Obrigatoriedade legal em face do fornecimento de cadeiras de rodas motorizadas (banho e convencionais) aos pacientes SUS.
22/Mar/2024Por Lenir Santos
Nota Técnica IDISA n° 002/2024
Consulente: Secretaria Municipal de Saúde de Iracemápolis/SP
Assunto: Obrigatoriedade legal em face do fornecimento de cadeiras de rodas motorizadas (banho e convencionais) aos pacientes SUS.
O Município de Iracemápolis consulta o Instituto de Direito Sanitário Aplicado (IDISA) a respeito da obrigatoriedade de a Secretaria Municipal de Saúde fornecer cadeira de rodas aos usuários do SUS, indagando se tal serviço não estaria no âmbito da assistência social municipal. Esclarece ainda que tem sido comum solicitação à SMS do fornecimento de cadeira de rodas por pessoas que, muitas vezes, nem sequer são usuárias do SUS, ou seja, não estão sob os cuidados de seus profissionais de saúde.
A questão ora posta pelo Município de Iracemápolis, pela sua Secretaria Municipal de Saúde (SMS), exige análise à luz do conceito de saúde e do conceito de assistência social no âmbito da Constituição Federal e leis especiais, a fim de inibir qualquer forma de invasão de competências entre as duas áreas da seguridade social.
A Constituição Federal distingue suas três áreas da seguridade social – saúde, previdência e assistência social – definindo os direitos e seus beneficiários, ou seja, quem pode acessá-los, em seus artigos 196, 201 e 203. Importante pois analisar os conceitos dos serviços de saúde e de assistência social, conforme o disposto na Constituição, e ainda nos artigos 2°, 3° e 4° da Lei Complementar n° 141, de 2012, dado serem essas áreas as que as que acabam se mesclando.
Em termos constitucionais, a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que evitem o risco de agravo à saúde e o acesso universal e igualitário às ações e serviços públicos de saúde (art. 196). Na saúde não há nenhuma condicionante ao acesso das pessoas aos seus serviços, como ocorre com a assistência social.
A assistência social (art. 201 da CF) confere direitos àqueles que necessitarem de suas ações e serviços, independentemente de contribuição à seguridade social, com o objetivo de proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; amparo às crianças e adolescentes carentes; promoção da integração ao mercado de trabalho; a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e promoção de sua integração à vida comunitária; garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família; redução da vulnerabilidade socioeconômica de famílias em situação de pobreza ou de extrema pobreza.
Na assistência social há uma série de serviços de proteção social, condicionados, contudo, à falta de condição econômico-social da pessoa em prover a si mesma ou à sua família tais serviços.
Vê-se claramente tratar-se de direitos e serviços distintos, uma vez que a saúde deve atender a todos indistintamente (universalidade do acesso) e a assistência social somente aqueles que necessitem de seus serviços para garantir, dignidade de vida.
Para dirimir dúvidas entre o que pode ser considerado um serviço de saúde ou de assistência social, o legislador definiu na Lei Complementar n° 141, de 2012, o que são e não são ações e serviços de saúde para efeito de seu financiamento. Os artigos 2°, 3° e 4° dispõem sobre o tema da seguinte forma:
Art. 2o Para fins de apuração da aplicação dos recursos mínimos estabelecidos nesta Lei Complementar, considerar-se-ão como despesas com ações e serviços públicos de saúde aquelas voltadas para a promoção, proteção e recuperação da saúde que atendam, simultaneamente, aos princípios estatuídos no art. 7o da Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, e às seguintes diretrizes:
I - sejam destinadas às ações e serviços públicos de saúde de acesso universal, igualitário e gratuito;
II - estejam em conformidade com objetivos e metas explicitados nos Planos de Saúde de cada ente da Federação; e
III - sejam de responsabilidade específica do setor da saúde, não se aplicando a despesas relacionadas a outras políticas públicas que atuam sobre determinantes sociais e econômicos, ainda que incidentes sobre as condições de saúde da população.
Parágrafo único. Além de atender aos critérios estabelecidos no caput, as despesas com ações e serviços públicos de saúde realizadas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios deverão ser financiadas com recursos movimentados por meio dos respectivos fundos de saúde.
Art. 3o Observadas as disposições do art. 200 da Constituição Federal, do art. 6º da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, e do art. 2o desta Lei Complementar, para efeito da apuração da aplicação dos recursos mínimos aqui estabelecidos, serão consideradas despesas com ações e serviços públicos de saúde as referentes a:
I - vigilância em saúde, incluindo a epidemiológica e a sanitária;
II - atenção integral e universal à saúde em todos os níveis de complexidade, incluindo assistência terapêutica e recuperação de deficiências nutricionais;
III - capacitação do pessoal de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS);
IV - desenvolvimento científico e tecnológico e controle de qualidade promovidos por instituições do SUS;
V - produção, aquisição e distribuição de insumos específicos dos serviços de saúde do SUS, tais como: imunobiológicos, sangue e hemoderivados, medicamentos e equipamentos médico-odontológicos;
VI - saneamento básico de domicílios ou de pequenas comunidades, desde que seja aprovado pelo Conselho de Saúde do ente da Federação financiador da ação e esteja de acordo com as diretrizes das demais determinações previstas nesta Lei Complementar;
VII - saneamento básico dos distritos sanitários especiais indígenas e de comunidades remanescentes de quilombos;
VIII - manejo ambiental vinculado diretamente ao controle de vetores de doenças;
IX - investimento na rede física do SUS, incluindo a execução de obras de recuperação, reforma, ampliação e construção de estabelecimentos públicos de saúde;
X - remuneração do pessoal ativo da área de saúde em atividade nas ações de que trata este artigo, incluindo os encargos sociais;
XI - ações de apoio administrativo realizadas pelas instituições públicas do SUS e imprescindíveis à execução das ações e serviços públicos de saúde; e
XII - gestão do sistema público de saúde e operação de unidades prestadoras de serviços públicos de saúde.
I - pagamento de aposentadorias e pensões, inclusive dos servidores da saúde;
II - pessoal ativo da área de saúde quando em atividade alheia à referida área;
III - assistência à saúde que não atenda ao princípio de acesso universal;
IV - merenda escolar e outros programas de alimentação, ainda que executados em unidades do SUS, ressalvando-se o disposto no inciso II do art. 3o;
V - saneamento básico, inclusive quanto às ações financiadas e mantidas com recursos provenientes de taxas, tarifas ou preços públicos instituídos para essa finalidade;
VI - limpeza urbana e remoção de resíduos;
VII - preservação e correção do meio ambiente, realizadas pelos órgãos de meio ambiente dos entes da Federação ou por entidades não governamentais;
VIII - ações de assistência social;
IX - obras de infraestrutura, ainda que realizadas para beneficiar direta ou indiretamente a rede de saúde; e
X - ações e serviços públicos de saúde custeados com recursos distintos dos especificados na base de cálculo definida nesta Lei Complementar ou vinculados a fundos específicos distintos daqueles da saúde.
Vê-se, pois, que as ações e serviços de assistência social devem ser garantidas com recursos do orçamento da assistência social, sendo vedada a utilização de recursos da saúde, até mesmo porque na saúde é obrigatório o respeito ao plano de saúde, que define as ações e serviços a serem executados com recursos do orçamento do fundo de saúde, conforme estabelece a Lei Complementar n° 141, de 2012, tanto quanto na Lei n° 8.080, de 1990, art. 36. Não pode haver nenhum gasto de saúde sem haver previsão no plano de saúde aprovado pelo Conselho Municipal de Saúde.
A assistência social é um serviço destinados a prover mínimos existenciais às pessoas carentes, sem condições econômicas, diferentemente da saúde (SUS) que destina-se a prevenir agravos à saúde de forma coletiva (prevenção e promoção), ou seja, a toda a sociedade, cabendo-lhe, ainda, garantir serviços de recuperação da saúde de forma universal e igualitária e não tão somente às pessoas carentes. Se coubesse à saúde a garantia de cadeira de rodas, todos que dela necessitassem, sem exceção, sem ter que demonstrar a sua impossibilidade de arcar com custos, teriam esse direito. Enquanto o acesso à saúde é universal e igualitário, não sendo possível fazer distinção entre aqueles que podem ou não custear um serviço, uma vacina, um atendimento médico.
Essa distinção é constitucional. Na saúde, o acesso às ações e serviços de saúde é universal e igualitário; na assistência social é tão somente àqueles sem condições econômicas.
Daí a importância, para não haver invasão de atribuições, de a Lei Complementar n° 141, de 2012 ter definido o que são e não são ações e serviços de saúde. Na assistência social há uma condicionante ao acesso que é a falta de meios financeiros para a garantia da dignidade de vida, da aquisição de uma cadeira de rodas, dentre outras necessidades. Essa condicionante não há na saúde, que é ofertada a todos, havendo, por sua vez, a definição legal do que se considera como serviço e ação de saúde.
Nessa linha, cadeira de rodas e outros produtos e insumos de apoio às pessoas com deficiência sem recursos financeiros para provê-los, devem ser garantidos pelo Estado, conforme determina a Constituição, em acordo às suas áreas respectivas, no presente caso, pela assistência social.
Nesse sentido, tudo aquilo que não se enquadrar no conceito da Lei Complementar n° 141, não pode ser fornecido pelo setor saúde, com recursos da saúde. Em situações em que o requerente tenha se dirigido ao setor saúde para pleitear qualquer serviço que é da atribuição da assistência social por se vincular à situação econômica. Cabe à saúde nesses casos, orientar o requerendo e o direcionar ao setor competente.
Campinas, 22 de março de 2024
Lenir Santos
OAB-SP 87807
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