recentemente, num artigo que escrevi, no sentido de demonstrar que saúde não tem preço por ser o corolário da vida, ficou, contudo, com uma pergunta: a saúde escapa da precificação e do desejo? O desejo de ter saúde leva ao desejo de consumir tudo aquilo que possa preveni-la, como o próprio excesso de diagnóstico, denunciado na obra Overdiagnosed, do médico americano Reshma Melwani.
A cada dia enfrentamos o dilema de uma saúde de alto padrão, que, muitas vezes, mantém pessoas vivas em razão de custosas tecnológicas que fatalmente garantem lucro (e até fama aos seus médicos, conforme o paciente) e nem sempre a qualidade de vida ou a própria vida.
Dois pesos, duas medidas fundados num mesmo paradigma que, no fundo, é o da banalização da vida em nome do lucro ou da falta dele, porque se o prolongamento da vida fosse um valor indiscutível todos deveriam ter direito a ele. Pode parecer um paradoxo, mas a mesma vertente que se centra na manutenção de vidas a qualquer preço sem pensar na qualidade de vida da pessoa humana é a mesmo que banaliza a pessoa na falta de garantia mínima de serviços. Em ambos os casos, a pessoa e seu direito à liberdade são ignorados. De um lado, pelo excesso de ofertas tecnológicas que mais confundem do que apóiam, e de outro, pela escassez de mínimos essenciais para a proteção da saúde. Em ambos os casos, o preço da saúde está em jogo.
No excesso, o lucro subtendido nas ofertas de manutenção da vida, que muitas vezes, é apenas de dias. De outro lado, o custo da saúde interferindo todo o tempo, seja nas políticas públicas seja na saúde privada. Em ambos os casos o custo da saúde está presente, seja pelo lucro que pode gerar, seja pelo custo nos orçamentos.
Por que os grandes problemas de escassez na saúde afetam sempre os mais pobres? Além do mais, como retirar a saúde do conceito de produto que custa? Custo sempre existirá. A questão está em como vamos combinar preço com ética, conferindo valor ético à saúde.
Pensamos que o primeiro ponto está na própria saúde pública que por ter custo e estar vinculada ao orçamento (receitas e despesas que devem ser equalizadas) se cerca de limites; o segundo ponto, sendo a saúde de acesso universal e igualitário, como garantir a 183 milhões de pessoas uma saúde igualitária? Ou será que vamos aceitar ferir o princípio da igualdade e garantir para alguns tudo e para a maioria apenas algumas coisas?
Como garantir saúde a todos, igualmente? Por isso é necessário definir quais serviços de saúde o poder público vai garantir a todos, sem exceção. Se a saúde não consegue fugir da precificação, mesmo sendo um direito fundamental, como definir o que cabe e o que não cabe no conceito de ações e serviços de saúde?
A saúde pública é fortemente fundada na precificação. Qualquer ação ou serviço que se pretenda garantir ao cidadão é tido como um procedimento que deve ser incluído numa tabela de preço. Esta inversão demonstra que o conceito de saúde está fundado mais em preço do que em valor. Assim é importante tentar combinar o valor intrínseco da saúde com o seu preço de mercado.
[1]Coordenadora do Instituto de Direito Sanitário Aplicado – IDISA; Coordenadora do Curso de Especialização em Direito Sanitário da UNICAMP-IDISA; ex-procuradora da UNICAMP.
[2]Folha de S.Paulo, Caderno Ilustríssima. P.7, 3.4.2011
[3]Eduardo Porter. The Price of Everything, ed. William Heinemann (citação de Oscar Pilagallo no artigo em referencia).


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