Apresentação

A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.

Editores Chefes
Áquilas Mendes
Francisco Funcia
Lenir Santos

Conselho Editorial
Élida Graziane Pinto
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado

ISSN 2525-8583



Domingueira Nº 01 - Janeiro 2022

Testar, testar e testar, absolutamente necessário

Por Carmino de Souza


Tenho acompanhado com grande preocupação a evolução da pandemia em todo o mundo e vejo o momento de grande apreensão da explosiva progressão dos casos e já de mortes com a nova variante, a “Ômicron”. Dados que vêm da África do Sul, e confirmados em muitos outros países, principalmente do Hemisfério Norte, mostram um potencial de disseminação desta variante muito elevado e com menor, mas não menos preocupante, agravos, principalmente, para a doença pulmonar.

O Brasil vem em seu trajeto errático e oscilante, sem comando único, sem políticas claras e consequentes a partir do Ministério da Saúde, deixando gestores públicos e população insegura quanto a nossa capacidade de combater e vencer esta grave crise sanitária. Tivemos recentemente a polêmica sobre a vacinação das crianças que, finalmente, parece caminhar para um desfecho adequado e necessário. Tudo isto à custa de muita discussão e desinformação. Tudo o que não precisamos agora é este tipo de insegurança e divisão de nossa sociedade.

A meu ver, temos três pilares fundamentais ao enfrentamento da pandemia: vacinação; assistência à saúde em níveis da rede de atenção básica, ambulatórios e hospitais e; a testagem em massa da população, sintomática ou não sintomática.

O Brasil está tendo o seu maior sucesso em seu programa de vacinação, principalmente a partir de junho de 2021 e após grande pressão popular e ações políticas. Atingimos adequadas coberturas vacinais e grande adesão da população adulta em todos os segmentos etários. Entretanto, temos visto ainda um percentual menor de vacinação em jovens e não há uma distribuição homogênea entre os Estados e Municípios do País. Este fato é preocupante, pois abre flancos e possibilidade de escapes e aparecimento de novas variantes. Do ponto de vista assistencial, fizemos grandes esforços tanto em nossa rede de atenção básica como em nossos hospitais tentando garantir acesso com qualidade. Nem sempre isto foi possível pela incontrolável demanda, mas toda a estrutura existente e aquela criada para este enfrentamento foram colocadas à disposição da população e mitigaram o desastre sanitário causado pela pandemia. Tudo o que pode ser dirigido ao enfrentamento da pandemia foi feito e, com isto, foi possível dar dignidade aos pacientes e suas famílias, na maioria dos casos.

Sabemos que a testagem em massa é um poderoso instrumento de controle da pandemia, pois nos fornece informações epidemiológicas fundamentais às tomadas de decisão, e sobre a evolução junto à população.

O Brasil, na verdade, nunca conseguiu atingir um patamar adequado de testagem e nunca conseguiu a capilaridade que estes procedimentos exigem.

Pude ver como países da Europa têm desenvolvido este trabalho de testagem de modo amplo e extremante acessível aos seus cidadãos. Centros de testagem são distribuídos por toda a cidade, desde os aeroportos, através de farmácias e com contêineres que fazem os testes de antígenos ou PCR em toda a população, sintomáticos ou não. É claro que este acesso tenta permitir que possa haver uma vida mais próxima do normal com garantia de acesso às lojas, aos museus, ao transporte público, aos restaurantes etc.

Tenta ainda, e isto é o mais importante, reconhecer os portadores assintomáticos ou oligossintomáticos e, com isto, isolá-los e tentar quebrar a cadeia de transmissão. Estes centros de testagem podem ser públicos e totalmente gratuitos ou pagos, com valores bastante elevados ao nosso poder aquisitivo. Mas, o importante, é que estão distribuídos por todas as cidades e seus bairros de modo a facilitar o acesso a qualquer momento. Em muitas atividades de trabalho ou de lazer, o cidadão só tem acesso se demonstrar que está sorologicamente negativo bem como apresente o seu atestado vacinal.

E é importante dizer que estou falando de países onde a liberdade é um bem maior e inatingível. Mas, o direito coletivo e a saúde pública prevalecem em momentos de grave crise sanitária. Devo enfatizar que o uso de máscaras e de medidas higiênicas é obrigatório e limita o acesso principalmente para ambientes fechados.

Creio que nossos dirigentes deveriam repensar a estratégia de testagem neste momento em que há iminente risco de progressão rápida de casos devido à “Ômicron”.

Até agora, testamos principalmente os casos sintomáticos e, eventualmente, os seus contatos. Isto faz com que nosso coeficiente de letalidade (relação de número de mortos/número de casos) seja cerca de 3%, maior, portanto, que a média mundial que é de aproximadamente 2%. Isto se deve ao menor número de diagnóstico que depende da testagem em maior escala.

Quanto mais testamos, mais diagnósticos faremos, mais cidadãos serão isolados e menor transmissão haverá.

Mais do que nunca, a nova ameaça da variante Ômicron exigirá novas estratégias de enfrentamento. A biologia do vírus mudou. Chego a pensar que o SarsCov2 adquiriu a sua “maturidade”, pois se transmite muito mais e mata menos. Este é o cenário ideal a um agente infeccioso que tem maior capacidade de se disseminar matando menos o hospedeiro. Este comportamento exigirá novas ideias e práticas de detecção e cuidado. É claro que ninguém esperava por isto, mas estamos diante de novos e grandiosos desafios, novamente. Testar, testar e testar é necessário, mais do que nunca.


Carmino Antonio de Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020


Fonte: Artigo publicado no site Hora Campinas em 08 de janeiro de 2022.




OUTRAS DOMINGUEIRAS