Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

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ISSN 2525-8583



Domingueira nº 10 - Março 2024

As relações público-privadas no Sistema Único de Saúde – SUS: considerações gerais

Por Lenir Santos


O presente artigo tem como tema principal tecer considerações gerais sobre as relações público-privadas na saúde pública, Sistema Único de Saúde (SUS), à luz do arcabouço jurídico regente, com especial abordagem ao regime da complementaridade dos serviços públicos de saúde, conforme § 1° do artigo 199 da Constituição Federal (CF), e sobre as parcerias e o fomento público ao setor privado para o desenvolvimento de serviços de saúde assistenciais de interesse público. A abordagem de tal tema requer breve análise de temas relacionados como o modelo organizacional do SUS, o rateio interfederativo, bem como o controle interno e externo sobre as ações e serviços de saúde e considerações sobre a possível influência do modelo assistencial privado sobre o modelo público, que pode ser impactado com o crescimento dos serviços privados no SUS.

1. Aspectos gerais sobre o modelo organizacional do SUS

O direito à saúde no país garante ao cidadão ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde e políticas sociais e econômicas que evitem o risco de agravos e doenças. Inscrito na Constituição de 1988, arts. 6° e 196, o direito à saúde em suas dimensões regulatórias, protetivas e prestacionais exigiram a criação de um sistema público para garantir que ações e serviços dessa natureza de todos os entes federativos fossem disponibilizados para a população, de modo universal e igualitário, dando assim efetividade ao direito individual e coletivo da saúde. Entendeu-se que o melhor modelo seria o de um único sistema público, conforme o movimento da Reforma Sanitária Brasileira dos anos 70, com diretrizes e princípios nacionais, executado de forma descentralizada, em acordo as competências de cada ente na rede interfederativa de serviços e ações de saúde.

A Constituição, ao reconhecer a fundamentalidade (3) do direito à saúde que se imbrica com o direito à vida, considerou suas ações e serviços públicos e privados como de relevância pública, sujeitos à regulamentação pública

Permitiu ainda que a assistência à saúde, e não a saúde lato sensu (4), fosse executada, além do Poder Público, por pessoas físicas e jurídicas de direito privado (art. 197 e art. 199 da CF). Assim a assistência à saúde não é exclusividade pública, mas é de relevância pública, não sendo monopólio público, é facultado ao setor privado atuá-la em acordo aos regramentos públicos. A redação do art. 197 da CF ao dispor que cabe ao poder público a sua execução de forma direta (administração pública) e por terceiros (complementaridade prevista no §1° do art. 199 da CF) e ainda por pessoas físicas e jurídicas (art. 199, caput) submeteu todos à regulamentação, controle e fiscalização pública. Contudo, a Lei n° 8.080, de 1990, denominada comumente como Lei Orgânica da Saúde (LOS), foi econômica ao regular o setor privado na saúde em seus arts. 22 a 26, ante a relevância constitucional, os poderes conferidos pela Constituição ao Poder Público e o fato de se instituir no país um sistema público de acesso universal

Nos campos em que é facultado ao setor privado atuar na saúde, com intuito ou não de lucro, pode ele participar do SUS complementarmente (participar e não integrá-lo), conforme dispõem o art. 4°e parágrafos da LOS, assim expressos:

“Art. 4º O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS).

§ 1º Estão incluídas no disposto neste artigo as instituições públicas federais, estaduais e municipais de controle de qualidade, pesquisa e produção de insumos, medicamentos, inclusive de sangue e hemoderivados, e de equipamentos para saúde.§ 2º A iniciativa privada poderá participar do Sistema Único de Saúde (SUS), em caráter complementar.

Certamente que na Assembleia Nacional Constituinte esse debate foi complexo e acirrado pelo fato de se transitar de um sistema previdenciário de benefícios aos trabalhadores do regime geral da previdência social, dentre os quais, os serviços de saúde curativos, portando de acesso segmentado e contributivo, para um sistema nacional de acesso universal e gratuito, além do dever (competência comum) de todos os entes federativos nos cuidados com a saúde, diferentemente do anterior sistema nacional de saúde (Lei n° 6.229, de 1975, revogada expressamente pela Lei n° 8.080, de 1990) e do inampiano (5) sistema previdenciário (Lei n° 6.439, de 1977). Um sistema próprio de estado de bem-estar social.

Essa transição de um sistema previdenciário e segmentado para um sistema de acesso universal, se fez acompanhar dos processos administrativo-financeiros adotados pelo Inamps que contratava do setor privado serviços médicos, ambulatoriais, hospitalares, de apoio diagnóstico, na ordem de 70% em relação à sua capacidade, com paga-mento por procedimentos médico-hospitalares e ambulatoriais, definidos em tabelas e respectivos valores, controlados pelo seu sistema interno de auditória médica.

Celebrava-se contratos com as entidades privadas lucrativas e convênios com as entidades sem fins lucrativos, especialmente as santas casas. Esse modelo influenciou os debates constituintes que levou para a Constituição o contrato e o convênio como modelos de avença jurídica entre o público e o privado no regime da complementaridade. Mantém-se ainda hoje, muitas vezes, a interpretação de que a natureza jurídica da entidade contratada é a definidora do instrumento a ser firmado, não o seu objeto, como deveria, usando-se o contrato e o convênio de forma indistinta para a compra de serviço remunerada sob a forma de procedimentos assistenciais previamente valorados. Não se pode negar que houve muita evolução quanto a esse modelo inicial herdado do Inamps, especialmente com a edição pelo Ministério da Saúde em 2013, de portaria específica, consolidada em 2017, Portaria de Consolidação n° 2 do Ministério da Saúde, Anexo XXIV que dispõe sobre a Política Nacional de Atenção Hospitalar – PNHOSP (6), seus incentivos e processo de contratualização.

Ao longo do tempo, o cenário da Administração Pública se ampliou com novas figuras jurídicas criadas por lei, muitas delas quase que totalmente voltadas para a saúde, como é o caso das organizações sociais (OSs) e das organizações da sociedade civil de interesse público, as oscips, ambas se constituindo como qualificações de pessoas jurídicas sem finalidades lucrativas. Ao regime da complementaridade – que continua com entendimentos díspares que se espraiaram pela administração pública – foram se somando outras formas de participação público-privada.

Ainda hoje a gestão pública do SUS, exigente de compartilhamentos federativos e financiamento trilateral, padece de incompreensões dadas as suas complexidades executivas, reconhecendo-se que o direito à saúde e seu arcabouço jurídico, a sua execução pelo SUS inovaram no direito administrativo, dando luz a um novo ramo do direito, o direito sanitário, que ainda não tem merecido a devida atenção dos juristas, o que seria essencial para o deslinde de muitas de suas questões (7) que ainda contam com interpretações, muitas vezes, tão somente de profissionais da saúde, sem nenhum desmerecimento, apenas para esclarecer não ser essa a sua especialidade, mas sim dos operadores do direito. Marques Neto (8) tece comentários dessa natureza, ao dizer que “os constitucionalistas e dentre nós administrativistas, muitos administrativistas, não se aperceberam ainda do grau de complexidade que o regime constitucional do SUS enseja”.

A concepção do SUS exige novos arranjos institucionais, administrativos e culturais para poder se solidificar. Por ter inovado na administração pública, suas especificidades requerem invenções e convenções operativas não usuais, que, como qualquer inovação, encontra resistência e passa muito tempo permeada pelo velho (Santos, 2007) (9). Isso tudo sem discorrer sobre as grandes assimetrias do ente municipal brasileiro, mas que como ente federativo deve ver preservada a sua igualdade política, e ver respondida a pergunta que o art. 23 da CF enseja: quem faz o quê na saúde, cuja resposta as normas operacionais do Ministério da Saúde dos anos 90 tentaram construir, considerando algumas vezes municípios como incipientes, semi plenos em sua capacidade gerenciadora de serviços de saúde, quando apenas deveria ser definido o seu papel no SUS, sem títulos reducionistas.

A participação do setor privado no SUS, seja para suprir ausência de serviços ou firmar parceria, bem como as transferências obrigatórias de recursos entre os entes federativos e a complexa estrutura interfederativa da rede de atenção à saúde, composta por serviços privados (complementares) de diversos entes federativos, são temas complexos que ainda ensejam dúvidas e têm interpretações algumas vezes conflitantes.

Ainda que se pretenda abordar as relações público-privadas no SUS, não poderíamos deixar de tecer algumas considerações mais gerais, como é o caso das Notas Operacionais do Ministério da Saúde nos anos 90 até 2002, que tentaram inovar, mas cometeram também equívocos jurídicos no afã de implementar o SUS e descentralizar serviços, mas sem as necessárias mudanças estruturais na administração pública. Em 2006 foi publicado o Pacto pela saúde, ainda que inovador, passível de crítica por não ter rompido com a forma de transferência de recursos da União que tratava os entes federativos como seu “prestador” de serviços, ao arrepio da igualdade federativa. O Decreto 7.508, de 2011, que regulamentou a LOS, e a Lei Complementar n° 141, de 2012, lançaram luz quanto à questão das transferências de recursos e a consequente organização administrativa-organizacional do SUS, ainda que muitas de suas normas não tenham sido observadas, como é o caso do Decreto n° 7.508, de 2011 e de determinados artigos da Lei Complementar n° 141, de 2012, essenciais para o deslinde de várias questões do SUS.

Essas normas operacionais cometeram alguns equívocos técnicos, como a interpretação da direção única em cada esfera de governo, a definição de gerência apartada da gestão, como se a gestão não abrangesse a gerência e como se um ente da Federação não pudesse ter serviços de saúde situados em município quando então estariam esses serviços subordinados ao município-sede, em uma compreensão equivocada da direção única em cada esfera de governo (10) e do próprio princípio federativo. Situações como a obrigatoriedade de os entes federativos se habilitarem perante o Ministério da Saúde para prestar serviços à sua população, sendo compreensível tão somente a necessidade de registro dos serviços para alimentar o sistema de informação nacional, o planejamento da saúde, sem a aparente submissão de um ente ao outro ou de uma hierarquia federativa. Além do mais, ainda que essas normas tenham sido revogadas de modo expresso ou tácito (11) (, não estando mais em vigor por conflitar com novos desenhos instituídos pelas políticas de saúde e outras normas, como a Lei Complementar n° 141, de 2012, o Decreto n° 7.508, de 2011, elas continuam, por vezes, sendo citadas e até mesmo atuadas.

Aliás, é importante ressaltar que o SUS foi sendo construído por essas normas muito em relação ao financiamento federal (transferências obrigatórias de recursos), cujos critérios quase sempre não observavam as leis que os regulavam, como ainda hoje não observam as regras do art. 17 da Lei Complementar acima referida. Era o financiamento federal a pautar a construção da forma de se operar a política pública.

Na realidade, a competência do ente federativo para cuidar da saúde, em acordo ao seu papel na região de saúde e na organização hierarquizada de serviço, em redes de atenção à saúde, é sempre plena (12) por sua medida não ser o nível do serviço prestado (como serviços de atenção primária), mas sim seu porte socioeconômico, demográfico, epidemiológico, geográfico. A sua assimetria na Federação não o faz menor ou maior como ente federativo a subordiná-lo a outro ente. Os entes são iguais ainda que assimétricos e como diz Alessandra Silveira, com referência a Torquato Jardim, a desigualdade dos iguais na Constituição de 1988 (13). A organização de seus serviços no SUS é parte de um todo, daí a Constituição ao definir o SUS dispor que a integração dos serviços dos entes federativos em um único sistema, deve ser feita de forma hierarquizada quanto a complexidade tecnológica de serviços na região de saúde e nas redes de atenção.

Além do mais um município poderá ser obrigado a atender munícipes que não os seus no âmbito do sistema sanitário de referência na sua região ou entre regiões, por exemplo, e isso precisa ser compensado financeiramente pelo Estado ou a União. Daí existirem na arena infraconstitucional, leis que dispuseram sobre partilhas federativas de recursos para promover a devida compensação que a rede hierarquizada exige. As transferências obrigatórias de recursos devem prever o custo do atendi-mento de munícipes não residentes. As assimetrias federativas devem responder a pergunta de quem faz o quê; as transferências obrigatórias devem prever valores que permitam compensar o município-referência na origem e não como uma prestação de contas a posteriore. Isso requer planejamento e plano de saúde municipal, estadual e federal integrados na região.

Importante o significado da hierarquização mencionada na Constituição e na LOS. Essa expressão no texto constitucional levou inicialmente alguns juristas ao entendimento de que haveria uma hierarquia entre os entes federativo, até o advento da Lei n° 8.080, de 1990, que em seu art. 8° definiu a hierarquização como:

“As ações e serviços de saúde, executados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), seja diretamente ou mediante participação complementar da iniciativa privada, serão organizados de forma regionalizada e hierarquizada em níveis de complexidade crescente”.

A norma que finalmente tratou do tema de modo mais detalhado foi o Decreto n° 7.508, de 2011, art. 8°, ao dizer que:

“O acesso universal, igualitário e ordenado às ações e serviços de saúde se inicia pelas portas de entrada do SUS e se completa na rede regionalizada e hierarquiza-da de acordo com a complexidade de serviços”.

A responsabilidade sanitária de todos os entes federativos não é a de garantir todo e qualquer serviço, mas sim a de responder pelo caminhar do usuário na rede regionalizada e hierarquizada. Uma responsabilidade sanitária sistêmica, de resultado e não de prestação de serviços tão somente. Sendo o SUS um sistema único, embora descentralizado e regionalizado, visando à garantia da integralidade para o cidadão, a sua organização se fundamenta no agrupamento de ações e serviços por níveis crescentes de densidade tecnológica, estrutura sanitária denominada constitucionalmente de hierarquia de complexidade de serviços (14), que organiza os serviços em patamares de atenção primária, atenção secundária e atenção terciária (15). (Santos & Andrade, 2007) (16). Essas estruturas de serviços ainda são compostas pelos serviços de titularidade pública e privada, ensejando uma complexa estrutura contratual municipal e estadual.

Por outro lado, a divisão de recursos entre os entes federativos pela Lei Complementar n° 141, de 2012, se dá mediante a adoção de critérios que contemplam, de modo equitativo, as assimetrias federativas, tendo em vista que essa forma organizativa impõe responsabilidades que precisam ser simétricas em relação às capacidades de cada um, uma responsabilidade interfederativa no âmbito da garantia do direito à saúde na região de saúde, a cargo dos diversos entes federativos, per se, de modo equitativa. A forma de repasse do recurso federal induz a responsabilidade pelo controle, se federal, estadual, ou municipal, como veremos mais adiante, inclusive quanto aos contratos com terceiros.

Ora, se se trata de um único sistema público de saúde, num país federativo assimétrico, onde todos os entes devem unir seus serviços assimetricamente construídos para ensejar um sistema simétrico, nenhum ente da Federação em razão de seu nível gerencial não pode ver subtraída sua igualdade federativa, como seus feitos não podem ser exigidos para além de sua capacidade operacional.

De modo conclusivo, o SUS é um sistema que hierarquiza os serviços na rede de atenção à saúde em relação à sua complexidade, cabendo a cada um, na região de saúde, definir de modo sistêmico e consensual, as suas responsabilidades na organização de seus serviços que devem guardar relação ao seu porte gerencial. Entretanto, há nessa rede uma responsabilidade sanitária, digamos, lato sensu, ao lado de outras stricto sensu, que deve guardar proporção ao porte socioeconômico, epidemiológico e demográfico do ente federativo acordado, nos termos do art. 33 do Decreto n° 7.508, de 2011, em contrato de ação pública, firmado entre os entes federativos em uma região de saúde, em compatibilidade ao disposto no art.17, § 3° da LC n° 141, de 2012 que trata dos critérios de rateio dos recursos da União.

A responsabilidade sanitária lato sensu e comum a todos é aquela que confere a cada um deveres de resolução das necessidades do usuário na rede de atenção à saúde, na sua região de saúde ou entre regiões. O sistema tem o dever de ser resolutivo (17) para todos, o que implica deveres de encaminhamento referenciado do paciente na rede de serviços, em acordo às suas necessidades e não de prestação de serviços.

A responsabilidade sanitária vai além do dever de organizar serviços, por compreender, dentre outros, o compromisso de referenciamento do usuário na rede, reponsabilizando-se pelo seu caminhar sanitário e a resolução de sua demanda.

Por isso o Decreto n° 7.508, de 2011, dispôs sobre o contrato interfederativo sanitário para que na região de saúde, em nome da estabilidade e segurança sanitária, os entes definam as responsabilidades executivas, financeiras, organizativas de cada um (18). Fechando o parêntese tão extenso sobre a organização do SUS, que achamos necessário para demonstrar as suas complexidades organizativas e jurídicas que requerem compreensão para adentrar no tema mais específico das relações público-privadas no SUS.

Retomando o tema da complementaridade privada no SUS, é preciso deslindar questões jurídicas referentes à superação das insuficiências públicas de serviços de saúde e as parcerias, uma vez que nem sempre estas últimas têm a finalidade de suprir deficiências de serviço, se constituindo mais como inovações administrativas em relação ao modo de prestar serviços de saúde.

2. A complementaridade de serviços públicos pelos serviços privados ante as insuficiências públicas

Como mencionado na introdução deste artigo, a questão das relações público-privadas no SUS remontam à Assembleia Nacional Constituinte, 1987-1988, quando se debatia o direito à saúde, a sua natureza jurídica, o público e o privado. Esses debates intensos (e tensos) levaram a substituição da expressão “natureza pública” das ações e serviços de saúde, originalmente prevista, por “relevância pública”, dado o receito, em grande parte dos Constituintes, de que a expressão natureza pública submetesse o setor privado à prévia autorização pública em sua atuação sanitária.

O que ficou ao final, como mencionado neste trabalho no item anterior, foi o reconhecimento de que as ações e os serviços de saúde públicos e privados são de relevância pública, submetidos à regulação, controle e fiscalização, com a garantia da atuação da iniciativa privada na saúde assistencial e a possibilidade desses serviços participarem do SUS, de modo complementar. Participar complementarmente e não constitui-lo (19), mediante contrato ou convênio, importante distinção para fixar que o Sistema Único de Saúde é composto, nos termos do art. 198, caput, da integração das ações e serviços públicos de saúde, não o compondo os serviços privados, que somente podem atuar no âmbito do SUS de forma complementar, supletivamente, para prover carências públicas.

O contrato e o convênio são acordos de vontade com o fim de produzir resultados do interesse das partes, sejam eles convergentes ou contrapostos onde se regulam obrigações, direitos ou compromissos mútuos. Tem sido comum na doutrina administrativa a diferenciação entre convênio e contrato com o primeiro destinando-se à cooperação em torno de resultados comuns e o contrato com obrigações e direitos, havendo doutrinadores que inovam essa concepção, como Odete Medauar (20) que não comunga dessa clássica diferenciação ao concluir que o convênio tem natureza jurídica contratual, havendo sim especialidades no convênio, dois ou mais interessados que se unem para alcançar os resultados acordados.

Não entraremos no debate sobre a diferenciação doutrinária entre ambas as formas de acordo dado que o Ministério da Saúde, Portaria n° 2.567, de 2016, adota o conceito clássico dos compromissos mútuos em torno de interesses comuns para os convênios e obrigações contrapostas para os contratos, com os contratos regendo-se pela lei de licitação e contratos e o convênio naquilo que couber. Além do mais, o Decreto Federal n° 11.531, de 2023, que dispõe sobre convênios que a Administração Pública Federal pode firmar com órgãos e entidades públicas, consórcios públicos e entidades privadas sem finalidades lucrativas para a execução de programas, projetos e atividades de interesse recíproco e em regime de mútua cooperação, regula a matéria em âmbito federal.

O Manual de Orientações para a Contratação no SUS do Ministério da Saúde, definem convênio e contrato da seguinte forma:

“Convênio: ato firmado entre o ente público e a instituição privada sem fins lucrativos quando houver interesse comum em firmar parceria em prol da prestação de serviços à saúde;

Contrato Administrativo: ato firmado entre o ente público e a instituição privada quando o objeto for a compra de serviços de saúde;

Modelo do Documento Descritivo ou Plano Operativo: documento oficial na qual os responsáveis de uma organização ou entidade estabelece uma série de objetivos a cumprir. É a estratégia que indica o que se quer e quais são os passos a serem seguidos para alcançar uma meta préestabelecida.”

Na realidade, a Lei n° 13.019, de 2014 reservou o convênio tão somente à cooperação pública-pública, excetuada a saúde, o que não foi observado pelo Decreto n° 11.531, de 2023, que admite o convênio com entidade sem finalidade lucrativa. Por sua vez a Lei n° 11.107, de 2005, § 4°, art. 1° (lei dos consórcios públicos) estatui que aplicam-se aos convênios de cooperação, no que couber, as disposições desta Lei (21).

Temos ainda a nova lei de licitações e contratos, a Lei n° 14.133, 2021 (22), que reza em seu art. 184 (e 184-A) a sua aplicabilidade, no que couber, aos convênios. Referida lei foi alterada pelo Projeto de Lei n° 3.954, de 2023, aprovado no Congresso Nacional, pendente de sanção presidencial (23) que deu nova redação ao art. 184 e incluiu o art. 184-A. Admitiu o convênio com as entidades privadas sem finalidades lucrativas, na forma do § 1° do art. 199 da CF.

A questão está em que os convênios, ao lado dos contratos, do art. 24 da LOS, têm por finalidade suprir deficiências públicas de serviços. Como a Constituição, § 1° do art. 199, considerou o convênio dentre os ajustes da participação complementar do setor privado no SUS, é preciso entender o seu objeto. Tratamos desse tema em artigo (24) a respeito dos serviços privados no SUS e a Lei n° 13.019, de 2014, para demonstrar a inaplicabilidade desta lei ao SUS, antes de sua alteração em 2015, que afastou a sua incidência ao regime da complementaridade na saúde, dadas as suas especificidades.

Em 1990, a LOS ao disciplinar a liberdade da iniciativa privada para atuar na assistência à saúde, definiu a insuficiência pública de serviço público para o atendimento da população como o objetivo central para que esse hibridismo prestacional sanitário público-privado pudesse ocorrer. O seu art. 24 dispõe que quando as disponibilidades públicas forem insuficientes para garantir cobertura assistencial à população de uma determinada área, o SUS (25) poderá recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada. Vê-se que é a insuficiência pública a motivar a busca dos serviços de saúde do setor privado para complementar a rede pública. Presentes ainda na norma, a preferência das entidades privadas sem finalidades lucrativas, a necessidade de formalização de vínculo jurídico e a obrigatoriedade de critérios, valores e forma de reajuste a garantir a efetiva qualidade da execução dos serviços e o equilíbrio econômico-financeiro do contrato (artigos 24-26).

O art. 24 ao se referir a valores de remuneração, forma de reajuste, equilíbrio econômico-financeiro, serviços contratados, vedação de proprietários, dirigentes, administradores das entidades contratadas exercerem funções de chefia no SUS, faz pressupor tratar-se mais de contrato do que de convênio.

A motivação para que o público recorra aos serviços privados em razão de sua carência, faz pressupor existirem serviços privados e haver disposição do setor privado em observar as diretrizes do SUS e o preço pré-fixado pelo poder público (art. 26 da LOS).

Dada as especificidades dos serviços de saúde, na maioria das vezes, a inexigibilidade de contratar se faz presente, por nem sempre ser possível instaurar competição, com o preço sendo pré-fixado pelo público e outras especificidades como localização dos serviços. Lembramos que as entidades privadas sem finalidades lucrativas gozam de preferência nessa escolha, uma forma de privilegiar quem atua a favor do interesse social, sem intuito de lucro. Em ambos os casos, o contrato e o convênio são modelos jurídicos para assegurar estabilidade na relação estabelecida, devendo a forma ser compatível com o objeto a ser ajustado.

Ao lado da complementaridade dos serviços públicos pelos privados, nasceu em 1988 a organização social, que na área da saúde se expandiu consideravelmente pelo país, especialmente a partir da edição da Lei Complementar n° 846, de 1998, que a introduziu no Estado de São Paulo. Ainda que em 1991 tenha sido autorizada a criação do Serviço Social Autônomo Associação das Pioneiras Sociais (Lei federal n° 8.246), criada pelo Decreto nº 371, de 1991, com extinção da Fundação das Pioneiras Sociais, entidade pública federal, este modelo jurídico não repercutiu perante os demais entes federativos, que não o reproduziram.

A partir de então mudou-se o cenário da complementaridade clássica do § 1° do art. 199, fundado na carência de serviço público, que passava a outro patamar, bastante diferenciado, por permitir a extinção de serviços da estrutura pública para os traspassar, mediante contrato de gestão, a uma entidade privada qualificada como organização social ou ainda contratar uma organização social para prestar serviços de saúde com ou sem cessão de bens móveis e imóveis e pessoal. Isso tudo se constituindo com o fomento público ao privado ao invés de o próprio poder público atuá-los pelas suas estruturas públicas, sob a fundamentação de ser mais vantajoso, eficiente, efetivo, firmar contrato de gestão com terceiro. Ou seja, o poder público entendia ser mais oportuno incentivar, mediante fomento, subvenção, o setor privado sem finalidade lucrativa a prestar serviços de saúde à população pelas regras do direito privado. Assim o SUS adentrou na área das parcerias público-privadas.

3. As parcerias na saúde para além das insuficiências públicas

No fim da década de 90, no âmbito da Reforma Administrativa implementada pelo Governo Federal com base nas diretrizes do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, a Lei Federal nº 9.637 (26), de 1998, instituiu o Programa Nacional de Publicização (PNP) e o modelo de qualificação das organizações sociais, somente regulamentados em 2017 pelo Decreto n° 9.190. Tal lei foi bastante criticada por tratar, na expressão de Di Pietro (2017) (27), de uma privatização e não publicização dos serviços públicos, especialmente os da saúde, tendo sido questionada judicialmente em 1998 perante o STF, ADI n° 1.923, de 2015, que ao final foi julgada constitucional, com a proliferação do modelo no país, em variadas formas legislativas em relação à lei federal.

Embora a Lei n° 9.637, de 1998, tivesse disposto sobre as áreas em que o Poder Executivo Federal poderia qualificar organizações sociais — ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura e saúde — não houve detalhamento sobre quais serviços no âmbito dessas áreas seriam passíveis do programa de publicização para ressalvar atividades com poderes estratégicos, de autoridade, planejamento, a exemplo, a atenção primária da saúde (28).

Na área sanitária, em razão do amplo conceito de saúde, há serviços com poderes estatais privativos, como a vigilância sanitária (regulamentação, fiscalização e controle), ao lado de serviços assistenciais livres à iniciativa privada, nos termos do artigo 199 da Constituição, como os serviços ambulatoriais e hospitalares — um campo que exige demarcação pelo seu hibridismo de poderes estatais exclusivos e comuns ao setor privado.

A força regulamentadora do Decreto nº 9.190, de 2017, dezenove anos depois, circunscreveu-se à esfera federal, principalmente no que concerne ao processo de publicização e aos aspectos estatutários da qualificação das organizações sociais (OS), não tendo efeito de diretrizes gerais sobre os modelos de OSs instituídos por estados e municípios no período de 1998-2023, com molde diverso do federal, configurando-se modelos de parceria e fomento público nem sempre alinhados ao federal, até mesmo, muitas vezes, distantes da concepção original federal (29).

A organização social federal é um modelo de parceria mais afeito a uma cogestão, uma vez que a lei federal exige que os estatutos da entidade privada sem finalidade econômica mantenham em seus órgãos estatutários de direção superior, servidores públicos federais, o que traz para a parceria, a cogestão pública-privada, uma forma híbrida de governança. Humberto Martins entende que a organização social é uma espécie de cogestão público-privada (30).

Em SP, a expansão dos serviços de saúde não mais se daria pelas estruturas públicas, mas sim mediante fomento ao setor privado que assumiria esses serviços, com o poder público traspassando (concessão de uso) suas estruturas para o setor privado que organizaria os serviços, com contratação de pessoal e demais necessidades técnico-administrativa.

A questão que permanece nos dias de hoje é se essas parcerias se enquadram no conceito de complementaridade do art. 199, §1° da CF, ou se são dois os regimes a reger as relações públicas e privadas no SUS, o da complementaridade que se fundamenta nas insuficiências públicas de serviços, nos termos do art. 24 da LOS, e o das parcerias, que pressupõem regime de fomento público ao setor privado para a expansão ou não de serviços de saúde em regime de colaboração público-privado, destinadas não mais a complementar stricto sensu a rede pública, mas sim a buscar melhores resultados da gestão de serviços pela colaboração, cogestão, cooperação, compartilhamento público-privado destinados ao atendimento da população. Não obstante não há uma legislação de normas gerais, específica sobre as parcerias no SUS.

O TCU em seu Acordão n° 3.239, de 2013, distingue o regime da complementaridade do da parceria que denomina, no caso da OS, de transferência da gerência dos serviços de saúde, cabendo ao Poder Público justificar a sua vantajosidade, que precisa ser demonstrada. No nosso entendimento, nas parcerias público-privadas o quesito da insuficiência não se faz presente, mas sim o da vantajosidade, quando então estaríamos diante de dois regimes, o da complementaridade e o da parceria, cada um com uma motivação própria.

Na complementaridade caberia o contrato administrativo quando o objeto for a compra de serviços privados pelo poder público, mediante pagamento de preço préfixado, nos termos do art. 26 da LOS, pelo poder público. Aqui é de praxe a licitação quando a inexigibilidade não se fizer presente, uma vez que na contratação de serviços de saúde há pressupostos relevantes, como localização dos serviços, seu fracionamento em acordo a rede de atenção à saúde e outros elementos próprios do SUS que afastam a competição. Além do mais, é preciso respeitar a preferência das entidades sem finalidades lucrativas.

Poderá ainda na complementaridade haver a figura do convênio, que não está excluída conforme veremos adiante, para estabelecer regime de mútua colaboração, com metas e fomento público que venham expandir o atendimento à população, como exemplos, as reformas, a construção de novas instalações, a compra de equipamentos, a capacitação de pessoas ao lado da prestação de serviços existentes na entidade privada. Ressalve-se, contudo, que mesmo sendo possível parcerias com o setor privado lucrativo (31), no caso do fomento público, ele somente poderá se estabelecer com entidades sem finalidades lucrativas, dada a vedação da concessão de subvenção a entidades lucrativas na área da saúde (art. 199, § 2° da CF) (32).

Essa modelagem convenial ainda se insere no âmbito do regime da complementaridade, diferente da organização social, em sua forma federal, que consiste na qualificação de uma entidade sem finalidade lucrativa que firma contrato de gestão com o poder público, geralmente com a permissão ou concessão de uso de bens públicos, móveis e imóveis, cessão de servidor público, fomento público (subvenção), para prestar em nome próprio serviços de saúde à população, mediante definição conjunta de metas e resultados. Essa modelagem não supre deficiência pública pelo fato de esses serviços poderem ser ofertados pelo próprio poder público, que detém os meios materiais e financeiros para fazê-los por entender mais vantajosa, comprovadamente.

Conclui-se que essa forma de gestão privada de serviço de interesse público na área da saúde não tem a finalidade de complementar insuficiências públicas, mas sim a de fomentar o setor privado a manter serviço de interesse público, sob titularidade privada, para a população usuária do SUS, em acordo a suas diretrizes e princípios. O fomento público tem a finalidade de induzir o privado, entendendo que assim alcançará melhores resultados, definidos em metas públicas. Assim esses ajustes público-privados, tão comuns na área da saúde, não se enquadrariam no regime previsto no art. 24 da Lei n° 8.080, de 1990. Ainda que se argumente que eles, muitas vezes, ampliam a rede pública-SUS, o mesmo ocorreria se a gestão fosse pública.

Ressaltamos que as organizações sociais para receber qualificação pública, geralmente fundações e associações privadas, devem se revestir de determinadas características, conforme previsto em lei, para então poder firmar contrato de gestão e receber fomento público, obrigando-se a cumprir metas e resultados.

Há ainda as oscips, da mesma família das qualificações, regidas pela Lei n° 9.790, de 1999, que podem formar parceria com o poder público para o desenvolvimento de programas e projetos específicos; entendemos que seus acordos (termo de parceria) devem ser por prazo de duração menor do que o da organização social, pelo fato de esta última gerir serviços de natureza contínua, o que requer infraestrutura estável, duradora, como é o caso da contratação de pessoal, da criação de estruturas públicas para gerir um hospital.

Outro modelo de parceria na saúde tem se dado com o Serviço Social Autônomo (SSA), o qual requer um olhar diferenciado pelo fato de depender de autorização do Poder Legislativo para que o Poder Executivo possa cria-lo, sob a forma de entidade regida pelo direito privado, destinada a prestar serviços de interesse público de saúde, mediante fomento público. Di Pietro (33), citando definição de Hely Lopes Meirelles, estatui ser o SSA figura jurídica paraestatal de cooperação com o Poder Público. Diferente pois das organizações sociais e das oscips, que são qualificações governamentais de pessoas jurídicas privadas instituídas livremente pelo particular, as quais ficam habilitadas a manter vínculo jurídico com o Poder Público para o desenvolvimento de atividades de interesse público, sob o regime do direito privado. O SSA é instituído pelo Poder Público, o que é um grande diferencial.

O serviço social autônomo não foi criado por lei como uma figura jurídica específica, própria, como diz Di Pietro (34), a norma inicialmente apenas atribuiu as “Confederações Nacionais o encargo de fazê-lo” por meios próprios, tendo o Poder Público “garantido a manutenção dessas entidades por meio de contribuições parafiscais recolhidas pelos empregadores.” Mais recentemente, o Poder Público, na saúde, tem criado diretamente figuras jurídicas denominadas Serviço Social Autônomo que não se enquadram no conhecido modelo denominado “S” (35), algumas na área da saúde, como é o caso da Agência Brasileira de Apoio à Gestão do SUS (AgSUS) (36) criada por decreto do Executivo, após a autorização legislativa, que aprovou o seu estatuto que prevê a participação majoritária do poder público em seus órgãos de direção superior, com escolha e designação dos membros da Diretoria Executiva pelo Presidente da República, cujo vinculo jurídico com o poder público é o contrato de gestão, que prevê o fomento para o alcance de seus objetivos estatutários (Lei 13.958, de 2019, alterada pela Lei nº 14.621, de 14/07/2023). Trata-se de pessoa jurídica de direito privado que tem a finalidade de promover, em âmbito nacional, a execução de políticas de desenvolvimento da atenção à saúde indígena, nos diferentes níveis, e da atenção primária à saúde. Pessoa jurídica de direito privado, cuja maioria dos membros do Conselho Deliberativo é do Poder Público e os membros da Diretoria Executiva escolhidos pelo Presidente da República o que causa estranheza e deve prestar contas diretamente ao TCU.

Há ainda o federal Serviço Social Autônomo Associação das Pioneiras Sociais, Lei n° 8.246, de 1991, já mencionada neste trabalho, que extinguiu a pública Fundação das Pioneiras Sociais e traspassou seus bens móveis e imóveis, pessoal para o SSA e definiu que seria firmado contrato de gestão entre o Ministério da Saúde e o SSA, com fomento público. Em alguns outros estados foram instituídos serviços sociais autônomos destinados a prestarem serviços de saúde, sob o figurino do direito privado, com fomento público, como é o caso de Minas Gerais e Distrito Federal. São entidades paraestatais que convivem ao lado de outras formas jurídicas de cooperação público-privado, como as organizações sociais e as oscips, criadas livremente pelos particulares, detentoras de um título jurídico concedido pelo Estado. Todas são consideradas formas de parcerias entre o público e o privado que escapam ao regime da complementaridade por não se destinarem a suprir carências públicas de serviços, com o Serviço Social Autônomo que ainda depende de autorização legislativa e é criada pelo próprio Estado.

Daí se poder afirmar existirem dois regimes de prestação de serviços privados no SUS: (i) os serviços privados que, mediante vínculo jurídico contratual, complementa a ausência pública de serviço; (ii) a atuação privada que, em razão do fomento público, presta serviços ao SUS, sem intuito de lucro, mediante pessoa jurídica privada qualificada publicamente. Desse modo pode-se dizer que a participação privada na rede SUS se compõe (i) do regime da complementaridade, com os contratos (e convênios) que têm por objeto complementar a rede SUS com os serviços privados existentes no mercado ante as insuficiências públicas e o (ii) das parcerias que acresce ao modelo prestacional público serviços de titularidade privada, regidos pelo direito privado e financiado pelo fomento público.

Por fim, são dois os regimes de participação privada no SUS, com os contratos de prestação de serviços submetidos à lei de licitação e contratos, bem como os convênios, no que couber e na ausência de lei específica; e os contratos de gestão e outros termos jurídicos regidos por leis específicas, sob a fiscalização e controles públicos, lembrando a importante questão do cômputo de pessoal para efeito da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que nas parcerias tendem a incidir sobre o pessoal contratado pelo parceiro privado, conforme determinação de norma do Tesouro Nacional.

Não comentaremos o regime das parcerias público-privadas da Lei n° 11.079, de 2004, por tratar-se de concessão administrativa e patrocinada de serviços públicos, pelo fato de a mesma ter finalidade lucrativa, tendo nos centrado neste trabalho mais sobre os modelos de parceria sem intuito de lucro e o fomento público.

Um enfoque que não pode escapar ao tema é a fiscalização e controle desses ajustes jurídicos sob a ótica da competência do ente federativo. No nosso entendimento, a forma de transferência de recursos obrigatórios da União para os estados e municípios induz a competência do controle interno e externo. Essa competência é um tema ainda duvidoso, havendo, às vezes, superposição de controles, com o ente federal se julgando competente para exercer o controle dos recursos transferidos até o gasto final, o que certamente envolveriam os contratos, os convênios, os termos de parcerias, entre o ente recebedor e terceiros.

Rateio obrigatório de recursos entre os entes federativos

Abrimos um parêntese para brevemente comentar a competência pela fiscalização dos recursos federais transferidos pelo Fundo Nacional de Saúde para os demais entes federativos. O SUS é um sistema complexo de gestão de serviços públicos em rede interfederativa de saúde, com muitas questões de compreensão divergentes entre os operadores do direito, como ocorre com o controle dos recursos entre os entes federativos. Nos termos do art. 71, VI da CF, cabe ao TCU fiscalizar a aplicação de recursos repassados pela União aos estados e municípios. No caso do SUS, importa compreender até que ponto o controle deve ser federal e quando passa a ser estadual para evitar controles superpostos e a possibilidade de decisões conflitantes em relação às transferências obrigatórias.

Certamente que é dever do TCU fiscalizar a transferência de recursos obrigatórios da União para os estados e municípios no SUS, conforme previsto especificamente na Lei Complementar n° 141, de 2012, que dispõe sobre a obrigatoriedade de haver prestação de contas dos recursos federais pelo relatório de gestão quadrimestral e anual, conforme art. 36 da referida lei, do ente recebedor, submetido ao conselho de saúde correspondente.

Primeiramente, caberia ao TCU examinar as transferências federais em sua conformidade aos critérios de rateio do art. 17 da Lei Complementar n° 141 (37). Importante lembrar que os critérios de rateio previstos no art. 17 da referida lei não têm sido cumpridos pela União, o que induz a uma fiscalização federal mais convenial por se dar comumente por programas, incentivos, adesões. Recursos conveniais devem inclusive ter seu saldo devolvido pelo ente recebedor, caso não sejam cumpridos os objetivos da cooperação. Os repasses no SUS são obrigatórios e permanentes, o que não compadece com o modelo convenial que tem prazo, prestação de contas, objeto específico, devolução de recursos etc. O SUS não é uma cooperação voluntária, mas sim obrigatória, impositiva pelo art. 198 da Constituição (38). Pelo critério de rateio legal, por exemplo, deve haver repasse de recurso per capita, sem vinculação específica a determinado programa, destinado a promover equidade federativa, diminuição das desigualdades. Assim pode-se dizer, na forma da lei, que devem ser três os níveis de repasse: o que visa corrigir desigualdades regionais; o que deve ser aplicado na sustentabilidade da rede de serviços; e o referente ao desempenho do ente federativo do ano anterior (39).

A sistematização dos critérios previstos no art. 17 da Lei Complementar impõe três níveis de repasse, após a combinação de seus 13 critérios em três eixos (40) que consideram (i) a condição socioeconômica dos entes federativos; a epidemiologia; a demografia e a geográfico; (ii) a rede de atenção à saúde (os serviços existentes); (iii) o desempenho do ano anterior. Na realidade a União não procede dessa forma em relação às transferências de recursos, sendo, na maioria das vezes, realizadas em correspondência à organização de serviços, no âmbito das políticas de saúde pactuadas na Comissão Intergestores Tripartite (CIT), mediante adesão do ente federativo e o pagamento de incentivos dentro de um teto financeiro e inúmeras identificações de atividades (as denominadas “caixinhas”). Essa forma de transferência enseja controle mais afeito ao convênio, cuja competência se insere na esfera do ente repassador dos recursos e não do ente recebedor (TCE e TCM, onde houver). Marques Neto (41) ao analisar essa questão, concluiu que essa competência fiscalizadora dos entes federativos deve ser complementar, “exercendo os órgãos de controle competências de fiscalização diferenciadas sobre a mesma operação econômica”.

Caberia assim, ao Ministério da Saúde fiscalizar a existência do relatório de gestão do ente federativo; sua aprovação ou não pelo conselho de saúde correspondente. Os tribunais de contas estaduais (municipais, onde houver) fiscalizariam as contas do ente federativo estadual e municipal, inclusive os recursos das transferências e sua aplicação em conformidade ao plano de saúde, também pelo relatório de gestão, seus contratos, convênios, fomento o que demandaria outro estudo com outro objeto.

Fechando o parêntese da competência pelo controle interno e externo que não deve ter sobreposição nem omissão, mas sim complementaridade, ainda que, muitas vezes, a superposição ocorra, e retomando o tema das parcerias entre o Poder Público e o setor privado na área da saúde para concluir, importa ainda ressaltar que os serviços quando prestados pelo setor privado no regime de parceria se enquadrariam na categoria de serviços privados de interesse público, entendimento que professa Di Pietro, 2017 (42).

Em artigo publicado A atenção primaria e a privatização dos serviços de saúde (43) mencionei a sistematização de Celso Antonio Bandeira de Mello (44) em relação ao serviço público, que ele caracteriza como aquelas atividades que o Estado ao lhe conferir relevo em relação à coletividade que deve usufrui-la, assume o dever de provê-la de modo direto, exclusivo, mediante colaboração ou por outras formas de prestação. O professor Bandeira de Mello (45) discrimina quatros categorias de serviços:” a) serviços de prestação obrigatória e exclusiva do Estado; b) serviços de prestação obrigatória do Estado e em que também é obrigatório outorgar em concessão a terceiros; c) serviços de prestação obrigatória pelo Estado, mas sem exclusividade; e d) serviços de prestação não obrigatória pelo Estado, mas não os prestando, é obrigatório a promover-lhe a prestação tendo que outorgá-los em concessão ou permissão a terceiros”.

Ao adotarmos essa classificação, a saúde pública se enquadraria na letra “c” por ser um serviço público que o Estado está obrigado a prestar, mas sem exclusividade dado a assistência à saúde ser livre a iniciativa privada, conforme determinação constitucional, artigo 199. Nesse conceito, o Estado é obrigado a prestar serviço de saúde sem exclusividade, admitindo-se liberdade ao particular para nela atuar com a ressalva de a saúde situar em área de relevância pública o que diferencia-a de outras atividades, como vender sapatos ou prestar serviços de informática.

O Ministro Ayres Britto (46) confere à saúde uma dimensão especial, enquadrando tal serviço na categoria de serviços de senhorio estatal, ainda que não exclusivo do Poder Público e que por ser de competência mista (pública e privada) são:

“Atividades mistamente públicas e privadas, importando lembrar que, se prestadas pelo setor público, são atividades públicas de regime jurídico igualmente público. Se prestadas pela iniciativa privada, óbvio que são atividades privadas, porém sob o timbre da relevância pública”.

O carimbo da relevância pública mencionada pelo Ministro Ayres Britto, nos leva a considerar que na realidade poderia ainda haver uma quinta categoria de serviços públicos e não apenas quatro, que seriam os da saúde pública dada a sua relevância. Nessa linha poderia se dizer que a quinta categoria seria o serviço público não exclusivo, de senhorio misto nas palavras do Ministro, dotado de relevância pública, sujeito então à regulamentação, fiscalização e controle públicos. Serviços que ficam sob resguardo público, notadamente os prestados em regime de parceria onde há fomento público.

Assim as atividades de saúde mesmo sendo livres à iniciativa privada (somente as de assistência à saúde) não perdem a sua genética de serviço de relevância pública, o que lhe confere uma característica diferenciada, um revestimento especial, exigindo do Poder Público regulamentação, fiscalização e controle do mesmo porte de sua dignidade de direito fundamental. Nessa linha podemos acrescentar à sistematização do professor Bandeira de Mello, uma quinta categoria.

4. Considerações finais

O SUS nasceu como um sistema de ações e serviços públicos de saúde insuficientes para o atendimento das necessidades da comunidade, que passou a ser toda a população brasileira. O Poder Público em 1988 não contava com estruturas próprias suficientes para a universalização do acesso. Era preciso alocar recursos públicos para ampliar os serviços durante os seus primeiros anos e garantir a sustentabilidade da rede sanitária de modo contínuo. A própria Constituição, ao permitir a complementação da rede pública pelos serviços privados, § 1° do art. 199 da CF, reconheceu essa carência pública e corretamente, ao lado de permitir a complementaridade, previu em seu art. 55, ADCT, a garantia mínima de 30% dos recursos do orçamento da seguridade social para a saúde, até o advento da próxima lei de diretrizes orçamentárias, a qual deveria observar essa determinação por se configurar como uma matriz constitucional orientadora dos valores mínimos necessários a um sistema universalizado que deveria ao longo do tempo suprir suas próprias deficiências.

Mas não foi o que ocorreu e os recursos orçamentários para a sustentabilidade do SUS foram insuficientes desde então (47). E continuam sendo insuficientes para a garantia da efetividade do direito à saúde, bastam os crescentes números da judicialização e a complementação dos serviços públicos pelos privados que chegam a mais de 85%, como ocorre com os serviços de alto custo. Essa complementação de serviços públicos pelos privados, nos estados e municípios que passaram a integrar um sistema de saúde de difícil compreensão, consequentemente assolados por dúvidas jurídicas sem tempo para a sua resolução, contrataram serviços, muitas vezes, sem o necessário termo jurídico; firmaram convênios sem atentarem para as suas especificidades etc. E durante esse período de muitas incertezas técnico-administrativas e financeiras na construção do SUS, foi editada a lei federal das organizações sociais, cujo modelo se espalhou pela Administração Pública, especialmente na esfera estadual, convivendo os contratos e convênios do regime da complementaridade com os contratos de gestão das organizações sociais, e em 1999, com os termos de parcerias das oscips. Tudo sendo construídos ao mesmo tempo.

Contudo, os recursos para o financiamento do SUS continuaram insuficientes. Além do mais, foram sendo editadas normas infralegais, construindo-se um emaranhado de formas para a aplicação dos recursos do rateio federativo da União, que impunham regras complexas em sua aplicabilidade em um já complexo SUS, que convivia com serviços próprios individualizados; com os de referência federativa; os serviços complementares privados; os serviços de titularidade privada sustentados pelo fomento público; questões pendentes quanto à competência federativa para o exercício do controle interno e externo; normas que aprovaram formas para a gestão pública interfederativa, como a gestão municipal denominada semiplena, incipiente; a ausência de planejamento de longo prazo para superar as frequentes trocas de dirigentes do SUS em cada esfera de governo; a ausência de metas para vencer as insuficiências públicas ou uma política pública a definir para o SUS um percentual de serviços de titularidade pública, a protegê-lo da captura do mercado que tem um modelo assistencial diferente do público.

Pode-se dizer que ao lado da complementaridade, que ainda não tinha sido solidificada, nasceram as parcerias, sem um planejamento nacional a orientar uma política pública adequada tanto para a complementaridade como para as parcerias. E agora ao lado desses regimes, temos a “transformação digital da medicina nos últimos anos que reaqueceu a economia da saúde atraindo novos investidores, com um potencial e promissor mercado (...) para o novo Eldorado dos desenvolvedores de tecnologia digital”, na afirmação de Luiz Vianna Sobrinho (48), demonstrando as profundas mudanças no mundo da saúde neste século, lembrando que a abertura do capital estrangeiro na saúde teve e tem um forte impacto na saúde como negócio (49) e no SUS público e universal.

Ressaltamos que ao lado da grande coragem das autoridades públicas na implantação do SUS em todo o país, houve mora na estruturação da Administração Pública para receber o novo, a gestão trilateral do SUS (50), o regime da complementaridade, as parcerias, todas elas ainda padecendo de conflitos hermenêuticos, insegurança jurídica, como foi o caso da lei federal das organizações sociais arguida de inconstitucionalidade em 1999 e somente julgada mais de 15 anos pelo STF, ADI 1.923, e agora a medicina de dados, a saúde digital.

É de se considerar ainda que a Lei n° 8.080, de 1990, não foi regulamentada antes de 2011, tendo sido aplicada por portarias do Ministério da Saúde, que além de excessivas, mudavam continuamente a forma de se organizar o SUS. Assim, o regime da complementaridade foi sendo aplicado de forma díspar, se constituindo durante muitos anos como um dos problemas na gestão do SUS estadual e municipal. Portarias do Ministério da Saúde foram editadas para dispor sobre a complementariedade, alteradas, revogadas várias vezes (51). Aliás, o Ministério da Saúde produziu mais de 10 mil artigos expressos em suas portarias consolidadas em 2017, não se sabendo ao certo, o que pode ou não estar em conflito, afora seus inúmeros anexos. Seria importante uma revisão dessas regras.

As parcerias público-privadas na saúde, que convivem com os contratos e convênios do regime complementar, se ampliaram sem planejamento e estudo que demonstrem a sua vantajosidade concretamente; com crescentes questionamentos que precisam ser considerados e solucionados para segurança jurídica e sanitária dos serviços. Ampliam-se as formas de prestação de serviços públicos à população em sua forma híbrida, convivendo serviços de titularidade pública e privada no SUS, sem estudo sobre o quanto deve ser público e privado para não afetar a gestão pública, as políticas de saúde. Ainda pendem de aperfeiçoamentos normativos ou administrativos e de controle público diversos aspectos dessa forma mista da rede SUS. A própria figura da AGSUS, criada pelo executivo federal e que muito se assemelha a uma entidade autárquica, mas regida pelo direito privado, precisa de melhor enquadramento.

Nesse cipoal da gestão pública do SUS, que convivem serviços públicos de relevância pública com serviços privados, conglomerados de saúde, encontram-se os dois regimes citados neste trabalho, (i) o da complementaridade dos serviços públicos, ante as suas insuficiências, pelos serviços privados, mediante vínculo contratual ou convenial, com preferência para as entidades sem fins lucrativos e (ii) o das parcerias público-privadas, com fomento público, reservada tão somente às entidades sem finalidades lucrativas. A primeira para suprir carências públicas e a segunda, a busca por maior vantajosidade pública, lembrando que esta vantajosidade deve ter indicadores claros, estudos, a garantia inconteste de se adotar o modelo assistencial público que proteja e promova a saúde das pessoas, prioritariamente, ao lado dos serviços de recuperação, sempre de modo racional, sóbrio, sem a indução do mercado para o consumo de saúde.

Não é demais lembrar que as parcerias surgiram no final dos anos 90 quando o noliberalismo apregoava que o Estado deveria ser mínimo em substituição ao Estado de bem-estar social, que estava sob revisão, especialmente no Reino Unido, com a Primeira Ministra Margareth Thatcher defendendo tal mudança, O Brasil, que de modo tardio e na contramão dessa discussão surgida no final dos anos 80, aprovou a Constituição Cidadã em 1988, com os ventos do neoliberalismo batendo à sua porta, o que certamente impactou a implantação do SUS, especialmente quanto ao seu financiamento sustentável nunca realizado.

Temos que a mais difícil questão da complementaridade e das parcerias está na ausência de uma política pública que reforce o modelo assistencial público, o controle público e defina a alocação dos recursos orçamentários, que se pretende sejam aumentados, para a garantia da sustentabilidade do SUS, um teto para a participação privada equilibrando o atual hibridismo para a garantia do modelo assistencial público – que certamente difere do privado lucrativo – o controle sobre a política pública de saúde e seu papel indutor do setor privado, os marcos públicos influenciando o “mercado” da saúde e não o seu contrário. Considerando tratar-se de área de relevância pública, de direito fundamental, a atuação privada no SUS precisa de regulamentação específica para preservar a relevância dos serviços, a importância do papel indutor do Estado quanto a política de saúde, o modelo assistencial, as diretrizes e princípios constitucionais e legais do SUS.

É preciso defender que o usuário não é um consumidor de saúde, mas sim detentor de um direito humano, fundamental, que deve ser provido de modo coletivo e racional em relação às novas tecnologias, à medicina de dados, aos parceiros privados, ao negócio da saúde. As organizações sociais detêm forte poder no SUS por movimentar bilhões de reais, o que logicamente lhe confere grande poder de influência no setor público e no mercado privado, especialmente nos fornecedores de produtos e insumos de saúde.

Abaixo tabela de autoria de professora Ligia Bahia, da faculdade de medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com as receitas anuais das três maiores organizações sociais da saúde que são, a Sociedade Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), que trabalha com mais de uma OS, a Organização Social de Saúde CEJAM - Centro de Estudos e Pesquisas Dr. João Amorim – de São Paulo e a Viva Rio situada na cidade do Rio de Janeiro:

A participação dessas entidades no SUS tem poder de indução no modelo assistencial público, ainda mais se se considerar que a sociedade brasileira está a envelhecer celeremente, requerendo mudanças na política de saúde que impõe medidas de educação sanitária para conscientizar e preparar a população para o autocuidado, a corresponsabilidade entre o profissional de saúde e o usuário, a solidariedade, a compreensão das necessidades do SUS de atendimento coletivo prioritário, protegendo as políticas públicas de saúde das influências do mercado da saúde, da vulnerabilidade do sentido de negócio. É preciso uma política educativa de que saúde é um bem fundamental e que deve ser protegido como tal. As fortalezas do SUS precisam ser reforçadas e não enfraquecidas pelo mercado da saúde que adentra a saúde pública e a influência, alterando o modelo assistencial público.

As parcerias público-privadas devem se aperfeiçoar pois vieram para ficar, assim como a complementaridade. Importante o Poder Público não perder seu poder de autoridade pública, de gestão estratégica, de indução do modelo público assistencial, mais preventivo, educativo, voltado para a consciência da prevenção como um freio a concepção de saúde como consumo, como mercadoria, o que põe em risco o sistema de acesso universalizado. É bastante difícil manter sistema público universal do porte do brasileiro em uma sociedade onde a medicina privada tem sido crescente, com ações na bolsa de valores, capital estrangeiro livre de qualquer regulação, com publicidade frequente e indutora de um comportamento social prómedicina altamente tecnológica e onerosa. O risco do avanço dos serviços privados no SUS é o seu poder de influência de um modelo próprio assistencial que não cabe em sistema público universal. Aliás países com sistemas universais de saúde têm serviços privados de saúde bastante reduzidos, dada a sua inibição pelas regras públicas.

Este século, em constante transformação e que afetará o SUS sem sombra de dúvida, exigirá das autoridades públicas e dos pensadores da saúde pública, reflexões e mudanças administrativas, assistenciais, técnicas, tecnológicas, epidemiológicas, informacionais, comunicativas para comportar as inovações, a medicina de dados, a saúde digital, de modo regulado, priorizando a prevenção de agravos, atuando nas determinantes sociais e ambientais da saúde, tão afetada pela desigualdade social e agora pelas alterações no meio ambiente que surgem a passos rápidos. Vivemos no intervalo entre o velho e o novo. O velho não abandonou a casa; o novo ainda está a se instituir.

É preciso que a ação do governo estimule nas pessoas o seu papel social como cidadão, como membro de uma comunidade, despertando sentimento de pertencimento, de que estamos todos juntos nisso (Sandel, 2020) (52). A financeirização da economia leva a saúde a um patamar de negócio e não de dignidade, o que pode erodir o sentimento comunitário, a solidariedade e enfraquecer as políticas públicas sanitárias que devem servir coletivamente a sociedade e protegê-la de agravos. Dalmo Dallari (53) afirmava que:

“Saúde é um instrumento de negociação política, pois tem representação econômica, podendo ser tratada como mercadoria, razão pela qual há necessidade de o Estado atuar como principal garantidor da saúde à população, já que a sua ausência na oferta desses serviços pode colocar o cidadão refém dos interesses econômicos”.

Por fim, entendemos importante uma revisão do regime da complementaridade e das parcerias para o seu aperfeiçoamento no âmbito da política pública sanitária a fim de preservar os alicerces de acesso universal e igualitário, a sua relevância pública, o modelo assistencial público da saúde, princípios que precisam manter-se invulneráveis às mudanças tecnológicas, sociais, econômicas, ambientais, mercadológicas, para preservar o SUS como política pública essencial para a proteção da vida e da dignidade humana, fundada no sentimento de destino comum que deve pautar as sociedades solidárias.


(3) Saúde é um direito social reconhecido como fundamental à garantia da vida e da dignidade das pessoas, sendo dever do Estado a sua prestação, regulação e prevenção de agravos. O STF assim o reconhece em diversos julgados, citando-se como exemplo, as ADIs n°s 1266-5/BA e n°1007-7/PE, 2005 que discorrem sobre a fundamentalidade do direito à saúde, o que implica amplos poderes públicos sobre esses serviços públicos e privados.

(4) A garantia do direito à saúde tem expressão abrangente, comportando, além das ações e serviços de saúde propriamente ditas, as condições socioeconômicas que interferem com a saúde das pessoas, denominadas de condicionantes e determinantes da saúde, além dos poderes conferidos exclusivamente ao público como a vigilância à saúde.

(5) O sistema previdenciário mantinha serviços de assistência social e saúde, além dos previdenciários stricto sensu, com o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps), extinto em 1993, Lei n° 8.689) a garantir serviços de recuperação da saúde aos beneficiários desse sistema.

(6) Essa política tem muito de um desenho instituído no Município de Campinas em 1997, do qual tive a honra de participação do ponto de vista jurídico, que criou um programa de parceria entre o poder público municipal e as entidades privadas sem finalidades lucrativas, as quais passaram a ser remuneradas de forma global (convênio global), com a criação de uma comissão mista de acompanhamento do convênio em sua execução.

(7) Em 1992 organizamos junto a Opas e ao Conselho Nacional de Saúde, a Oficina de Questões Jurídicas do SUS, com ilustres palestrantes, como Geraldo Ataliba, Carlos Ari Sundfeld, Márcio Cammarosano, Ricardo Lobo Torres, Guido Ivan de Carvalho, Sérgio Ferraz, entre outros. Esse documento consta do acervo do Idisa, Instituto de Direito Sanitário Aplicado.

(8) Marques Neto, FA. Público e Privado no Setor Saúde. Revista de Direito Púbico da Economia – RDPE, 09, jan/mar, 2005. Belo Horizonte: Editora Forum, p. 136.

(9) Santos, L.; Andrade, OM. SUS: O espaço da gestão inovada e dos consensos interfederativos. Brasília: Conasems e Idisa. 2007.

(10) A direção única em cada esfera de governo tem concepção setorial e não territorial. Como no anterior sistema nacional de saúde dos anos 70, os serviços de saúde estavam fragmentados entre diversos ministérios, como exemplo, o Ministério da Saúde; o da Previdência e Assistência Social; o do Trabalho; o da Educação; o do Interior, a intenção era que a direção dos serviços de saúde em cada esfera de governo fosse única setorialmente, ou seja, todos os serviços de saúde daquele ente federativo deveriam estar sob um único comando naquele governo. A interpretação de que qualquer serviço de saúde dentro de um município (estadual e federal) estará sob gestão municipal, é equivocada e impossível de ser praticada, pois esvaziaria a gestão estadual e federal por todos os serviços de saúde estarem sempre situados em um município. A direção de seus próprios serviços é única naquele governo.

(11) Foram revogados expressamente: NOAS n° 1 de 2001 pela NOAS n° 2, de 2002. As NOBs de 1993 e 1996 pelo Pacto de Gestão condicionada à sua celebração, o que ocorreu em mais de 90% dos estados e municípios; finalmente, o Pacto de Gestão pela Portaria n° 3.992, de 2017, esta última alterada pela Portaria n° 828, de 2020 (Portaria de Consolidação n° 6, de 2017), Portarias editadas pelo Ministério da Saúde, Gabinete do Ministro. Não obstante muitas dessas regras continuam sendo citadas e ainda praticadas. A consolidação das portarias foi um projeto que nasceu na Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa (Sgep) quando fui sua secretária (2015/2016) e convidei a Fiocruz para participar desse projeto com a finalidade de ao seu final, dar início ao processo de revisão pelas áreas específicas de todas as normas portariais consolidadas e assim dar ensejo a um regulamento do SUS mais enxuto e coerente.

(12) Pode sim serem classificados pelos serviços que prestam no sistema hierarquizado, como atenção primária, atenção especializada, atenção hospitalar, criando nomenclatura própria, como o de municípios com serviços do primeiro nível de atenção, do segundo sucessivamente, jamais como município incipiente.

(13) Silveira, Alessandra. Cooperação e Compromisso Constitucional nos Estados Compostos. Coimbra: Almeida, 2007, p. 105.

(14) Art. 198 da CF; art. Decreto n°7.508, de 2011, art. 8º a 14.

(15) Também se denomina atenção básica ou primária; atenção de média e atenção de alta complexidade tecnológica ou ainda atenção especializada e atenção hospitalar.

(16) Santos, L.; Andrade, OM. SUS: O espaço da gestão inovada e dos consensos interfederativos. Brasília: Conasems e Idisa. 2007.

(17) Lei n° 8.080, de 1990, art. 7°, inciso XII define como uma das diretrizes do SUS a capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência.

(18) Norma que até o presente momento não tem sido cumprida, assim como o critério de rateio federativo do art. 17 da Lei Complementar n° 141, de 2022, o que tem causado prejuízo na organização do SUS.

(19) “Art. 4° o conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estadu-ais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS)”, podendo a iniciativa privada participar do Sistema Único de Saúde (SUS), em caráter complementar §2°).

(20) Medauar, Odete. O direito administrativo em evolução. 2ª edição. São Paulo: Editora RT, 2006.

(21) A lei regulamentou o disposto no art. 241, da CF.

(22) Vigoram as Leis n°s 8.666, de 1993 e a 14.133, de 2021, até a revogação da primeira que se dará em 30.12.2023.

(23) Na data do término deste artigo, o PL n° 3.954 foi aprovado no Congresso Nacional (29 de novembro de 2023) aguardando sanção do Presidente da República. O referido projeto de lei promoveu alterações na Lei n° 14.133, de 2021 dispondo, dentre outros aspectos, sobre os convênios firmados no âmbito do regime da complementaridade do § 1° do art. 199 da CF, com a exigência, quando há participação da União e o seu valor seja de até um milhão e quinhentos mil reais, serem liberados em parcela única. Caso a lei seja sancionada dessa forma, os convênios SUS, firmados pelos estados e municípios com entidades sem finalidades lucrativas, com recursos das transferências federais da saúde, serão ou não afetados. Esses convênios SUS combinam em seus planos de trabalho, prestação de serviços assistenciais com metas qualitativas, apuradas mensalmente e pagas por procedimentos e incentivos. Essa sistemática soa incompatível com a exigência de liberação de parcela única. Esses convênios têm características de serviço continuado, com renovações periódicas. Bem diferente dos programas conveniais. Esse foi o motivo de a Lei n° 13.019, de 2014, ter excepcionado a sua aplicabilidade ao regime da complementaridade do SUS. Parece-nos tratar-se de norma mais afeita aos convênios com a União para a execução de programas custeados com recursos de emendas parlamentares.

(24) Santos, L. Serviços privados no SUS: o regime de complementaridade dos serviços públicos de saúde e a Lei n° 13.019, de 2014. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP. V. 49, abril-junho 2015, pag. 9-26.

(25) Tem sido usual utilizar SUS como pessoa jurídica, a própria Constituição ao fez em seu art. 200, ainda que o correto venha a ser os entes, entidades e órgãos que compõem o SUS.

(26) Tal lei dispôs sobre o Plano Nacional de Publicização no âmbito do Programa da Reforma do Aparelho do Estado com a organização social. Após dezenove anos, foi editado o decreto referido em seu artigo 20 regulamentando a organização social e regras do PNP.

(27) Di Pietro, MSZ. Direito Administrativo. São Paul: Editora Forense, 2017, p.646.

(28) Consultar artigo Lenir Santos, Revista de Direito Sanitário da USP, vol. 22, n. 2, ano 2022. Atenção primária da saúde e a privatização de serviços de saúde.

(29) É importante esclarecer que a ADI n° 1.923, de 1998, que considerou a organização social constitucional, centrou-se na análise do modelo federal, lei federal, que nem sempre guarda relação com os diversos formatos de organizações sociais existentes no país.

(30) Fux, L.; Modesto, P.; Martins, H. Organizações sociais após a decisão do STF. Belo Horizonte, Forum Editora, 2017.

(31) As PPPs da Lei n° 11.071, de 2004, dispõe (art. 2º) ser a parceria público-privada o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa, que tem sido utilizada na área da saúde pública.

(32) Chamei a atenção para essa vedação no caso do apoio financeiro federal para complementar o piso da enfermagem, uma vez que a Emenda Constitucional n° 127 estabeleceu que cabe à União essa complementação para o público e o privado prestador de serviço de no mínimo 60% de serviços ao SUS mediante ajustes jurídicos. Ver artigo Revista Conjur, 25.08.2023, intitulado Piso da enfermagem: desafios jurídicos de sua aplicablidade ao setor privado de Lenir Santos.

(33) Di Pietro, MSZ. Idem, p. 634.

(34) Di Pietro, MSZ. Ibidem, p. 63435 Ver Art.240 da CF.36 A AGSUS substituiu a ADAPS – Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde.

(35) Ver Art.240 da CF.

(36) A AGSUS substituiu a ADAPS – Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde.

(37) A Lei Complementar n° 141, de 2012, em seu art. 17, define critérios para as transferências dos recursos da União (Fundo Nacional de Saúde) para os demais entes federativos e exige da Comissão Intergestores Tri-partite (CIT) definição de metodologia de cálculo a ser aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS). Os valores a serem conferidos a cada ente federativo devem ser comunicados prévia e anualmente aos tribunais de contas e aos conselhos de saúde.

(38) Santos, L. Sistema Único de Saúde. Os desafios da gestão interfederativa. Campinas: Saberes Editora, 2013.

(39) A tabela de procedimento é uma herança do INAMPS para remunerar serviços decorrentes de contratos ou convênios com o setor privado complementar ao SUS. Aquela autarquia federal, extinta em 1993, remunerava seus contratos e convênios com terceiros (setor privado) para a prestação de serviços médicos, ambulatoriais, hospitalares e de apoio diagnóstico, de acordo com uma tabela de preço de procedimento ambulatorial e hospitalar e de média e alta complexidade, sendo a Autorização de Internação Hospitalar (AIH) uma forma de remuneração das internações.

(40) Essa sistematização dos 13 critérios em três eixos ou níveis de repasse foi desenvolvida em um estudo realizado por Lenir Santos e Áquilas Mendes, publicado no Boletim de Direito Municipal, NDJ, n° 9, setembro 2014, Notas Técnico-jurídicas sobre critérios de rateio e metodologia de rateio dos recursos federais para Estados e Municípios no SUS, não tendo até os dias de hoje sido desenvolvida a metodologia de cálculo dos critérios de rateio pela Comissão Intergestores Tripartite, aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde de que trata a LC 141, de 2012. É um concepção dos autores e não do Ministério da Saúde.

(41) Idem, pag. 139

(42) Ibidem.

(43) Idem.

(44) Bandeira de Mello, CA. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Editora Malheiros, 14ª edição, 2022.

(45) Ibidem, p. 615.

(46) Voto do Ministro Ayres Britto na ADI n° 1.923/DF – STF.

(47) Não foi sem motivo que o Ministro Adib Jatene empreendeu uma cruzada político-social para aprovação da CPMF (contribuição provisória sobre movimentação financeira) para financiar a saúde e ainda que tenha conseguido tal aprovação, seus valores não foram 100% destinados ao SUS.

(48) Vianna Sobrinho, L. O ocaso da clínica, a medicina de dados. São Paulo: Zagodoni Editora, 2021, p. 135.

(49) Sem julgamento da ADI n° 5.435, de 2015 que contesta no STF a abertura do capital estrangeiro na saúde, tem sido crescente o aporte desses recursos estrangeiros, como pode se ver na publicidade (Folha de SP, 11.11.23) com a notícia de que a Rede DÓR, com parcerias globais e investimentos na ordem de um bilhão de reais, forma novos profissionais e quer mudar a história da saúde. Lembramos que o art. 200 da CF estatui ser competência do SUS atuar na formação de recursos humanos para a saúde.

(50) A Lei n° 12.466, que reconhece a governança trilateral do SUS, somente foi editada em 2011, sob iniciativa do Conasems e Conass que lutaram no Congresso Nacional para a sua existência, absolutamente necessária para a garantia da gestão compartilhado do SUS.

(51) Em 1994 foi editada a Portaria MS n° 1.695, dispondo sobre a participação preferencial das entidades sem finalidades lucrativas, que foi revogada anos depois, sem ter havido nova disposição. No campo dos contratos foram editadas em 1993, a Portaria n° 1.286, revogada em 2006, com edição da Portaria n° 358, também revogada em 2006 pela Portaria 3.277; em 2010 foi editada a Portaria n° 1.034 e em 2016, a Portaria n° 2.567 que vigora até os dias de hoje. Isso sem falar da PNHOSP que instituiu o regime da contratualização na prestação de serviços hospitalares.

(52) Sandel, MJ. A Tirania do Mérito. O que aconteceu com o bem comum? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2020, p. 311.

(53) Citação livre da autora.


Referências

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Publicado na Revista de Direito da Saúde Comparado


Lenir Santos - Doutora em Saúde Pública pela Unicamp. Advogada sanitarista, especialista em direito sanitário pela USP. Presidente do Instituto de Direito Sanitário Aplicado – IDISA.




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