Apresentação
A Revista Domingueira da Saúde é uma publicação semanal do Instituto de Direito Sanitário - IDISA em homenagem ao Gilson Carvalho, o idealizador e editor durante mais de 15 anos da Domingueira da Saúde na qual encaminhava a mais de 10 mil pessoas informações e comentários a respeito do Sistema Único de Saúde e em especial de seu funcionamento e financiamento. Com a sua morte, o IDISA, do qual ele foi fundador e se manteve filiado durante toda a sua existência, com intensa participação, passou a cuidar da Domingueira hoje com mais de 15 mil leitores e agora passa a ter o formato de uma Revista virtual. A Revista Domingueira continuará o propósito inicial de Gilson Carvalho de manter todos informados a respeito do funcionamento e financiamento e outros temas da saúde pública brasileira.
Editores Chefes
Áquilas Mendes
Francisco Funcia
Lenir Santos
Conselho Editorial
Élida Graziane Pinto
Nelson Rodrigues dos Santos
Thiago Lopes Cardoso campos
Valéria Alpino Bigonha Salgado
ISSN 2525-8583
Domingueira Nº 03 - Janeiro
Índice
- Quem é pobre morre antes - por Lenir Santos
Quem é pobre morre antes
Por Lenir Santos
Essa contundente afirmação de Giovanni Berlinguer de que quem é pobre morre antes, serve também, em nosso país, para quem é preto, mulher, travesti, deficiente, indígena. A crise que se instalou no território Yanomami, onde se morre de fome, abandono, descaso, malária, contaminação são fatos execráveis, que deveriam ser impensáveis, sem nunca serem reais.
Os jornais e demais veículos de comunicação vem noticiando tal aberração, levando o presidente Lula a Boa Vista, Roraima, com a Ministra da Saúde tendo que declarar Emergência de Saúde Pública de Interesse Nacional dada a gravidade dos fatos sanitários a ceifar vidas que exigem a imediata proteção, dever inconteste do estado brasileiro que não foi capaz de assim agir nesses últimos anos.
A Constituição determina ser dever estatal proteger de modo prioritário as condições de saúde das pessoas mediante políticas sociais e econômicas e serviços de saúde a tempo oportuno; ser dever defender o meio ambiente, preservando-o para as presentes e futuras gerações e que as terras indígenas são inalienáveis e indisponíveis, cabendo ao seu povo o usufruto das riquezas do solo, das águas nelas existentes.
Letra morta até quando? Evadir-se desse dever, permitindo a degradação do meio ambiente, a contaminação das águas, a degradação dos costumes, da cultura, omitindo-se e não combatendo o garimpo, a pesca, o desmatamento ilegais, faltando com a proteção à esses povos, é fato gravíssimo, que ofende a toda a Nação brasileira.
Nesse momento, o SUS tem papel fundamental para recuperar a vida daqueles que estão gravemente enfermos, subnutridos, com ações intersetoriais para conter o descalabro que se instalou em terras indígenas na região amazônica.
Em pleno século XXI, a era do conhecimento globalizado, da veiculação instantânea de informações, os indígenas estão a morrer de fome, de abandono, um escárnio que exige punição dos responsáveis e o permanente combate a todo o tipo de ação ilegal para pôr cobro a esse descalabro.
Antropólogos, ambientalistas e lideranças indígenas vêm denunciando o garimpo ilegal nessas terras, sem que as autoridades nacionais tomassem medidas suficientes para conter esses abusos, que já causaram a morte de centenas de crianças; que contaminaram as águas, destruíram florestas, degradando a vida sob todas as suas formas, impondo a fome, a doença, a morte em aldeias indígenas. Onde o respeito à dignidade humana? Até quando a morte Severina?
“Onde se morre de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia, que ataca até gente não nascida? (...) no mesmo ventre crescido sobre as mesmas pernas finas e iguais também porque o sangue que usamos tem pouca tinta.” (João Cabral de Mello Neto, Morte e Vida Severina).
Até quando um país com as suas riquezas, que são muitas, especialmente quanto à produção de alimentos, continuará como contraponto, a matar de fome Severinos e Indígenas? De fome, de sede, de descaso, de desabrigo, de miserabilidade, de abandono, de ganância consentida.
Onde o sentido de nação, que pressupõe sentimento de pertencimento, de destino comum entre todas as pessoas que a habitam? Nenhum a menos. Sentido de destino comum não pode conviver com extremos, a abundância de poucos e morte de muitos por fome, numa cultura de ‘castas’, onde se define desde o nascimento quem morre antes.
Lenir Santos, advogada, doutora em Saúde Pública pela Unicamp, professora colaboradora do Departamento Saúde Coletiva Unicamp e presidente do Instituto de Direito Sanitário – IDISA.