Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

Editores Chefes
Áquilas Mendes
Francisco Funcia
Lenir Santos

Conselho Editorial
Élida Graziane Pinto
Marcia Scatolin
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado

ISSN 2525-8583



Domingueira nº 09 - Março 2024

Arboviroses: problema de saúde, mas não exclusivamente da Saúde

Por Carmino de Souza


Há muitos anos acredito que o melhor modelo de enfrentamento às arboviroses é o entomológico. O fundamental é “não deixar o mosquito nascer”. Esta crença não é de um médico sanitarista ou infectologista que não sou, mas de um hematologista que viu em sua vida profissional e acadêmica e leu muito na literatura médica-científica sobre potenciais agravos à saúde humana deste modelo centrado no combate químico. A ironia fez com que, como secretário municipal de Saúde, tivesse que enfrentar duas grandes epidemias utilizando ferramental tradicional de enfrentamento.

Podemos nos regozijar de termos feito um trabalho adequado em toda a rede de saúde para os cuidados necessários aos pacientes, com baixa mortalidade, e compromisso de todos os profissionais, de nossas UBSs, UPAs, PSs, laboratórios, hospitais etc. Além disto, não podemos nos esquecer dos custos elevados destes enfrentamentos. Nas maiores epidemias, o dispêndio municipal chegou a R$ 30 milhões/ano.

Entretanto, lutar nestes difíceis anos fez também que pudéssemos desenhar e executar um programa inovador inter-setorial sem precedentes com importante envolvimento de toda máquina publica e comunidade. Foi constituído um grupo de trabalho envolvendo inúmeras secretarias tais como Saúde, Educação, Serviços Públicos, Verde e Meio Ambiente, Cultura, Comunicações, dentre outras; a Sanasa; membros da comunidade e da Defesa Civil, etc.

A ideia foi que cada participante desenvolvesse no âmbito de sua comunidade um plano operativo e, após uma analise conjunta e uma crítica de todos os integrantes deste colegiado, fossem publicados dois documentos de compromisso:
1- Decreto Executivo com a formalização deste Comitê Permanente que, rigorosamente a cada 15 dias, discuta os dados e as estratégias e que possa “varrer” a cidade em todas as ações de remoção de criadouros, bloqueios de transmissão, ações educacionais, culturais e tudo mais que fosse necessário de maneira continuada bem como um programa de comunicação cuidadosamente desenvolvido e executado;
2- Plano de contingência onde todas as ações fossem apresentadas à comunidade com transparência e planejamento, plano este publicado e revisado anualmente.

Importante dizer que isto ocorreu com um grau de entusiasmo inesperado por mim e este grupo se ampliou e se fortaleceu ao longo do tempo.

Inúmeros projetos foram gradualmente se agregando como o desenvolvimento de aplicativo da “Informática dos Municípios Associados – IMA”, e monitoramento por satélite oferecido pela Embrapa (inteligência territorial) e desenvolvido sempre em parceria com a SMS através do Departamento de Vigilância em Saúde (DEVISA). Em paralelo, o Município contratou empresas para o auxílio na telagem de caixas d’água e nebulização costal; nebulização veicular; e remoção de entulhos e resíduos sólidos conhecidos como potenciais criadouros. Em todos os anos, contamos com o importante apoio do Exército Brasileiro, principalmente nas ações de campo. Tudo isto, em complemento ao trabalho já executado rotineiramente pela municipalidade.

Podemos dizer que, com o trabalho continuado dos agentes de controle ambiental (ACAs e AACAs), comunitários de saúde (ACSs), empresas contratadas, Secretarias de Serviços Públicos dentre vários outros participantes, mais de 1.000 (mil) pessoas participam continuadamente deste grande esforço. Os resultados são impressionantes em todos os sentidos. Tivemos uma significativa redução do número de casos de dengue nos últimos anos com mortalidade próxima a zero. Pudemos fazer um controle preciso dos possíveis casos de transmissão do zika vírus e seus agravos bem como da chikungunya e da febre amarela em anos diversos. Os anos não são iguais bem como as arboviroses e suas variantes.

Torcemos pela vacina contra a dengue, em desenvolvimento pelo Instituto Butantan. A vacina sim poderá agregar maior tranquilidade a esta luta. É claro que o desafio é e será sempre imenso.

Neste momento de pandemia onde nossos esforços estão, naturalmente, voltados ao enfrentamento da SarsCov2 e da Covid-19, este trabalho não parou e não deverá parar, pois as arboviroses voltaram ao Brasil para ficar. Dois destes desafios são constantes:
1- continuidade das ações de remoção de potenciais criadouros durante todo ano, e
2- comunicação de risco contínua e eficiente.

Não se pode “baixar a guarda” sob pena de termos novo recrudescimento de grande número de casos e seus agravos.

Este modelo deve ser constantemente nutrido e aperfeiçoado. A participação da imprensa e de toda a comunidade é fundamental para alcançarmos os objetivos de controlar, já que não é possível erradicar, o Aedes aegypti. Tenho a consciência de que só controlaremos este grave problema de saúde pública com o trabalho de todos e um aperfeiçoamento de nosso modelo urbano e da relação do homem com a sua cidade.


Publicado no Hora Campinas


Carmino Antônio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020. Secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo em 2022 e atual Presidente do Conselho de Curadores da Fundação Butantan. Atual Diretor Científico da Associação Brasileira de hematologia e Hemoterapia (ABHH) da Associação Médica Brasileira (AMB).




OUTRAS DOMINGUEIRAS