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CONFERÊNCIAS DE SAÚDE: O DESAFIO DE NÃO APENAS “FAZER MAIS DO MESMO”

Flavio Goulart – Médico Sanitarista; Doutor em Saúde Pública pela ENSP/FIOCRUZ
 
Vem aí a 14ª Conferência Nacional de Saúde, a sétima pós-redemocratização do País, parte de um processo constante e bem sucedido de ausculta à sociedade na área da saúde. É um campo em que o SUS tem muitas lições a oferecer às demais políticas públicas, inclusive a outros países. Temos muito a comemorar, sem dúvida, com tal processo, um marco democrático histórico. Mas muito a aprender com ele, também, e, principalmente, muito a aprimorá-lo.
 
Assim, vejo algumas tendências preocupantes hoje no cenário da participação social no Brasil, seja no contexto dos conselhos ou das conferências de saúde. São elas: (a) autonomização, levantando a expectativa social de que nos instrumentos de participação em saúde residiria, de fato e de direito, um quarto poder; (b) plenarização, mediante a transformação dos conselhos e conferências em amplos fóruns de debates profundamente marcados pela ideologia, entre os diversos segmentos sociais, nem sempre com a participação dos representantes do Poder Público, os quais, aliás, por definição normativa (e não propriamente legal), são fortemente minoritários em tais instâncias; (c) parlamentarização, com formação de blocos ideológicos e partidários, com tomada de decisão por votação, como conviria mais especificamente á atividade parlamentar e não por consenso; (d) profissionalização, dadas as fortes exigências da participação social, abrindo caminho para a constituição de verdadeiros profissionais da participação; (e) auto-regulação, que representauma particularidade praticamente exclusiva da área da saúde.
 
A última Conferência Nacional de Saúde, a 13ª, realizada em 2007, foi dramaticamente marcada pelos aspectos citados acima. O nível de polarização entre os participantes produziu debates de grande tensão, muito dos quais se arrastaram pelas madrugadas e resultaram inconclusivos, para não dizer ilegítimos, prejudicando até mesmo serem devidamente registrados e divulgados com alguma clareza nosrelatórios formais do evento.
 
Não foram poucas as manifestações de delegados participantes da 13ª Conferência, denunciando o clima de cerceamento da liberdade de opinião e de irracionalidade do processo decisório calcado na marcação de posições e na disputas decididas por votação, não por consenso. Para se ter uma idéia, foi produzido quase um milhar de deliberações, além de algumas dezenas de moções, que primaram pela redundância, pela desinformação e pelo detalhamento excessivo, repisando temas já contemplados em leis e portarias do SUS, ou mesmo se referindo a competências externas ou até estranhas à saúde, como “abrir e conservar estradas para dar melhor acesso aos serviços de saúde”.
 
Em vista desses fatos e em que pese o esforço participativo e a contribuição para o aprimoramento democrático da sociedade em eventos desse tipo, a impressão que fica é que enorme energia foi, mais uma vez, dissipada e daí deriva a questão seguinte: haveria maneiras mais eficazes de se obter real contribuição das conferências de saúde para o aprimoramento e a qualificação do setor saúde no Brasil?
 
Com efeito, é preciso aperfeiçoar o processo decisório das conferências de saúde nas três vertentes federativas. O primeiro passo seria estipular o que deve ser efetivamente objeto de consideração nas conferências e, em contrapartida, nos conselhos de saúde. A Resolução 333 do CNS já fornece as pistas necessárias, quando dispõe sobre as ações de formular, mobilizar, fiscalizar, auto-regular-se, discutir, opinar, propor, exercer visão estratégica. Nesta última expressão talvez esteja a chave do dilema: o foco das conferências deveria estar exatamente no exercício de tal visão estratégica, mesmo que estejam em pauta ações de discussão de temas relevantes, fiscalização dos gestores, proposição de alternativas para a política de saúde etc. Isso retiraria as deliberações do cotidiano da gestão, para transformá-las realmente em guias para a ação de longo prazo.
 
Um pressuposto para tal mudança já faria parte do próprio modo como as conferências são preparadas. É correto que elas tenham um tema central. O da 14ª é de extraordinária abrangência, além de um tanto redundante: “Todos usam o SUS! SUS na seguridade social, política pública e patrimônio do povo brasileiro”, acrescido do eixo “acesso e acolhimento com qualidade – um desafio para o SUS. É preciso, de fato, ir além das palavras de ordem.
 
Quem já participou de conferências de saúde sabe muito bem que as plenárias constituem o grande momento (ou, em visão mais crítica, o momento mais “dramático”) do evento, tudo girando em torno delas. Só chegam perto delas, em termos de freqüência de participantes e peso político, as reuniões informais, “de corredor”, onde a verdadeira pauta é formatada, no mais puro estilo parlamentar, com blocos ideológicos e de interesses, disputas de posições etc. Os trabalhos de grupo talvez não cheguem perto... Tudo bem, isso faz parte da democracia, mas é preciso questionar se uma conferência de saúde tem condições de se constituir em algo mais do que uma “festa cívica” ou um processo parlamentar típico.
Outro aspecto que poderia melhorar a dinâmica das conferências de saúde seria transformá-las, também, em fóruns de avaliação das políticas em curso. Os eventos são marcados por um expressivo “furor deliberativo”, que nem sempre leva em conta – aliás, trata isso como aspecto secundário – a avaliação das políticas correntes. O resultado é a reiteração e a redundância, com emissão de propostas “miraculosas” e abrangentes, mas que na verdade já estão inteiramente contempladas nas leis e outros instrumentos normativos em vigor.
 
É preciso também colocar a tecnologia de informações disponível, algo que é bastante expressivo na saúde, a serviço do controle social.
 
As atividades pós-conferência também devem ser lembradas e dinamizadas. O procedimento habitual é, terminada uma conferência, publica-se o relatório final da mesma (sujeito, como se sabe, aos percalços de sua elaboração fiel em ambiente tão desorganizado e polarizado...) e simplesmente aguardam-se os quatro anos regulamentares para começar tudo de novo. Isso também pode e deve mudar. O ideal seria a criação e a manutenção de espaços e fóruns virtuais diversos (tipo Observatórios), de amplo acesso, onde o conjunto de deliberações fosse analisado e acompanhado ao longo do tempo, tendo como produtos derivados documentos analíticos de circulação ampla entre os conselhos de saúde e outros interessados, inclusive para a etapa preparatória da próxima conferência, quatro anos depois.
 
A participação e controle pela sociedade na saúde é coisa muito séria, a ser cuidada muito além do amadorismo, do voluntarismo e da improvisação. As Conferências de Saúde, nas três esferas federativas, em uma estimativa modesta, devem estar reunindo a cada quatro anos mais de cem mil pessoas, em todo o Brasil, para discutir e fazer propostas para a melhoria da saúde de nossa gente. Este volume de gente e de idéias tem que ser considerado e respeitado. É preciso deixar de lado os preconceitos e buscar novos conhecimentos da teoria das comunicações, da teoria da gestão pública e das tecnologias da informação para dinamizar, modernizar e tornar mais efetivo o que a lei chama simplesmente de “participação em saúde”. Mesmo o que está bom pode ser melhorado. Temos a opção de deixar tudo como está, pois afinal de contas esta tem sido uma trajetória virtuosa. Isso seria cômodo e além do mais consagrado pelo senso comum (“não se mexe em time que está ganhando”). Mas mesmo as grandes verdades devem ser continuamente questionadas. Fazer o que sempre se fez ou fazer cada vez mais as mesmas coisas pode ter outro lado também interessante: fazer melhor, produzir mais resultados, fazer com que as decisões tomadas em uma conferência de saúde possam melhorar, de fato, as práticas políticas nacionais e a própria situação de saúde da população brasileira. O SUS merece tal esforço. 


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